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A Sorte Está Lançada

Richard Simonetti

Conta Suetônio (69-122), que no ano 49 a.C., em plena guerra civil romana, confrontando-se os generais Pompeu (106-48 a.C.) e Júlio César (100-44 a.C.), este postava-se vacilante, com seu exército às margens do Rubicão, rio que separava a Itália da Gália Cisalpina.

Em dado momento César viu um homem muito alto, sentado próximo, pitando um pedaço de junco.

A estranha figura arrebatou a trombeta de um soldado e, pondo-se a soprar o toque de batalha, vadeou o rio em direção à margem oposta.

Empolgado, Júlio César anunciou:

Vamos avançar, e seguir para onde quer que os desígnios dos deuses e as provocações dos inimigos nos chamem.

A visão daquele ser fantasmagórico que avançara resoluto, convocando seu exército à batalha afigurou-se a César um sinal divino.

Competia-lhe obedecer.

Resoluto, fez, em altas vozes, a proclamação famosa:

– Alea jacta est! – a sorte está lançada!

E atravessou o Rubicão, dando início a uma guerra que culminaria com seu triunfo sobre as tropas de Pompeu.

Alguns anos depois, após muitas lutas e muitas mortes, orgulhoso de suas conquistas, Júlio César faria outra proclamação famosa:

– Vim, vi e venci!

Percebe-se que ele não era exatamente um instrumento das potestades celestes para nobres realizações. Apenas um guerreiro ávido de conquistas.

***

A História está repleta de episódios dessa natureza, em que interferências do mundo espiritual, tomadas à conta de sobrenaturais ações dos deuses, estimulam determinadas realizações humanas.

Isso não significa que essas influências sejam sempre boas.

O Espírito que apareceu à visão de Júlio César, instigando-o a prosseguir, não era, obviamente, um representante dos poderes espirituais que nos governam, dando apoio a suposto movimento de renovação.

Aquela campanha, somadas as anteriores e posteriores, dizimariam centenas de milhares de romanos e de seus adversários, semeando dores e atribulações.

***

Ontem como hoje vivemos rodeados de Espíritos.

A população desencarnada é aproximadamente três vezes maior, espraiando-se por vários planos, no infinito.

Grande é o contingente de Espíritos que, em face de suas limitações e tendências, jungem-se aos homens, participando de seus interesses, interferindo em seus negócios, explorando-lhes as tendências e viciações.

Na questão 459, de O Livro dos Espíritos, o mentor espiritual que orienta Allan Kardec diz que eles nos influenciam mais do que imaginamos, o que significa que freqüentemente agimos como joguetes em suas mãos.

Sua presença raramente se faz sentir personificada num homem que toca uma trombeta, induzindo-nos a superar o curso de nossas vacilações, para as realizações de que cogitamos.

Mas poderá ser pressentida nos pensamentos e impulsos que nos acometem, induzindo-os a fazer ou falar algo que nos pode ser benéfico ou de que poderemos nos arrepender amargamente.

Não é fácil separar suas sugestões das idéias que nos são próprias, mas podemos estabelecer o teor dessas influências a partir de nossas motivações existenciais.

A ambição de César era conquistar o mundo.

Conta-se que certa feita, ainda jovem, teria chorado diante de uma estátua de Alexandre, o Grande, considerando que em sua idade o guerreiro grego já realizara aquela proeza.

Natural, portanto, que se cercasse de Espíritos ligados à violência, que inspiravam suas iniciativas e as guerras de conquista em que se empenhava.

***

Deveríamos, em nosso próprio benefício, avaliar sempre a natureza de nossas cogitações.

Estou convicto, leitor amigo, de você não está pensando em dominar o mundo, mas, como todos os homens, deseja abrir espaços para que se realizem seus sonhos de felicidade e paz.

É importante, nesse mister, que todos usemos de discernimento e prudência, porquanto, de conformidade com nossas iniciativas, tal será a natureza das influências que sofreremos

Se não houver princípios claros e bem definidos, voltados para o bem e a verdade, poderemos, como César, efetuar grandes conquistas, mas todas efêmeras e comprometedoras, que resultarão em amargas desilusões e penosas reparações, quando formos chamados a prestar contas da jornada humana.

BOLETIM CEAC – ABRIL/2000