Você sabe do que está falando?
O principal aspecto de qualquer texto conceitual é a qualidade do conteúdo. Ele envolve dados, informações e idéias selecionados e organizados que expressam a visão crítico-analítica de quem redige. Tal material costuma estar apoiado em uma ciência, em uma disciplina, em uma área de conhecimento, ou em várias delas ao mesmo tempo. Deve, portanto, respeitar a veracidade de informações, conceitos e dados consagrados — social, cultural e historicamente aceitos como válidos. Isso não significa, porém, que conceitos e dados consagrados não possam ser questionados. Claro que sim. O trabalho intelectual implica questionar posições consagradas, acrescentar novidades, expor idéias. Aliás, o ensaio, em suas principais variantes, é a forma mais significativa de registro dessas novidades.
1. Crítica ou aceitação
O conteúdo de um ensaio pode questionar o conhecimento já existente sobre o assunto abordado ou apoiar-se nele. Sabemos que as mudanças são inevitáveis e necessárias, em todos os campos da atividade humana. Uma postura conservadora em relação à cultura, aos costumes e aos valores, que despreze a possibilidade evolutiva, é uma postura reacionária.
1a. Nada é verdade absoluta
Em qualquer área de conhecimento, não se pode considerar o que foi aprendido como verdade absoluta, imutável. Isso seria um erro. Se observarmos os conteúdos de textos, trabalhos e projetos verdadeiramente revolucionários, seja na Filosofia, seja nas ciências, veremos que estes se caracterizam pela crítica ao conhecimento já existente e, portanto, pela crítica e reformulação da tradição cultural precedente.
Para lembrar:
Não se critica e reformula algo que não se conhece bem. |
| Textos de conteúdo científico se caracterizam em geral pela crítica do senso comum e do conhecimento existente |
2. Idéias próprias
Devemos nos esforçar por pensar “com nossa própria cabeça”, sem desprezar o que foi pensado antes. Essa prática deve ser iniciada, de preferência, na infância, quando todos ainda estamos totalmente abertos ao aprendizado e ao questionamento.
2a. É fundamental revisar e questionar
É importante fazer sempre uma revisão do que sabemos e do que estamos aprendendo. Mas respeitar verdades estabelecidas não significa ser submisso a elas. Veja um exemplo: houve um momento da nossa História em que a Terra era considerada o centro do universo, com o sol e os outros astros girando ao seu redor.
O astrônomo Galileu Galilei (1564 a 1642) |
Os estudos de Copérnico e de Galileu, que questionaram essa “verdade” estabelecida, possibilitaram que nossa compreensão sobre essa questão, hoje, seja outra. |
Se o homem não tivesse essa capacidade de questionar, ainda viveríamos em cavernas, temerosos dos monstros imaginários que habitam o desconhecido.
3. O questionamento
O questionamento do conteúdo não é algo fora do alcance das situações do dia-a-dia, embora a princípio pareça que apenas textos de grande abrangência estejam sujeitos a esse processo.
3a. Textos de menor alcance
O questionamento existe em todos os textos. Para isso, basta nos fazermos perguntas simples sobre o alcance e os objetivos do texto, seja ele científico, uma redação para o vestibular ou um memorando.
4. O conteúdo do ensaio
Sabemos que todo texto tem um conteúdo. Do poema à carta comercial, da crônica ao ensaio. Só que o ensaio deixa muito claro qual é o seu conteúdo e quem o redige está essencialmente preocupado com ele.
4a. Diálogo com o leitor
Nunca se pode esquecer que não existe conteúdo neutro. Ainda que camufladas, sempre haverá posições políticas, filosóficas ou ideológicas presentes no que se escreve. Ou seja, ao escrever, o redator mantém com o leitor um diálogo em que tenta estabelecer uma relação de cumplicidade e comunicar os seus pontos de vista.
4b. Leitura e posicionamento
E se há essa questão do posicionamento do autor, há sempre a questão da concordância (ou não) do leitor com as idéias expostas pelo autor. É a dialética. Por isso, quando lemos, temos de nos posicionar em relação ao texto.
| Dialogando com o leitor, os dois textos acima trazem posições opostas a respeito da clonagem de animais e de homens |
4c. Leitura e postura crítica
Muitas pessoas têm medo de se deixar influenciar por aquilo que lêem. Tal medo tem fundamento, porque de fato os autores procuram sempre fazer valer suas idéias e posições. Assumir uma atitude crítica frente ao que se lê ajuda a superar esse temor.
| Da mesma forma que no ensaio, o texto poético também estabelece um diálogo com o leitor |
5. Um elefante no meio da sala
Imagine-se entrando em uma sala — a da sua casa, a de trabalho, a sala de aula. E que ao entrar você depare com um enorme, vivo e reluzente elefante vermelho. Não é alucinação. Ele está lá, parado, no centro da sala.
O que você pensaria em uma situação como essa? Provavelmente não pensaria nada, ficaria lá, paralisado, com aquela cara de quem viu um elefante vermelho na sala.
5a. Elefante x elemento crítico
Por que você se espantaria? Pela simples razão de que aquele ambiente não é lugar para um elefante vermelho, ou de qualquer outra cor. Sua presença nos choca porque é inadequada ali. Se ele estivesse no zoológico, você não se espantaria.
O elefante no meio da sala, portanto, funciona como um elemento crítico. |
O elemento crítico pode surgir em situações do dia-a-dia, em ocasiões sociais especiais, na conversa profissional e na hora de escrever. E ele vai chamar a nossa atenção de tal maneira que a princípio irá nos paralisar. Mas em seguida nos fará pensar e agir.
5b. Como identificar o elemento crítico
Elemento crítico é aquele que propicia o reconhecimento dos outros elementos que compõem um conjunto estruturado. Por exemplo, você irá questionar como é que o elefante pôde passar pela porta ou pela janela; quem colocou o elefante ali (ou ele veio sozinho?); por que o pintaram de vermelho (ou seria a cor natural dele?). Esteve sempre ali e você não via?
Para lembrar:
O elefante propicia a você questionar os elementos que compõem a sala enquanto um conjunto estruturado. Ou seja: o elemento crítico leva a uma atitude crítica. |
6. O que é ser crítico?
Ser crítico é reconhecer os elementos de um conjunto estruturado e compreender suas funções nesse conjunto.
6a. Por que você não desmonta o seu relógio?
Por que você não desmonta seu relógio de pulso? Certamente porque ele funciona bem, e se não funcionasse, você o levaria a um relojoeiro. Além disso, não vê uma função nisso. Só o faria se nessa “análise” houvesse um propósito, como a suspeita de que houvesse um elefante vermelho dentro dele, por exemplo. Pela mesma razão você não desmonta seu liquidificador ou seu aparelho de som.
Essa atitude também é o elemento crítico
6b. Imposição ou necessidade
O elemento crítico pode resultar de uma imposição exterior (elefante vermelho) ou de uma necessidade interior (intenção de conhecer ou compreender o mecanismo do relógio).
7. Elemento crítico na realidade
Podemos pensar o elemento crítico em situações reais de nossa vida pessoal e social. Os planos econômicos do governo, por exemplo, são elefantes vermelhos que nos obrigaram a repensar o contexto da economia do país e a nossa economia doméstica. O mesmo deve ter ocorrido com você com decisões importantes que tomou, que o levaram a repensar todo o contexto de sua vida.
8. Elemento crítico e ensaio
Colocando-se no lugar de quem redige o ensaio, você terá de ser crítico se desejar despertar o interesse de seu leitor. Você deve estar perguntando: “mas como eu enfio um elefante vermelho na sala do leitor?” Ou: “como posso ter uma atitude crítica em relação ao texto?”.
| Aqui, o próprio autor, além de estimular o senso crítico do leitor, menciona um momento de questionamento do protagonista da história |
9. O comportamento crítico
As pessoas podem não exercer suas capacidades críticas, mas potencialmente qualquer ser humano “normal” as tem. Toda atividade crítica pressupõe dois componentes essenciais: o questionamento e a ordenação das respostas. Uma pessoa crítica é aquela que questiona e se questiona, buscando resposta para suas indagações. A insatisfação com o próprio desempenho é o gérmen do comportamento crítico e do conseqüente crescimento nas atividades profissionais ou intelectuais.
Para lembrar:
Todo ensaio é sempre a tentativa de respostas a eventuais perguntas que o leitor faria sobre o assunto. |
10. Pense e questione
Conteúdos críticos não resultam apenas de leituras ou de assistir a aulas. É preciso que o interesse por si mesmo e pelos outros seja maior do que os medos, as inseguranças, as inferioridades e as preguiças. No questionamento corajoso de si mesmo, você encontrará a exata medida de suas dificuldades e saberá trabalhar para superá-las.
11. Como chegar a um bom conteúdo no ensaio
Existem qualidades principais do conteúdo para que ele seja correto e aprofundado. Para assegurar isso, deve-se adotar uma série de atitudes, sendo a primeira delas ter, frente ao texto conceitual, uma atitude crítica e autocrítica. Também é preciso ter clareza do âmbito da discussão e/ou exposição do tema de que o texto trata.
11a. Nunca se apóie em dados incorretos
Outra coisa essencial para que o seu trabalho seja bom diz respeito aos dados em que se apóia sua argumentação. Eles devem ser corretos, nunca inventados ou meramente supostos. Se você não tiver segurança quanto a eles, descarte-os ou informe-se mais a respeito do assunto.
Outras orientações para elaborar um ensaio
• | Dedicação — Sua discussão e exposição devem ter um sentido de aprofundamento. |
• | Argumentação — Se esta envolve uma ou mais ciências ou disciplinas ou áreas de conhecimento, respeite suas leis, seus princípios, suas normas e seus objetivos. |
• | Objetividade — Evite “eu acho”, “eu penso”, a não ser quando quiser assumir posições pessoais (é melhor usar “creio”, “acredito”, “suponho” etc.). |
• | A verdade — Pesquise, pergunte a pessoas bem informadas, informe-se quando não tiver certeza dos dados ou confiança em suas opiniões. |
• | Interesse — Procure manter-se atualizado, no mínimo sobre seu campo de trabalho ou estudo. |
• | Crítica e autor — Abra-se para a crítica de seus leitores, mas não tenha uma atitude passiva frente a ela. Seja criterioso, pois o leitor pode ser menos preparado do que você. Se não for, reformule-se, sempre preservando sua independência de raciocínio e seu senso crítico. Não se intimide com a crítica. Também não se iluda com elogios superficiais. Seja exigente consigo mesmo. |
Glossário
Reacionária: aqui tem o sentido de uma atitude que é contrária à liberdade de expressão e à mudança.
Variante: que varia ou difere. Cada uma das várias lições ou formas do mesmo texto; versão.
Veracidade: qualidade de veraz, verdade.
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