O caminho certo é o caminho de sempre?
Além do que já vimos sobre as possíveis estruturas do ensaio, há considerações importantes a serem feitas sobre a sua utilização. É preciso ter sempre em mente que é necessário adequar o conteúdo à estrutura, ou seja, pensar o texto antes de redigi-lo. Vencida a dificuldade inicial de domínio da estrutura, pode-se incorrer em uma falha perigosa, que é tomá-la como um modelo, algo imutável, que deve ser usado sempre da mesma forma. Esse erro também pode nos levar a ter um comportamento acomodado ou burocrático diante dos aspectos mais vivos da redação, como é o caso da linguagem e da estrutura de idéias.
Ou seja, o modelo passa a obstruir a criatividade e o texto fica inexpressivo e sem brilho. No caso do ensaio, sempre existe a possibilidade de se atuar criativamente, desde que essa opção signifique a melhor forma de “chegar” ao leitor. Todas as estruturas que apresentam as três partes correspondentes à estrutura dialética — introdução, desenvolvimento e conclusão — são variantes do ensaio, e são utilizadas em outros tipos de textos, como cartas comerciais, memorandos, trabalhos escolares, teses, textos jurídicos e outros.
1. Valorizando o novo
Pode ser que, por razões de trabalho ou de estudo, você precise usar sempre a mesma estrutura em seus textos. Se isso ocorrer, cabe a você reconhecer a necessidade de aceitar as imposições da estrutura utilizada, e não “inventar” onde não deve.
1a. Procure aspectos que sejam variáveis
Seguir padrões não significa que você deva barrar sua criatividade em todos os aspectos do texto, caindo na inexpressividade absoluta. No caso do conteúdo, por exemplo, não quer dizer que você tenha de abrir mão do que pensa e do sentido crítico que o texto deve ter. Mesmo os textos apenas informativos, como alguns relatórios e cartas, têm no conteúdo um aspecto que pode variar ou ser modificado. Do contrário, você tira cópias e não precisa redigir novamente.
2. Veja o jornal
Do ponto de vista da estrutura, os jornais, por exemplo, se repetem diariamente, anos e anos da mesma forma. No entanto, continuamos a lê-los com interesse. Em quê? No que há de novo — a notícia; no conteúdo, portanto.
Na capa do Caderno 2 de O Estado de S.Paulo, a estrutura das chamadas para as notícias internas se repete. Mas as notícias bem contadas e saborosas são atrativos que diariamente estimulam o interesse do leitor |
2a. O segredo é o conteúdo
O redator de textos do jornal diário tem clara consciência de seus leitores e dos limites formais que seu texto deve ter e, apesar da repetição estrutural (o tamanho da matéria, a distribuição dos assuntos nas seções), sabe manter seus leitores interessados. A situação do redator do jornal é parecida com a da secretária que redige diariamente cartas semelhantes. É capaz de interessar seu leitor, se souber realçar os aspectos não-repetitivos.
3. A repetição crítica
Por trás dessa imposição de estrutura existe, evidentemente, uma intenção. No caso da utilização de uma estrutura padronizada de texto, pretende-se facilitar a leitura e dar certa “familiaridade” ao texto — como ocorre com o jornal de nossa preferência. A repetição — se crítica — pode favorecer um constante aperfeiçoamento da redação.
4. Um decreto contra a repetição
Vejamos a linguagem na sua relação com a estrutura. Anos atrás, o então ministro do extinto Ministério da Desburocratização, Hélio Beltrão, baixou uma norma, orientando para que se eliminassem frases e expressões supérfluas nas comunicações internas e externas redigidas em seu ministério. O fato teve repercussão nacional, com notícias largamente exploradas pela imprensa.
4a. Estrutura x linguagem viciada
Há uma opinião generalizada de que os textos oficiais, além de repetitivos, são chatos. Por isso, repartições públicas, autarquias e empresas constantemente revelam preocupações pelo menos com a maior objetividade de seus textos. Mas essa, que se saiba, foi a primeira vez que oficialmente uma autoridade denunciou a chatice. Repetição de estrutura não precisa ser repetição de linguagem viciada.
5. De volta ao leitor
Se o que justifica a definição de um conteúdo crítico é o leitor, o mesmo se diga da utilização da estrutura. Se o texto tem uma estrutura padronizada, isso não significa que devamos considerar a linguagem da mesma maneira, com frases quase idênticas às utilizadas nos textos anteriores. Será que esses textos não podem ao menos ser mais objetivos, como sugeria o antigo ministro?
| Mesmo em um comunicado oficial, que deve ser objetivo, é possível variar a linguagem tornando-a menos burocrática e chata |
6. Depois da longa fila
O trabalho burocrático — que é onde mais se utilizam esses textos repetitivos na estrutura — não precisa ser necessariamente maçante. Há funcionários de repartições públicas e de bancos que, depois de você esperar um tempão na fila, o tratam friamente. Mas há também situações inversas, quando, apesar da demora, você é tratado “como gente”, com simpatia.
6a. Burocracia e responsabilidade
O trabalho dos funcionários desses locais é difícil e desgastante; mas se eles o aceitaram, devem assumir essas dificuldades, que não os autorizam a desrespeitar o público. Por isso são admiráveis os que trabalham com eficiência. São, na aparência mecânica da repetição, pessoas conscientes da importância de sua função.
6b. Repetição não-crítica
A repetição dá sempre uma impressão ruim, de que é preciso acostumar-se negativamente a ela, como um robô. Ocorre que o mal é a estrutura acrítica, acomodada, como um ator de teatro que, após a terceira apresentação da peça, perde toda emoção e entusiasmo. Sua atuação mecânica irá esfriar inevitavelmente a platéia. Ao mesmo tempo em que são produzidos textos burocráticos, sem vida, continuam a ser redigidos, diariamente, ensaios, relatórios, cartas, trabalhos escolares, entre outros, que podem ser textos vivos, caso seus autores se proponham a isso.
7. Fazendo uma boa utilização da estrutura
A estrutura pode ser bem utilizada pelo autor e, assim, ser fundamental para o andamento do trabalho e para um bom resultado final. Mas antes de tudo é preciso escolher a estrutura adequada ao conteúdo e aos propósitos do texto. Depois disso, será necessário seguir vários passos, fundamentais para desenvolver o seu ensaio. Veja quais:
1 | A linguagem, especialmente nos momentos de demarcação das partes – introdução, desenvolvimento e conclusão — deve ser adequada não só ao conteúdo, mas também à sua função estrutural, evitando chavões, lugares-comuns, “encheções de lingüiça” e redundâncias. |
2 | Tenha sempre em mente a importância da conclusão como parte principal do ensaio. |
3 | Evite desvios inoportunos na argumentação, particularmente no desenvolvimento, para garantir o equilíbrio de suas idéias na estrutura escolhida. |
4 | Procure respeitar a proporcionalidade das partes para textos não muito curtos, em que a introdução será no máximo 1/5 do texto; o desenvolvimento corresponderá a, no mínimo, 3/5 do texto e a conclusão será, também, no máximo, 1/5 do texto. |
5 | Tenha especial cuidado com estruturas repetitivas, para não redigir um texto inexpressivo. |
6 | Se, ao iniciar o texto, você tiver clareza da estrutura utilizada, terá maior consciência de sua adequação, seus limites e suas aberturas. |
7 | Criatividade não é “loucura”, impertinência, irresponsabilidade ou falta de senso crítico. Resulta, sobretudo, da maturidade das idéias e da consciência sobre o leitor a quem se destina o texto. |
8 | A estrutura escolhida não deve ser um fator de cerceamento das idéias; ao contrário, é um apoio seguro para elas. |
9 | Um texto mal estruturado pode prejudicar irremediavelmente o ensaio ou qualquer outra forma de redação conceitual, ainda que o trabalho tenha outras qualidades. Nunca perca uma oportunidade de refletir sobre a função do texto e sobre sua estrutura, ainda que esta seja a que você pratique diariamente. |
10 | Esteja também aberto a observações críticas e preocupe-se sempre em se reciclar, procurando pesar as opiniões alheias e filtrar aquelas que realmente levem a um crescimento de sua autocrítica. A humildade na aceitação da crítica não deve ser confundida com insegurança. |
Os chavões e lugares-comuns empobrecem o texto e podem indicar que seu autor não domina o assunto sobre o que se propôs a escrever |
8. Como não se perder no caminho conhecido
Todo esporte tem seus fundamentos. Fundamentos são ações que se tem ao praticar um esporte, sem os quais não se domina sua linguagem. Por exemplo, o drible é um fundamento do futebol; o saque, do vôlei; o arremesso, do basquete. Mas o que tem esporte a ver com redação?
Na redação, um dos fundamentos mais importantes é o ritmo do texto.
8a. A importância do ritmo
E o que tem ritmo a ver com ensaio? No poema o ritmo é essencial, determinado pelas técnicas ligadas à utilização do significante (rima, métrica, aliteração etc.) e do verso. Nos textos em prosa — entre os quais se inclui o ensaio — o ritmo tem características muito diferentes das do poema.
8b. Na hora do drible
Pode ocorrer de o conteúdo do texto conceitual estar correto e bem distribuído em uma estrutura, e mesmo assim o texto continuar confuso ou chato. Isso irá acontecer se o trabalho estiver falho em sua estrutura de idéias. Não ter noção do ritmo associado à estrutura de idéias seria o equivalente a uma situação na qual um jogador de futebol dominasse todas as regras do jogo e suas táticas, mas não soubesse chutar ou driblar.
Para lembrar:
Ritmo é um fundamento diretamente relacionado com a seqüência das frases, no texto em prosa. Portanto, tem a ver com a estrutura de idéias. |
9. Estrutura de idéias
A estrutura de idéias é traduzida no texto na forma de parágrafos e períodos. Além do conteúdo, envolve aspectos de linguagem e de Gramática, principalmente pontuação e estrutura do período.
| No texto de Mário de Andrade, o parágrafo é composto por cinco períodos |
9a. Idéia = frase
No ensaio, podemos observar a estrutura de idéias em dois aspectos que consideramos os principais, do ponto de vista da redação:
• Enquanto uma seqüência ordenada das idéias.
• Enquanto uma seqüência ordenada de frases.
Para lembrar:
Consideremos idéia uma entidade abstrata que corresponde a uma unidade do que se pensa. Sua existência é, então, mental. Digamos que seja uma unidade de pensamento. |
9b. Idéia e unidade
A idéia, quando expressa em palavras, vai corresponder também a uma unidade. Essa unidade é a frase. As palavras “frase” e “idéia” aqui terão esses sentidos.
A frase contém ou equivale a uma idéia: IDÉIA = FRASE |
Não importa o número de palavras. Pode-se expressar uma idéia com uma ou várias palavras.
| ||||
Quando não colocamos a vírgula, a segunda frase muda de sentido. Dá a entender que se trata de quatro pessoas chamadas José |
10. Na prática, a idéia é a frase
Essa distinção entre frase e idéia é didática. Na prática, escreve-se. O que se organizou “na cabeça” só interessa se transforma-se em texto. Entretanto, existem esses dois estágios da elaboração do ensaio. Podem, aliás, existir em qualquer tipo de texto, mas em nenhum outro é mais evidente do que no ensaio, que necessita de preparação e pesquisa. Na prática, a idéia é a frase. A Gramática nomeia a organização de frases como orações e períodos.
11. Período
É um enunciado lingüístico com sentido acabado, formado por uma ou mais orações. O período pode ser simples ou composto. É simples quando constituído por uma só oração. O período é composto quando é formado por mais de uma oração. Graficamente, o período caracteriza-se por iniciar-se com a letra maiúscula e encerrar-se por ponto final, ponto de interrogação ou ponto de exclamação; pode também terminar com reticências. Pode, ainda, ser concluído com essas pontuações combinadas.
11a. Função do período no texto
Do ponto de vista da redação, os períodos determinam o ritmo de exposição das idéias e, conseqüentemente, o ritmo da leitura. Por isso, é importante o domínio da pontuação como recurso necessário para que possamos expor com clareza nossas idéias. Ainda que em nossa mente tenhamos as idéias bem organizadas e ainda que ao falar consigamos o mesmo efeito, não podemos ter certeza de que uma expressão escrita seja clara, se não conseguirmos traduzir pelos sinais convencionais de pontuação as pausas necessárias para a melhor compreensão do leitor.
Para lembrar:
Nunca perca de vista que o leitor lê também as pontuações. |
| Na história infantil, os sinais de pontuação são elementos fundamentais do texto |
Glossário
Burocrático: relativo a,
ou próprio da burocracia, que é a administração da coisa pública por funcionário
sujeito a hierarquia e regulamento rígidos e a uma rotina inflexível.
Convencional: relativo a,
ou resultante de convenção, que é tudo aquilo tacitamente aceito, por uso ou
geral consentimento, como norma de proceder, agir; costume.
Impertinência: qualidade de
impertinente; inoportuno, inconveniente, descabido.
Imposição: ação de impor,
de estabelecer, de obrigar, de infligir; a coisa imposta.
Obstruir: fechar, tapar,
entupir, impedir.
Redundância: qualidade de
redundante, excessivo, repetitivo.
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