Um conhecido nosso, já desencarnado, era católico
fervoroso. Andava por todos os lugares com folhetinho de Nossa Senhora no bolso
da camisa. Sempre que ouvia falar de feitiços, fazia questão de mostrar a todos
os presentes a sua santinha e dizer: “Não acredito nisso. Se é que existe esta
tal de macumba, mandem fazer para mim”. Exibia, então, a santinha, e completava:
“Está aqui minha protetora. Nela eu confio”.
Certo dia, tendo entrado numa mercearia vizinha de sua casa, acabou pegando
uma conversa pela metade. Nela, algumas pessoas falavam de trabalhos de macumba.
Ele, como fazia muitas vezes, não deixou por menos: foi logo fazendo seu
costumeiro desdém, apresentando a todos sua santinha protetora.
Lá no canto do balcão estava encostado um homem moreno, meia idade, que
tomava seu golinho de cachaça. Nosso conhecido nem desconfiava que o tal senhor
era o pivô de toda a conversa.
Depois de falar que macumba era bobagem, e que os macumbeiros poderiam mandar
seus “trabalhos” sobre ele, pois sua santinha o protegeria, ele ouviu o que não
esperava. O baixinho do canto do balcão pegou o copo de cachaça, jogou um
golinho no chão, e disse: “É bom mesmo que tua santa te proteja, pois assim que
o amigo dela se afastar, correndo vais mandar me chamar”. Terminou sua
cachaçinha e despediu-se com um “inté!”.
Nosso amigo disse que tinha saído dali firme na fé, mas no fundo, havia
ficado preocupado com a história do desconhecido.
Ao chegar em casa preparou-se para o banho. Tirou a camisa como sempre fazia
e, bruscamente, ficou “tomado” de um Espírito desordeiro que tudo fazia para
jogá-lo ao chão. Se colocava a camisa o Espírito saía, se tirava a camisa o
Espírito o subjugava.
No outro dia, mal se abrira a mercearia, o dono, seu Manoel, encontrou a
figura do nosso conhecido, apavorado, lá fora. O vendeiro, estranhando aquela
presença tão cedo, arriscou: “Bom dia freguês. O senhor já por aqui? Veio buscar
pão?”. Ele respondeu: “Não, seu Manoel, eu preciso que você chame depressa
aquele homenzinho de ontem”.
Chamaram. Ele chegou com olhar meio maroto, cumprimentou os presentes e, num
cantinho da venda, fechou os olhos e rezou sabe-se lá prá quem. Daí a pouco,
disse: “Pode ir meu compadre, agora está tudo bem”. E lá se foi nosso amigo,
agora com mais cuidado com suas falas.
Sempre que seus amigos o encontravam, logo lhe perguntavam: “E então, como é
que é? Agora você acredita em macumba?”. Ele, então, respondia: “Acreditar eu
não acredito, mas também não abuso”.