Valorização da Vida Humana 5 – Eutanásia
Deixamos claro, em nossos estudos anteriores, os indícios que conduzem à cultura da morte.
No entanto, indícios não menos graves, igualmente pairam sobre os doentes considerados incuráveis e os doentes em estado terminal. Falamos da eutanásia.
Eutanásia é a “prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um doente reconhecidamente incurável“. (Dicionário Aurélio).
O mundo encontra-se envolvido num contexto social e cultural onde dia a dia se torna mais difícil enfrentar e mesmo suportar o sofrimento. No âmbito desse contexto mais viva, mais intensa, se torna a tentação de resolver a situação do sofrimento eliminando-o pela raiz, mediante a precipitação, a aceleração do processo da morte para o instante considerado mais oportuno.
Várias premissas concorrem para esta terrível decisão.
No doente, a ansiedade, o sofrimento, a falta de esperança, ou até mesmo a irritação ante a enfermidade, a dor intensa, podem concorrer para a decisão pessoal.
Observa-se que são colocados à prova os equilíbrios da vida pessoal e familiar, de forma a demonstrar por um lado, o doente, que apesar dos meios mais eficazes proporcionados pela medicina, poderá sentir-se esmagado pela própria debilidade; de outro lado, nos familiares e pessoas que lhe estão ligados por afeição, pode nascer um sentimento de mal-entendida piedade, compaixão.
Em uma sociedade materialista, consumista, mascarada de civilização cristã, como a que vivemos atualmente, com uma visão religiosa míope, sem atentar para as realidades do Espírito e da Vida, não se vislumbra realmente valor algum para o sofrimento, pelo contrário, considera-o como um mal que deve ser eliminado a qualquer preço, a todo custo.
Em uma sociedade materialista, dita de civilização cristã, não somente o sentimento de compaixão é utilizado para justificar a eutanásia mas também uma razão utilitarista, isto é, com a finalidade de evitar despesas improdutivas pesadas demais para a sociedade. Assim chega-se a propor a supressão dos recém-nascidos defeituosos, dos deficientes profundos, dos inválidos, dos idosos, sobretudo quando não são auto-suficientes, e dos doentes terminais. Não é justo, principalmente aos espíritas, calar diante dessas formas de opressão, de criminalidade. A quem Jesus voltou sua atenção quando esteve conosco há 2.000 anos? Aos pobres, aos cegos, aos coxos, aleijados, aos leprosos, aos famintos, aos miseráveis, aos perseguidos, aos esmagados, aos cativos, aos pequenos que são menos que nada.
Verificamos por Jesus, que a verdadeira história da humanidade é a história da dor, do sofrimento.
O Espiritismo nos demonstra a ilicitude em abreviar a vida de um doente que sofre sem esperança de cura.(1)
No Brasil, a Constituição Federal, de Outubro 1988, em seu artigo 5º, caput, garante primordialmente como direito e garantia fundamental a todos, “a inviolabilidade do direito à vida…”
Nossa legislação faz opção pela vida e pela saúde, não somente no aspecto retórico, mas sim com efeitos práticos e diretos, ensejando critérios de julgamentos criminais, como por exemplo, em hipóteses de periclitação de vida, omissão de socorro, do tratamento arbitrário, do homicídio.
A eutanásia, se enquadra no crime de homicídio.
Certos direitos todavia, prescindem de reconhecimento formal por parte dos legisladores, inclusive a nível constitucional, se colocando em um momento anterior, como algo imanente ao ser humano, o qual não precisa, não necessita ser declarado, ser votado, ser legislado. É o direito à Vida.
A Doutrina dos Espíritos nos demonstra “que o primeiro de todos os direitos do homem, é o de VIVER. Por tal assertiva ninguém tem o direito de atentar contra a vida do seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal.”(2)
Um grande Jurista registra(3): “A lei natural foi razoavelmente percebida pelos gregos e pelos romanos, que entendiam haver duas ordens pertinentes à organização social: uma delas preexistente à sociedade e inerente ao ser humano, que com tais direitos nascia, e outra criada pelo Estado conforme as necessidades circunstanciais e próprias de seu povo. À primeira denominavam “direito natural” e à segunda “direito escrito ou positivo“. Não chegaram seus autores a estudar, nesse nível de clara divisão as duas ordens, mas de seus escritos deduz-se a intuição das mesmas, que o direito natural veio reconhecer“. Prossegue dizendo: “…o direito fundamental do ser humano à vida, que é lei não-criada pelo Estado, mas pelo Estado apenas reconhecida e que pertence ao ser humano, não por evolução histórico-axiológica, mas pelo simples fato de ter nascido. É-lhe inerente e não concedida“. Continua demonstrando ser o artigo 5º da Constituição Federal, “norma de direito natural“, oferecendo-nos uma conclusão: “Por esta razão, o aborto e a eutanásia são violações do direito natural à vida, principalmente porque exercidos contra insuficientes. No primeiro caso, sem que o insuficiente possa se defender e no segundo, mesmo com autorização do suficiente, que levado pelo sofrimento, não raciocina com a lucidez que seria desejável. É violação ao direito à vida o suicídio, pois o suicida é também um insuficiente levado ao desespero do ato extremo, por redução de sua capacidade inata de proteção, constituída pelo instinto de preservação“.
É importante meditar sobre tais conceitos, sobre os conceitos éticos já examinados anteriormente, pois em verdade, definem a posição de nosso Direito, sendo a eutanásia inadmitida, lembrando que a legislação brasileira faz opção pela vida e pela saúde.
A valorização da vida para o Espiritismo, se liga de forma direta e íntima aos seus princípios básicos, de tal sorte que para o espírita pensar e agir de forma diferente, implica em sua direta contrariedade. A coluna básica do Espiritismo nesse contexto, encontra-se na pluralidade das existências, nas sucessivas reencarnações. Em seu caminhar evolutivo ao longo do tempo, o Espírito passa por sucessivas encarnações que lhe proporcionam oportunidades de aprimoramento, de elevação, de conquistas. Nesse caminhar que constitui um processo de aprendizado e também de expiação de faltas passadas, de purificação, o sofrimento físico ou moral surge como ferramenta indispensável e auxiliar em nossas experiências práticas que nos levarão à efetiva realização da virtude, à plenitude da vida moral.
O Espiritismo tem por base o respeito à vida desde o momento da concepção, condenando qualquer modalidade de ação que tenha por fim interrompe-la, por mais insignificante que possa parecer.
A terra é a grande escola para os Espíritos encarnados sendo uma oportunidade para a reflexão, em qualquer situação que se lhe apresente mesmo que seja sob a forma de sacrifício e dor num leito de desconforto e sofrimento. Compreende-se então a miopia do ser humano quando se revolta contra a doença, a qual deve ser encarada também, como recurso necessário à evolução por ser ela de responsabilidade exclusiva do sêr e não decorrente da fatalidade ou de desajuste do Criador.
A eutanásia, boa morte, morte piedosa, sómente será verdadeiramente legítima na acepção ética do termo, quando de limitar à solidariedade e ao amor dedicados a quem estiver de partida na certeza de que caminha para o seu verdadeiro nascimento, para a entrada na verdadeira vida.
Bibliografia:
- (1) O Evangelho Segundo o Espiritismo – Allan Kardec – Cap. V – item 28
- (2) O Livro dos Espíritos – Allan Kardec – Perg. 880
- (3) Fundamentos do Direito Natural à Vida – Ives Gandra Martins
- Lex Editora S.A. – SP. 1991
Correspondência: