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Certezas e Dúvidas

Fernando Pessoa, o poeta português, escreveu em um dos seus livros: “Quanto mais
medito na capacidade que temos de nos enganar, mais se esvai entre os dedos lassos,
a areia fina das certezas desfeitas”.

Quantas vezes nos surpreendemos ao constatar que determinados fatos não se deram
ou não aconteceram exatamente da forma como os lembramos. É como se em nossas mentes
houvesse um caldeirão onde as nossas lembranças se misturam e, quando algumas vêm
à tona, nem sempre são as verdadeiras; muitas vezes juntamos idéias ou fatos diferentes
em um só acontecimento.

Mais grave ainda são as nossas certezas resultantes das nossas interpretações,
das nossas conclusões, partindo de premissas falsas, que nos parecem verdadeiras,
estamos convictos, certos apenas porque os raciocínios elaborados estão corretos.

Quantas vezes dizemos: “Mas, como não percebi tal coisa!”, “Que burrice a minha!”

Jorge Luís Borges, escritor argentino, escreveu: “Talvez haja inimigos de minhas
opiniões, mas eu mesmo, se espero um pouco, posso ser também inimigo de minhas opiniões”.

Este pensamento evidencia bem as mudanças de opiniões que fazemos no decorrer
de nossa existência.

Conceitos, valores, idéias, atitudes que nos parecem tão verdadeiros, tão corretos,
num dado momento, não mais nos satisfazem: mudanças no entendimento, na interpretação.

Se analisarmo-nos com objetividade, percebemos o quanto mudamos em nossa maneira
de sentir, de perceber, de reagir.

Por quê isto acontece? Por quê somos hoje contra idéias, opiniões que aceitamos
ou defendemos no passado?

A nosso ver, essas experiências vividas por quaisquer pessoas nos mostram que
somos seres em desenvolvimento, em processo de auto-educação. O homem não é obra
acabada. Está se desenvolvendo durante suas existências na Terra e nos planos espirituais,
nos intervalos das mesmas. Para isso, Deus nos fez perfectíveis e, enquanto não
atingirmos um grau evolutivo que não mais nos permita enganos e erros, vamos mudando
nossos sentimentos, nossas percepções, nossas idéias e comportamentos.

Assim, estamos sujeitos a erros e equívocos, dos quais devemos ressaltar as lições,
aprendê-las para continuarmos nosso desenvolvimento.

Essa possibilidade de sempre o homem poder mudar-se, transformar-se é não só
correta e normal, como sobretudo, necessária. Pobre da pessoa que diz: “Eu sou assim,
serei sempre assim!”

Outro raciocínio que podemos fazer sobre esses dois pensamentos é que nossos
enganos e equívocos constantes nos devem indicar a necessidade de sermos mais cautelosos
em nossas certezas, em nossas verdades para não cairmos na radicalização ou na teimosia.

Mas, não podemos, então, ter certezas na vida? Temos de estar sempre em dúvida,
mesmo diante do que nos parece certo?

Se assim fora, o homem jamais poderia adquirir segurança no seu viver, na sua
maneira de ser. E ninguém pode desenvolver-se, crescer, realizar-se na dúvida constante.

Nossa segurança íntima decorre dos nossos valores, dos nossos princípios filosóficos,
da maneira como encaramos o existir, a nós próprios e aos outros. Precisamos, portanto,
ter algumas certezas sobre as quais determinamos nossas aspirações, nossos sonhos
e nossos esforços nas conquistas dos mesmos.

Na medida do seu desenvolvimento, o Espírito vai percebendo facetas da verdade
e são essas verdades percebidas que lhe auxiliam no seu processo evolutivo.

Nós, espíritas aceitamos determinados princípios que norteiam nosso viver. Quando
essa aceitação é fruto de estudos, de reflexão e análise, transforma-se numa convicção
interna, a que Kardec chamou fé raciocinada. E uma vez que nossa inteligência e
sensibilidade sejam capazes de perceber e aceitar esses princípios, eles se constituem
uma verdade. Por exemplo: Continuamos sendo nós mesmos após a morte do corpo? Se
estamos convictos desta verdade, não precisamos mais continuar nos questionando.
Precisamos sim, continuar estudando a teoria e a prática, não mais para adquirir
convicção, mas para que esta verdade se amplie, trazendo novos e melhores conhecimentos
das leis divinas. Só assim vamos reforçando nossa capacidade de aprendizado, de
aquisições, conquistando mais apoio, mais segurança em nosso viver cotidiano, na
educação (transformação interna) de nossos sentimentos, emoções, raciocínios, tornando-nos
pessoas mais equilibradas, mais seguras e mais úteis a nós e à comunidade.

Se temos a certeza de que somente o amor incondicional leva o homem à felicidade,
por quê não priorizarmos o desenvolvimento desse sentimento em nós, envidando todos
os esforços e utilizando todos os recursos e oportunidades que a vida na Terra nos
proporciona?

Se podemos e devemos transformarmo-nos continuamente, por quê não esforçarmo-nos
mais em vivenciar a verdade que conseguimos compreender e aceitar, em nosso viver
cotidiano?

Pensemos nisso!

(Jornal Verdade e Luz Nº 166 Novembro de 1999)