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Vida após a morte

Américo Domingos Nunes Filho

Os profilentes de crenças dogmáticas consideram-se privilegiados como “eleitos do Senhor” e “conhecedores da verdade que liberta”. Na realidade, seus argumentos são frágeis e inconsistentes, desde que não utilizam o pensamento racional acreditando ser de origem divina o que facilmente se constata provir de mente humana.

Infelizmente, as idéias dogmáticas, limitadas ao estudo da “letra que mata”, estão destituída de luz que resplandece verdadeiramente dos textos bíblicos, porquanto não estão alicerçadas na interpretação lógica e imparcial da Bíblia, nem mesmo levando em consideração a época em que ela foi escrita e o atraso considerável de seus autores, em correspondência com a época em que vivemos.

Ainda hoje, os admiradores das Escrituras, mergulhados no mar do literalismo bíblico, aceitam a criação do mundo em seis dias de vinte e quatro horas.

É incrível, contudo, acreditam os exegetas dogmáticos que o Universo foi criado há apenas seis mil anos, discordando inteiramente da ciência. Igualmente negam a teoria darwiniana da evolução, tachando-a de demoníaca, apesar do grande desenvolvimento cultural e científico de nosso tempo revelar sua existência.

Combatendo o pensamento racional da Doutrina Espírita, calcada na fé racionada, apontam alguns textos bíblicos, desconhecendo que ainda estão presos às revelações do Antigo e Novo Testamento em muitas de suas injunções humanas, ignorando inteiramente a presença já entre nós do Consolador Prometido, o “Espírito de Verdade”.

A vinda do Paracleto foi profetizada por Jesus, atestando que esse Consolador complementaria as lições que ele próprio não pudera ensinar aos homens (João 14:26 e João 16:12-13). Portanto o verdadeiro conhecimento espiritual é progressivo e revelado somente aos que “têm olhos para ver e ouvidos para ouvir”.

Aqueles que ainda aceitam literalmente o fato de Jonas ter sido deglutido por um grande peixe não podem questionar doutrinas científico-religiosas, as quais não estão preparados para entender, porquanto afirma a Biologia ser impossível que tal coisa tenha acontecido, já que homem algum pode ser ingerido por qualquer ser aquático. Inclusive, nem mesmo a baleia (mamífero e não peixe) tem capacidade de engolir o ser humano, porquanto possui canais digestivos bem estreitos, alimentando- se apenas de plâncton, crustáceos e pequenos peixes.

Até mesmo em nossos dias outra invencionice contínua sendo propalada pelos que lêem a Bíblia, utilizando a ótica da “letra que mata”, desprezando o progresso científico atual: Josué, filho de Num e sucessor de Moisés, “fez parar o Sol e a Lua” (Josué 10:12).

Primeiramente, desde Copérnico e Galileu, sabe-se que nossa estrela não gira sobre a Terra. Depois, de forma alguma, poderia alguém deter qualquer astro celestial.

Utilizando o raciocínio, constatamos a fé cega dos dogmáticos bíblicos, não percebendo tantas incongruências no “livro sagrado”, como, por exemplo, a ausência da presciência da Divindade, arrependendo-se de Ter criado o homem. (Gênesis 6:6) e de haver constituído rei a Saul.

Outra discrepância: o próprio Criador desobedecendo ao mandamento de sua autoria (“não matarás”). No 1º Livro de Samuel (Cap. 15, versículo 3), está escrito que “Deus” mandou Saul assassinar a todos os amalequitas, dizendo: “destrói totalmente a tudo o que tiver; nada lhe poupes, porém matarás homem e mulher, MENINOS E CRIANÇAS DE PEITO, bois ovelhas, camelos e jumentos” (os grifos são nossos).

Quanto disparate! Que absurdo! Tirar violentamente a vida até de bebês! Segundo ensinamento do “Novo Testamento”, “Deus é Amor”- (João 4:8) e nunca o Criador mandaria matar, infringindo até um de Seus preceitos.

O livro de Eclesiastes ou “O Pregador” encontra- se no Antigo Testamento e tem sua autoria e autenticidade questionadas por numerosos exegetas. A seguinte afirmativa: “Palavra do Pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém” e, em alguns trechos, as referências às obras realizadas por seu autor, claramente indicam Ter sido Salomão o escritor da obra. Contudo, os textos foram redigidos em época bem posterior a sua, desde que o idioma, com vocábulos em aramaico, é ulterior ao rei, introduzidos depois do cativeiro da Babilônia (término em 538 AC), contendo algumas palavras de origem persa, como “pardisin” (paraíso).

O soberano judeu, filho mais moço de Davi com Bate-Seba, faleceu em 931 AC, portanto em tempo bem anterior à escravidão dos hebreus, em Babilônia. Todavia, pela análise do livro, é demonstrada a presença de Salomão como seu idealizador. Afastando a hipótese mediúnica, certamente alguém escreveu a obra, tentando-se identificar como o grande sábio.

Por conseguinte, os “textos sagrados” são frutos de uma mistificação e mesmo que fossem escritos verdadeiramente pelo rei expressariam apenas sua opinião pessoal.

Outro dado considerável é a observação de que nem Jesus, nem qualquer vulto do Novo Testamento, faz alusão ao livro de Eclesiastes.

Salomão, apesar de Ter sido portador de grande sabedoria, não é exemplo a ser seguido por ninguém, muito menos por qualquer adorador bíblico, já que, além de poligâmico (harém de mil mulheres), era apóstata, tendo erigido altares e templos pagãos (1 Reis 11:6-7), como também odiado pelo povo, o qual oprimia com pesados impostos para sustentar o esplendor de sua corte (1 Reis 12:9-14).

Pois bem, citando as seguintes passagens de Eclesiastes, os entusiastas do dogmatismo relatam que não há vida depois da morte, negando um princípio básico da Doutrina Espírita, o da sobrevivência do ser após o decesso corporal: “Porque os vivos sabem que hão de morrer, mas o s mortos não sabem cousa nenhuma, nem tão pouco terão elas recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento.

“Amor, ódio e inveja para eles já pereceram; para sempre não têm eles parte em cousa alguma do que se faz debaixo do Sol”.

“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além para onde tu vais, não há obra, nem projetos, nem conhecimento, nem sabedoria alguma”(Cap. 9, versículos 5, 6 e 9).

Inobstante o que está escrito em Eclesiastes, os antigos hebreus acreditavam que as almas regressavam, após a morte, ao lugar dos mortos (“sheol”) e, de lá, voltavam ao cenário terreno.

Em Isaías, denominado o “Quinto Evagelista”, encontramos referências a haver vida além do túmulo, revelando a presença vivaz e atuante dos seres nos domínios espirituais. O profeta, por ocasião da entrada no “sheol” do despótico rei da Babilônia, nos apresenta os mortos conversando, comunicando-se, provando que os espíritos têm consciência de suas individualidades e que há vida de relação no além, pondo em xeque os textos apócrifos de Eclesiastes.

Os versículos são bem claros, muito transparentes, relatando existência “post-mortem”: “Então, também tu (rei da Babilônia) fostes abatido como nós, acabaste igual a nós?” (Isaías 14:10).

O profeta narra que os interlocutores eram espíritos de potentados da Terra (príncipes e reis), surpresos por ver, na mesma situação, o poderoso monarca de Babilônia, o qual dizia, enquanto encanado, que “subiria aos céus, exaltando o seu trono acima das estrelas de Deus, como também assentando-se acima das mais altas nuvens, sendo semelhante ao Altíssimo” (Isaías 14:9 e 14:13-14).

Em que pese o livro de Eclesiastes afirmar que “os mortos não têm parte em cousa alguma e que a sua memória jaz no esquecimento”, há igualmente no Velho Testamento o relato de uma entidade espiritual apresentando-se, após evocação realizada pelo rei Saul, como um ancião, envolto em uma capa. Tratava-se do grande profeta e juiz, Samuel (1 Sm.28:12-20), já falecido e sepultado em Ramá (1 Sm. 25:1).

Apesar de estar inserido no livro apócrifo o pensamento de que “os mortos não sabem cousa nenhuma”, o espírito Samuel anuncia não somente a futura derrota de Saul para os filisteus, como também anuncia a morte em combate do soberano judeu e dos seus filhos (1 Sm.28:19).

Outra menção aos mortos é relatada, no antigo Testamento, em contraposição ao Eclesiastes, afirmando Jó, no capítulo 4, versículos 15 e 16 “Um espírito passou por diante de mim, fez-me arrepiar os cabelos do meu corpo; parou ele, mas não lhe discerni a aparência; um vulto estava diante de meus olhos”.

Querendo negar o aparecimento dos seres espirituais nos relatos bíblicos, os profitentes dogmáticos os enquadram como mensageiros divinos, criados à parte por Deus, sem qualquer vínculo encarnatório. Contudo, essas criaturas angelicais, ao identificarem-se, revelam seus nomes e apresentam- se como humanos.

O enviado Gabriel, por exemplo, é citado pelo profeta Daniel como “varão” (Dn 9:21). Inclusive, Gabriel quer dizer “Homem de Luz”. Outro ser espiritual que aparece em diversas situações é Miguel, com a apresentação de guerreiro (Apocalipse 12:7).

Igualmente, as Escrituras expõem à vista, com formas humanas, entidades espirituais a Abraão, a Jó, a Moisés e a Josué, aos israelitas em Goquim, a Gideão, a Manoá e a outros.

Quanto a última referência, é expressivo o fato de o pai de Sansão ter conversado com o habitante do além como se estivesse coloquiando com qualquer mortal, até mesmo tentando oferecer-lhe alimentos (Juizes 13:10-16).

Colocando por terra os textos de Eclesiastes contrários à sobrevivência das criaturas no além, Paulo, o apóstolo dos gênitos, assim se expressou, na Primeira Epístola aos Coríntios: “Ora, se é corrente pregar-se que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como, pois, afirmam alguns dentre vós que não há ressurreição de mortos? E se não há ressurreição de mortos, então Cristo não ressuscitou. E se o Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação e vã a nossa fé”(1 Co. 15:12-14).

Nessa mesma carta, Paulo ensina: “Mas alguém dirá: como ressuscitam os mortos? E em que corpo vêm? (1 Co 5:35). Semeia-se corpo natural ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Co. 15:44). “Assim como trouxemos a imagem do o que é terreno, trazemos também a imagem do celestial” (1 Co. 15:49). “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ‘morte, o teu aguilhão?” (1 Co. 15:54-55).

Jesus, nosso querido Mestre, se constitui em exemplo marcante da certeza da vida após a vida. Ele mesmo voltou do além, comprovando e revelando a morte da morte, continuando a viver.

Que emoção vivenciou Madalena ao ver o meigo Rabi à sua frente, diante do túmulo vazio, recém-materializado, ultra-eletrizado, dizendo-lhe: “Não me toques…” (João 20:17).

O Cristo nos ensina: “Eu sou a ressurreição e a vida, aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá” (João 11:25).

A morte não existe. A vida contínua após a falência irreversível dos órgãos. Se não houvesse vida fora do túmulo, não teria sentido a vida antes da morte. O espírito preexiste ao corpo de carne e sobrevive além da sepultura.

O Evangelho de Mateus esclarece que, após Jesus Ter expirado, muitos espíritos entraram em Jerusalém e apareceram a muitos (Cap. 27, vers. 53). Diz, igualmente, que Madalena e a outra Maria, quando foram ao sepulcro, viram um espírito materializado: “O seu aspecto era como um relâmpago, e a sua veste alva como a neve” (Cap. 28, vers. 3).

O nosso amado Mestre, segundo informação do apóstolo Pedro, na sua Primeira Epístola, Capítulo 3, versículos 18 a 20, morto na carne e liberto em espírito, foi pregar, no além, aos que se encontravam em sofrimento (“prisão”) desde o tempo de Noé.

Segundo Eclesiastes, “os mortos não sabem coisa nenhuma, não tendo mais parte com ninguém, sendo que o amor deles já feneceu”.

Em quem acreditar? Em Pedro ou num suposto Salomão?

Se não há projeto, obras, nem conhecimento, nas paragens espirituais, para que, então, Jesus foi pregar para os mortos?

Em verdade, segundo “o espírito que testifica e não pela letra que mata”, constatamos que prisão (“inferno”) representa o sofrimento que parece não ter fim, tendo a aparência ou ilusão de eterno (tempo indeterminado), de algo que parece não ter fim e que nunca mais se acabará. Daí a expressão: “fogo eterno”, citado emblematicamente no Evangelho (Mateus 18:8).

O Cristo, visitando e pregando aos espíritos aprisionados, nos revela a misericórdia do Pai, o qual “não contenda, nem se indigna, com os seus filhos” (Isaías 57:16). Visitar e pregar àqueles que estão “perdidos para todo o sempre” seria ato desumano e cruel, puro sadismo por parte daquele que é o nosso Mestre.

Personagem de grande expressão da Bíblia, o legislador Moisés, morto e sepultado na aterra de Moabe (Deuteronômio 34:5-6), aparece materializado, ao lado do profeta Elias, no “Monte da Transfiguração”(Lucas 9:30), atestando que os mortos vivem e que os textos já citados de Eclesiastes são realmente destituídos de importância e autenticidade.

Além das Escrituras, vem a ciência paulatinamente confirmar a sobrevivência do ser após a morte. Charles Richet, Prêmio Nobel de Física e Medicina, em 1913, criou a Metapsíquica com o fim de pesquisa os fatos transcendentes e ficou convencido da sobrevivência da alma. Depois, o trabalho marcante de Joseph Banks Rhine, nos anos trinta, com a Parapsicologia e a observação dos fenômenos psi-teta, exatamente explicados pelo notável pesquisador como de procedência espiritual.

Apesar de Eclesiastes afirmar que os mortos “não têm parte em cousa alguma”, inúmeros cientistas, no decorrer de séculos, chegaram à conclusão da sobrevivência do ser, fora do túmulo. William Crookes, Prêmio Nobel de Química, em 1907, considerado o maior sábio inglês da época, inventor do radiômetro e dos tubos eletrônicos de catódio frio para a produção de Raios-X, fazendo pesquisa com a médium de ectoplasmia. Florence Cook, concluiu pela existência do espírito. O grande homem de ciências chegou ao ponto de amarrar a médium na cama com cordas, costurando os nós e as laçadas. Em várias ocasiões, penetrou na cabine mediúnica, junto com a entidade materializada (Kate King), e pôde vê-la, com nitidez, ao lado de Florence, estando essa inteiramente adormecida.

Em 1894, em carta dirigida ao professor Ângelo Brofferio, o insigne cientista britânico afirmou: “Seres invisíveis e inteligentes existem, os quais dizem ser espíritos de pessoas mortas”. Em entrevista, publicada no “The International Psychic Gazette”, relatou: “É uma verdade indubitável que uma conexão foi estabelecida entre este mundo e o outro”.

Em 1950, o grande psicanalista Jung, entrevistado pela BBC, respondeu com muita propriedade a duas perguntas: “O Sr. acredita em Deus? E sobre a morte?”. O mestre do psiquismo afirmou: “Eu não acredito em Deus, eu SEI”. Quanto à morte, Jung disse: “Eu não acredito que a mente humana morra porque está provado que a mente humana não conhece passado, nem presente, nem futuro; contudo, se ela pode prever acontecimentos futuros então ela está acima do tempo, se está acima do tempo, não pode ficar trancafiada num corpo”. Na obra “Realidade da Alma”, relata: “A plenitude da vida exige algo mais que um ser; necessita de um espírito, isto é, um complexo independente e superior, único capaz de chamar à vida todos as possibilidades psíquicas que a Consciência-Ego não poderá alcançar por si”.

Hodiernamente, os cientistas comprovam a presença dos mortos comunicando-se através de aparelhos eletrônicos. A esse tipo de intercâmbio mediúnico foi dado o nome de Transcomunicação Instrumental (TCI), pelo físico sueco Emst Senkowsky.

Outros campos de pesquisa, rigorosamente científicos, revelam a realidade da dimensão espiritual. Médicos, estudando o fenômeno de quasemorte em pacientes que sofreram parada cardíaca, ouviram relatos de semelhança impressionante, inclusive encontros memoráveis dos doentes com entes queridos falecidos.

Inúmeros cientistas também se vêem diante do “sobrenatural”, ouvindo de pessoas moribundas, em alguns momentos de lucidez, a afirmação de coisas que ignoravam, principalmente a notícia de terem conversado com pessoas amigas ou familiares, falecidas por ocasião de internação dos doentes, fato desconhecido dos mesmos até então.

O fenômeno é conhecido com “Out of body” ou “Desdobramento ou Projeção da Consciência”. vivenciado igualmente pelos clinicamente mortos e consistindo na saída do corpo espiritual, ou seja, a consciência agindo fora do espaço físico.

Em verdade, os mortos vivem, desde que o homem é um ser imortal, um cidadão do Universo, em busca da perfeição, nascendo e renascendo na arena física.

(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 361 de Fevereiro de 2001)