Pedro Camilo
Aquele dia se fizera triste na residência dos Pereira.
Tendo nascido a 24 de dezembro de 1900, com 29 dias de vida a pequenina “Yphone”, como fora inicialmente registrada, sofrera um súbito acesso de tosse, seguido de sufocação, ficando como morta. Chamado o médico da pequena Villa de Santa Thereza de Valença, onde nascera, hoje cidade de Rio das Flores, sul do Estado do Rio de Janeiro, a morte por súbita sufocação foi constatada, e a certidão de óbito lavrada. Afinal, já se contavam seis horas consecutivas de rigidez cadavérica, corpo arroxeado e demais características próprias a um defunto.
Nem um choro era ouvido, nem um gemido. Sua mãe, com o amor que abundam dos corações maternos, não acreditava na morte da pequenina, e como sua fé fosse maior do que um grão de mostarda, orou a Maria Santíssima, Mãe de Jesus, rogando-lhe a intervenção sublime, para que a filhinha fosse trazida à vida. Certa de ser atendida, encerra seu apelo, dizendo:
– E como prova do meu reconhecimento por essa caridade que me fareis eu vo-la entregarei para sempre. Renunciarei aos meus direitos sobre ela a partir deste momento! Ela é vossa! Eu vo-la entrego! E seja qual for o destino que a esperar, uma vez retorne à vida, estarei serena e confiante, porque será previsto pela vossa proteção.
Diante de tão comovedora prece, a Misericórdia Divina compadeceu-se e fez a criancinha despertar com grito estridente, marco das duras provas em que mergulharia durante décadas de sofrimento…
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“Aos quatro anos de idade já eu me comunicava com Espíritos desencarnados, através da visão e da audição: via-os e falava com eles.”, declara TUTI, como tão carinhosamente era chamada pelos familiares, em Recordações da Mediunidade, obra autobiográfica orientada por Dr. Bezerra de Menezes. Bezerra começou a acompanhá-la desde 1912, e sobre relação com O Médico dos Pobres, ela afirmaria mais tarde:
“Em toda a minha vida ele tem me guiado, aconselhado. Enfim, o Dr. Bezerra acabou de me criar e é ele quem ‘manda’ na minha vida; quem me dirige é ele.”
Também por volta dos 12 anos, recebeu de seu pai, espírita antes mesmo do seu nascimento, “O Evangelho Segundo o Espiritismo” e “O Livro dos Espíritos”, obras estudadas e vividas por ela durante toda sua existência.
Muitos Espíritos, além de Bezerra, secundaram-lhe na grande tarefa mediúnica realizada, como: Eurípedes Barsanulfo, na cura de paralíticos, dentre outros; Inácio Bittencourt que, juntamente com Bezerra e outros, orientava o receituário homeopático; Camilo Castelo Branco e Lev Tolstoi, ambos ditando-lhes obras psicográficas; Léon Denis e Chopin, orientadores prestimosos; Roberto de Canalejas, antigo afeto, e; Charles, guia e pai de outros tempos. Este último foi o que mais a marcou, pois nutriam uma afeição recíproca que varava a noite dos séculos, unidos por profundos laços de amor.
A recordação de existências pretéritas foi-lhe marca indelével. Ao todo foram cinco experiências relatadas psicograficamente por Charles, sendo duas em Sublimação, cuja autoria é dividida com Lev Tolstoi, também autor de Ressurreição e Vida, e na trilogia Nas Voragens do Pecado, O Cavaleiro de Numiers e O Drama da Bretanha. Era pretensão de Charles escrever sobre a encarnação que precedeu esta última, mas o Espírito Dr. Bezerra de Menezes interveio, asseverando que seria humilhação demasiada para uma única criatura.
Dedicou-se com afinco ao trabalho com suicidas, através da psicofonia e do desdobramento, posto ter cometido, algumas vezes, esse ato insano em outras existências. Mas foi com Memórias de um Suicida, psicografia de Camilo Castelo Branco, que Yvonne celebrizou-se no meio Espírita. Seu exemplo de prudência e bom senso, guardando a obra por quase trinta anos para certificar-se de quanto ali foi escrito, mereceu gratas considerações de Chico Xavier, que mui sabiamente a designou “Uma Heroína Silenciosa”.
Além das obras citadas, a abençoada faculdade de Yvonne do Amaral Pereira brindou a literatura espírita com as seguintes pérolas: Dramas da Obsessão e A Tragédia de Santa Maria (ditadas por Bezerra de Menezes), Nas Telas do Infinito (de Dr. Bezerra e Camilo Castelo Branco), Amor e Ódio (de Charles), Devassando o Invisível e Cânticos do Coração vols. I e II, sob assistência espiritual.
Notabilizou-se também pelas belíssimas crônicas escritas do próprio punho, sob o pseudônimo de Frederico Francisco (singela homenagem a Fréderic-François Chopin), algumas das quais encontram-se reunidas no livro À Luz do Consolador, compilado e editado pela Federação Espírita Brasileira em 1997.
Por tudo que significa, o nome de Yvonne do Amaral Pereira para sempre ficará registrado na história do Espiritismo no Brasil, e quiçá no Mundo. Afinal, foram quase 84 anos (seu desenlace se deu a 09 de Março de 1984, no Rio) de apostolado mediúnico, de fidelidade a Jesus e a Maria Santíssima, tutora e guardiã, sendo sua vida verdadeira ode ao amor, demonstrando a excelência da Doutrina Espírita na tarefa de redenção das almas arrependidas e decididas à edificação do Reino dos Céus em si mesmas!