Leda Maria Flaborea
Que deus é esse, Senhor de todas as coisas, que habita o coração dos homens e traz tanto desassossego? Que com impiedade, que só entre os homens encontramos, coloca seus filhos na eternidade de sofrimentos infernais, de muitos desvairados ou no enlouquecimento ocioso da angelitude de tão poucos!
Que deus cruel é esse que cria homens fortes para resistirem às paixões inferiores, e tão fracos que sucumbem à elas? Que sobem aos céus ou descem aos infernos, que se tornam anjos ou se perpetuam como demônios sem aprender que o Bem é maior que o Mal e sem chances de redenção.
Que deus é esse que, por capricho, coloca sobre o planeta seres sadios e doentes, do corpo ou da alma e que não compreendendo suas leis, se lançam ao limo da terra ou se elevam à vaidosa superioridade?
Que homem é esse, Senhor, que cria um deus à sua imagem e semelhança, com todos seus defeitos e nenhum atributo, buscando justificar sua iniqüidade, seu desamor com o semelhante, seus desatinos?
Que homens são esses que, sem perceberem sua essência divina de luz e de amor, se lançam cegos à conquista do efêmero sem atinarem com a vacuidade que criam em suas existências?
Por que perguntar, se somos nós esses homens!
Mas, eis Senhor de todas as preces verdadeiras, que uma nesga de esperança surge nessas vidas turbinosas. Homens cansados de carregar tantas aflições, depauperados pelo peso da responsabilidade sobre seus atos – que não podem transferir à ninguém – iniciam, agora, sua viagem de retorno. E buscam o Pai de perdão. Não o pai irado e vingativo que pune sem dar ao filho a chance de reiniciar o caminho, de onde, um dia, se perdeu. Buscam o Pai misericordioso que lhes mostra como recomeçarem, através do arrependimento, a resgatar as conseqüências de suas escolhas insensatas. Buscam o Pai que é só Amor a iluminar-lhes a viagem interior, tão necessária para o reencontro consigo mesmos, onde encontrarão Deus.
Crianças medrosas que aprendem, desde cedo, que existem um céu e um inferno circunscritos, como nos jogos de amarelinha da nossa infância, onde se vai para o céu quando se acerta e para o inferno quando se erra. Que colocam nesse céu um deus tão distante de si que mal conseguem imaginá-lo e, assustadas, o trazem para perto como homem. Ser antropomórfico, criatura palpável porque igual a eles.
Crianças inseguras que com perninhas curtas, custam a atravessar a rua na busca do pique, objetivo do folguedo infantil, tentando escapar do companheiro perseguidor. A distância parece tão longa e a rua tão larga… O porto seguro, onde podem se abrigar, parece tão longe…
Será que é assim que todos nós nos sentimos em relação a Deus, para colocá-Lo tão longe de nossas vidas? A imensa distância, com a qual O afastamos, nos permite imaginar quão pequenos são ainda nossos passos para alcançar esse porto seguro, inacessível – porque intocável, assim imaginamos nós – e de quanto esforço ainda necessitamos para avançar, mesmo que lentamente. É fácil compreender, quando assim nos vemos, a necessidade de se criar um deus mais próximo, mais humano, mesmo que falível e injusto. É preciso ter algo que nos sirva de proteção e que nos traga segurança. Algo para onde fugir. O pique de outrora.
Porém, já não somos mais crianças. A rua parece, por ora, tão comum… E a distância está longe de ser aquela interminável de nossa infância. Hoje, não mais crianças, não precisamos mais ter passos tão pequenos, nem distâncias invencíveis. Hoje, que tudo parece estar no seu tamanho normal, por que Deus continua tão distante?
Entretanto, se já conseguimos nos fazer essa pergunta, é sinal claro que, agora, queremos encontrá-Lo. O ensinamento evangélico nos diz “busca e achareis”, mas também nos alerta que ninguém acha o que não quer encontrar.
Leda Maria Flaborea
(Publicado no Boletim GEAE Número 397 de 08 de agosto de 2000)