Não sei se isso também ocorre ao meu querido leitor, mas a mim, enquanto
leio, vou imaginando as “correções” que o futuro fará na História Universal, por
exemplo, que terá de ser reescrita com base no conhecimento da interpretação dos
dois mundos: o espiritual e o físico. O que temos diante dos nossos olhos é
apenas uma face – e pequena – da realidade. O nosso próprio ser espiritual – já
o disse alguém tem a consciência, que apenas aflora como um “iceberg”, e o
inconsciente, que mergulha, imenso, na sombra do passado. Neste último é que se
inscrevem as nossas experiências anteriores; nesse arquivo milenar é que
guardamos, ao abrigo de deformações e de indiscrições – até mesmo de nossa parte
-, o fichário do nosso passado espiritual. Somente quando atingimos um grau
adequado de maturidade, temos acesso a esse arquivo, a fim de que as lições que
nele se contêm, em vez de nos perturbarem, nos sirvam de orientação. E não
apenas para nós mesmos, como para outros irmãos nossos que ainda labutam mais
abaixo na escala evolutiva. A lei é amor e amor é ajuda ao semelhante, para que
também ele suba conosco. De que nos serviria conquistar elevado plano
espiritual, para viver em solidão inútil ou na vazia contemplação de uma
divindade estática? Vamos a grupos, vivemos em grupos, amamos em grupos e
sofremos em grupos. Enquanto uns de nós cá estamos na carne, a lutar e sofrer,
outros lá estão no além, a esperar por nós, a sugerir-nos idéias que, no
entanto, deixam ao nosso inteiro livre-arbítrio para seguirmos ou não.
E assim, vamos e voltamos, pelos séculos o fora, enriquecendo a nossa
experiência humana e ajudando a fazer deste mundo em que habitamos um lugar
melhor. Não nos interessa retardar-lhe a marcha evolutiva se para aqui teremos
de voltar ainda e mais ainda. Por isso, porque hostilizar raças, religiões e
povos?
Veja, por exemplo, o leitor essa história de nacionalismo. Claro que temos de
dar tudo quanto podemos para melhorar e fazer evoluir o país em que nascemos, da
mesma forma que lutamos pelo bem-estar da família que nos foi confiada, ou pela
preservação dos bens materiais e espirituais que recebemos. Mas o nacionalismo
só adquire sua verdadeira dimensão, quando leva em conta os interesses alheios,
isto é, quando não interfere com o dos demais povos nem os prejudica. Aquele que
leva a guerra e a destruição ao território chamado “inimigo”, quase certamente
vai renascer lá, para ajudar-lhe a reconstrução e sofrer as conseqüências das
suas próprias arbitrariedades. Da mesma forma, o que exerce pressão econômica ou
ideológica.
Não nos devemos esquecer, porém, de que se hoje somos brasileiros, por termos
nascido nesta grande e generosa terra, em passadas encarnações andamos pela
Europa ou pela Ásia ou África, trazendo às suas civilizações a nossa parcela de
esforço construtivo e, às vezes, lamentavelmente nossa contribuição negativa.
Sabe-se lá se ajudamos a acender as fogueiras da Inquisição ou se pronunciamos
anátema contra irmãos, só porque ousavam pensar diferente de nós?
A idéia do Espírito e seus corolários naturais, como a continuidade da
existência, o intercâmbio espiritual, a reencarnação, serão particularmente
desejáveis naqueles que exercem qualquer parcela de poder temporal. O
governante, o administrador, ou o líder profundamente imbuídos desses preceitos
terão uma visão superior do mecanismo da História e jamais serão indiferentes ao
sofrimento humano, nem permitirão que as forças cegas da ambição os arrastem e
aos seus governados e liderados, para as trevas do negativismo. O exercício do
poder será, antes, uma função missionária, a qual não se disputar mas que se
aceita com humildade e grandeza, diante das responsabilidades que envolve.
Esse dia talvez esteja longe, mas não custa sonhar com ele, pois que, segundo
diz uma canção popular, se não sonharmos, como é que nossos sonhos se tornarão
realidade?
Reformador – Março de 1964.