O fenômeno sectário conheceu um ressurgimento de interesse, ligado de um lado
aos recentes eventos trágicos, largamente difundidos pela mídia, e por outro
lado ao número crescente de adeptos e simpatizantes, estimados na França em mais
de 250.000 em quase 1000 grupos.
Tem suscitado a redação de relatórios parlamentares, um em 1985 por Alain
Vivien, e o último em 1995 por uma comissão presidida por Alain Gest, assim como
a criação de associações de luta contra o fenômeno.
O fenômeno é complexo: não há definição simples, sucinta, e sem equívoco. A
aproximação da comissão parlamentar respeita o princípio de neutralidade do
Estado frente às opiniões religiosas e à liberdade de consciência.
Particularmente, conduziu sua atenção sobre os perigos e as nuanças que as
seitas representam.
Todavia, uma leitura superficial do último relatório parlamentar traz um
risco de generalização abusiva, seguida de vagas de intolerância. Com efeito, as
“listas” figuram na primeira parte, e não é senão na página 66 (até a 127) que
se encontra o seguinte apelo, apoiado pelo testemunho de um médico:
“É necessário dissipar um eventual mal-entendido: todos os movimentos
espirituais, comumente chamados de seitas, como as religiões tradicionais, não
são perigosos (… ). Sua função pode mesmo ser, por vezes, considerada como
muito positiva”.
Evidentemente, a intolerância não resolve o problema e pode atingir
movimentos de outra forma inofensivos ou que não têm características de uma
seita.
Fora isto, a leitura do relatório mostra que certas crenças ou práticas
espirituais, que possuem, portanto um fundamento racional, são mal conhecidas e
por vezes citadas como tendo características de seitas.
O Espiritismo, codificado por Allan Kardec em Paris em meados do século XIX,
é mal conhecido ainda na França. Então não escapa sempre das amálgamas. Pelo
contrário, pode trazer luzes objetivas sobre as causas profundas do fenômeno
sectário, sobre os processos de obsessão que entram em jogo, assim como sobre os
meios curativos.
Nesta apresentação, examinaremos, sem citar nomes, as definições e
características das seitas, tal qual foram dadas no último relatório
parlamentar. Precisaremos as características da Doutrina Espírita que mostra que
ela está muito longe de todos os critérios de periculosidade das seitas.
Esclareceremos também, os pontos que são por vezes mal percebidos ou
desastradamente associados às características das seitas.
Agiremos, conforme nossa ética, baseados na caridade, no trabalho pelo
progresso de todos, no respeito à liberdade de pensar e à liberdade de
consciência, oferecendo esclarecimentos e exemplos, ilustrando os princípios
fundamentais do Espiritismo.
QUE É UMA SEITA? – Definição
A acepção da palavra seita é múltipla. Ela evoluiu em um sentido pejorativo,
por associação com o adjetivo sectário.
Do ponto de vista etimológico, a palavra seita apareceu na Idade Média,
talvez relacionada a duas origens latinas, uma significando cortar, a outra
significando seguir. Os dicionários dão definições muito gerais como: “conjunto
de pessoas que professam uma mesma doutrina”, ou “que têm a mesma doutrina no
seio de uma religião”. Nesse sentido, a palavra engloba todos os movimentos
religiosos, os meios científicos e também o Movimento Espírita.
Os dicionários estabelecem, em seguida, características com precisão, como as
noções de “crença comum” ou de “ruptura com relação a uma crença anterior”,
citando os grupos de contestação das igrejas, cismáticos, que se situam como
alternativas com relação às religiões.
O Espiritismo se afasta dessas características, pela nuança que existe
entre uma crença e uma convicção, deduzida da
observação dos fatos ao seguir uma metodologia científica. “Compreendam bem o
alcance dessa palavra certeza, porque o homem não aceita como certo senão aquilo
que lhe parece lógico.” 1 Por outro lado, o
Espiritismo não pretende deter a exclusividade da Verdade. Proclama a liberdade
de consciência e o direito de livre exame em matéria de fé. Recebe os que a ele
vêm voluntariamente, e não procura desviar ninguém de suas crenças ou de sua
religião. A crença de uma pessoa pouco importa, desde o momento em que ela
trabalhe para o bem de seu próximo.
No plano jurídico, a definição é quase impossível, em virtude do
princípio de neutralidade do Estado, da laicidade, da liberdade de culto e do
respeito às crenças, assegurados pelo artigo 10 da declaração dos direitos do
homem e pelo artigo 2 da constituição. Esses princípios se baseiam no respeito à
liberdade individual na medida em que ela não atinja a do outro. Todavia, o
relatório reconhece que isto corresponde a uma certa “indiferença” do Estado em
relação aos movimentos religiosos.
Por sua parte, o Espiritismo encoraja uma ética positiva. Baseando-se sobre
fatos, demonstra que a máxima: “Fazer aos outros o que queremos que os outros
façam por nós” não é uma utopia. 2
Do ponto de vista sociológico, “as seitas se situam apartadas com
relação à sociedade global e tendem a recusar qualquer ligação com ela, e mesmo
qualquer diálogo”.
Pelo contrário, a doutrina Espírita demonstra que a vida em sociedade é
necessária ao progresso individual e coletivo.
Organização e aliciamento
As seitas têm freqüentemente uma organização
piramidal. O topo é ocupado por um chefe espiritual ou um guru, que
dirige uma elite restrita, separada dos adeptos de base por um filtro eficaz, do
qual não se aproximam senão após numerosas passagens de graus, diplomas por
serviços prestados, ou ainda cerimônias rituais.
Certas seitas adotam verdadeiras estruturas de sociedades,
e propõem por vezes “estágios de desenvolvimento profissional”. Seus nomes podem
ser enganosos, de conotação científica ou religiosa.
O Espiritismo é uma doutrina revelada, e não saiu do
cérebro de um homem ou de um guru. Allan Kardec foi o codificador
e não o fundador. 3
O Espiritismo não tem nenhum interesse material. Seguindo a máxima: “Dê
gratuitamente aquilo que recebeu gratuitamente” 4, refuta a
mediunidade venal. 5
As seitas tem métodos de aliciamento sofisticados. Aplicam técnicas
psicológicas aprovadas, inspiradas em técnicas de comercialização, de
publicidade ou de propaganda política… Há inicialmente uma fase de sedução, na
qual as seitas exploram uma demanda do ser humano contemporâneo, que não
encontra outro meio de ser satisfeita. Para isso, desenvolvem temas muito
diversos (éticos, ecológicos, médicos, culturais…), gravitando geralmente em
torno de crenças ou de idéias transcendentais, pretendendo dar uma explicação do
mundo ou um sentido à vida. Essas idéias são suficientemente coerentes e
constantes para enganar os indivíduos. São atrativas, como aquela de que é
preciso de início transformar a si mesmo antes de poder ajudar os outros. Esta
idéia de aperfeiçoamento individual atrai todo mundo, tanto as personalidades
frágeis quanto os intelectuais e os cientistas. Facilita igualmente o isolamento
e a captação progressiva do consentimento dos adeptos.
A fase seguinte é a de fabulação, simulação, equívoco ou mistificação.
O adepto, preso na armadilha, vê exageradamente seus defeitos, a inculpação, a
ascese, a ruptura com o meio de origem, a demanda de exclusividade para a seita,
a extorsão financeira, etc..
A última fase é a da fascinação, ou mesmo de uma verdadeira
subjugação.
O Espiritismo não faz proselitismo. Com efeito, uma convicção não se impõe,
mas se adquire livre e progressivamente, por um apelo permanente à razão, ao
julgamento e ao espírito crítico.
Temas desenvolvidos pelas seitas
A comissão de inquérito reteve treze critérios de qualificação doutrinal das
seitas. Não julga as doutrinas e as crenças. Utiliza esta classificação para
examinar a periculosidade das seitas, as quais examinaremos nos parágrafos
seguintes. O primeiro critério é chamado “Nova Era“. É muito vasto e
explora as idéias de uma transição do mundo (era da virada, milenarismo), de uma
nova religião mundial, da reencarnação, do karma, da realização espiritual, de
uma consciência planetária, da integração do corpo ao “cósmico”, do corpo sutil
ou astral ou etéreo, dos anjos ou dos espíritos, de um cristo cósmico tendo
regularmente avatares para guiar a humanidade. O milenarismo deriva por vezes
para tendências apocalípticas. A comissão de inquérito coloca aqui, em um mesmo
saco, aspirações supersticiosas e noções que possuem uma base factual objetiva,
e que são objeto de estudos sérios.
Conforme todo andamento científico, o Espiritismo coloca em relevo a
necessidade de rigor e de prudência. Não coloca “como princípio absoluto
senão o que está demonstrado com evidência, ou o que ressalta logicamente da
observação“, e enuncia reservas sobre os temas incertos.6 “A
instrução espírita não compreende somente os ensinamentos morais dados pelos
Espíritos, mas também o estudo dos fatos; é a ela que incumbe a teoria de todos
os fenômenos, a pesquisa das causas, e como conseqüência, a constatação do que é
possível e do que não é; em uma palavra, a observação de tudo o que pode fazer
avançar a ciência.” 7
Depois vêem os “ocultistas“, praticando a alquimia, a astrologia, a
cartomancia, a magia iniciática, noções freqüentemente confundidas com o
esoterismo (busca de uma tradição primordial escondida).
No que concerne ao Espiritismo, Kardec previu: “não embaracemos a doutrina
com princípios que seriam considerados como quimeras e a fariam ser rejeitada
pelos homens positivos.” 8
Os grupos “orientalistas” são muito diversificados, baseados em
doutrinas metafísicas orientais. Apresentam por vezes desvios importantes e
tendências extremas de intolerância ou de adoração. Essas tendências são
contrárias aos princípios espíritas da caridade e de tolerância.
Os grupos “evangélicos” e “pseudocatólicos” gravitam geralmente em
torno de um padre dissidente ou de um guru, que prega o revés de Jesus, um
puritanismo atingindo por vezes tendências monarquistas. O relatório menciona o
risco do desvio apocalíptico. A extorsão financeira é freqüente.
Jesus nos advertiu que haveria falsos profetas, mas precisou que se
reconheceria a árvore pelos seus frutos. 9 O Espiritismo “não
veio destruir a lei cristã, mas cumpri-la.” 10 Os fatos vieram
confirmar a moral ensinada por Jesus.
Os grupos “sincréticos” sintetizam as diferentes religiões e
tradições, pregando a união entre o oriente e o ocidente, praticando rituais e
atos de adoração exteriores.
O Espiritismo demonstra a inutilidade disso, preferindo a prece do coração
acompanhada do pensamento sincero. Por outro lado, universalismo não
significa confusão ideológica.
A essência de todas as religiões contém verdades sublimes e coerentes, mas é
preciso passá-las pelo crivo da razão e do bom senso para eliminar as
deformações de origem humana que têm sofrido no curso dos séculos. “Mas quem
ousa se permitir interpretar as Escrituras sagradas? Quem tem esse direito? Quem
possui as luzes necessárias, se não for um teólogo? Quem o ousa? A ciência de
início não pede permissão a ninguém para fazer conhecer as leis da natureza, e
salta sobre os erros e os preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século de
emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame
pertence a todo mundo, e as Escrituras não são mais a santa arca à qual ninguém
ousaria tocar o dedo sem arriscar ser fulminado. ” 11
Esta citação se opõe igualmente às práticas dos grupos “apocalípticos“,
que constituem um desvio do milenarismo Nova Era ou dos grupos evangélicos,
interpretando os textos bíblicos ao pé da letra. “A letra mata, o espírito
vivifica”: os textos bíblicos tem um passado histórico que é preciso levar em
conta, e não podem ficar presos à letra. O Espiritismo e os Espíritos dão pouca
importância à forma, o essencial é que os homens se entendam sobre o fundo.
Citamos a resposta de um espírito interrogado sobre o advento do “fim do
mundo”: “O fim do mundo se aproxima, com efeito; mas o fim do mundo das
superstições, dos vícios e dos flagelos da humanidade.” 12
Os grupos “alternativos” propõem um radical retorno à discussão dos
contornos econômicos (ajuda humanitária, por exemplo), do mundo de produção ou
das relações humanas, uma não violência ativa, uma luta contra os monopólios,
etc..
Mesmo quando isso parta de bons princípios, o Espiritismo aconselha a evitar
as mudanças brutais, preferindo as mudanças progressivas, permitindo ao ser
humano se adaptar em função de sua evolução. “Seria conhecer bem pouco os
homens, pensar que uma causa qualquer os pudesse transformar como por encanto.
As idéias se modificam pouco a pouco segundo os indivíduos e é preciso gerações
para apagar completamente os traços dos velhos hábitos. A transformação não pode
então se operar senão a longo prazo, gradualmente e passo a passo; em cada
geração, uma parte do véu se dissipa; o espiritismo vem rasgá-lo inteiramente;
mas mesmo que tivesse por efeito corrigir apenas um defeito que fosse em um
homem, seria um passo que lhe teria feito dar, e por isso mesmo um grande bem,
porque esse primeiro passo tornaria mais fáceis os outros.” 13
Os movimentos “neo-pagãos” são politeístas, mitológicos, celtas,
animistas. Há um risco de derivar para o satanismo.
Os Espíritos são claros sobre esse ponto: “O pensamento de um Deus único
não poderia ser para o homem senão o resultado do desenvolvimento de suas
idéias. Incapaz, na sua ignorância, de conceber um ser imaterial, sem forma
determinada, agindo sobre a matéria, ele lhe havia dado os atributos da natureza
corporal, quer dizer uma forma e uma figura, e desde então tudo o que lhe
parecesse ultrapassar as proporções da inteligência vulgar era para ele uma
divindade. Tudo o que não compreendia devia ser obra de um poder sobrenatural, e
daí a crer em vários outros poderes distintos dos quais via os efeitos, não
havia mais que um passo. Mas em todos os tempos, homens esclarecidos
compreenderam a impossibilidade desta multidão de poderes para governar o mundo,
sem uma direção superior, e se elevaram ao pensamento de um Deus único.”14
No outro extremo, os grupos “satânicos” rendem culto a Satã.
“Satã, segundo o espiritismo e a opinião de muitos filósofos cristãos, não
é um ser real, é a personificação do mal, como outrora Saturno era a
personificação do tempo.” Previu também que ao “número das causas de
alegria, era preciso opor o medo e o do diabo tem perturbado mais de um cérebro.
Sabe-se lá o número de vítimas que se tem feito ao atingir as imaginações fracas
com esse quadro que se engendrou para o tornar mais aterrador pelos hediondos
detalhes?” 15
Os grupos “curadores” exaltam os métodos alternativos, não reconhecidos pela
medicina oficial. Esses grupos são severamente julgados segundo a periculosidade
desses métodos, que examinaremos em detalhe mais adiante, e de alegações do tipo
“tudo é espiritual”. A tônica é colocada sobre o lado irracional de certos
tratamentos por harmonias, vibrações, energias, chakras. Por vezes, há um
amálgama entre as superstições e as práticas estudadas com seriedade, por muito
tempo (início do século XIX para o magnetismo animal), e que são inofensivas e
mesmo verificadas como muito eficazes, apesar da medicina “oficial” se recusar
sempre em reconhecê-las.
“O espiritismo e o magnetismo nos dão a chave para uma multidão de
fenômenos sobre os quais a ignorância tem bordado uma infinidade de fábulas e
onde os fatos são exagerados pela imaginação. O conhecimento esclarecido dessas
duas ciências, que são apenas uma por assim dizer, mostrando a realidade das
coisas e a sua verdadeira causa, é o melhor defensivo contra as idéias
supersticiosas, porque mostra o que é possível e o que é impossível, o que está
nas leis da natureza, e o que não é senão uma crença ridícula.” 16
Os grupos “psicanalíticos“, muito em voga, abusam de técnicas, por
vezes espirituais, pretendendo curar o inconsciente. Comercializam equipamentos
supostamente para ajudar à criação de imagens mentais e combater os registros de
experiências negativas do passado. Seu objetivo anunciado é o de restabelecer a
bondade e a honestidade do espírito humano. Em geral, eles tomam uma aparência
científica no que nem sempre têm fundamento.
O Espiritismo confirma que toda ação, nefasta ou positiva, deixa traços
correspondentes sobre o perispírito. O acúmulo de traços negativos, resultantes
de faltas cometidas no passado, pode engendrar problemas de ordem fisiológica.
Isso não se cura com aparelhos custosos, mas por sentimentos de amor, pela
expiação e a reparação. Não se trata de uma versão moderna da lei de talião, mas
simplesmente da aplicação da lei de causa e efeito. A pessoa é a única
responsável por sua melhora, e os traços nefastos não desaparecem senão após sua
neutralização e substituição por traços positivos e benéficos. O Espiritismo
exalta o rigor e a modéstia. Pode ajudar, aliviar, mas a cura não poderá ser
eficaz sem a participação e a vontade da pessoa que tem problemas.
Por fim, os grupos “ufológicos” exploram a idéia da pluralidade dos
mundos habitados.
O Espiritismo desmistifica a questão, provando a existência do espírito, que
se reencarna em mundos adaptados ao seu grau evolutivo.
Periculosidade e nuanças das seitas
Como dissemos na introdução, a definição da palavra seita é difícil. A
comissão de inquérito e os serviços de Informações Gerais têm então julgado as
seitas segundo sua periculosidade e sua nocividade para os indivíduos e a
sociedade.
O perigo principal para os indivíduos resulta dos atentados à integridade
física, por maus tratamentos, golpes e ferimentos, seqüestros, não
assistência à pessoa em perigo e pela prática ilegal da medicina. Esses
atentados são julgados severamente e a comissão cita vários exemplos.
Não há nenhuma ambigüidade quanto ao Espiritismo, que condena a violência sob
todas suas formas, e encoraja a caridade e a benevolência, segundo as máximas de
Jesus:”Bem aventurados os que são doces e pacíficos“, e “Amar seu
próximo como a si mesmo.”17
Em segundo lugar, o relatório cita a violação de certas obrigações
familiares, notadamente a falta de educação ou o aliciamento infantil.
Para o Espiritismo, a família é a “célula de base” para a evolução do ser
humano, que aí aprende a se conhecer e a conhecer seu conjunto, a exercer a
compreensão e a tolerância. A sociedade é uma extensão da família, uma família
universal. A educação infantil é primordial: “O Espírito dos pais tem por
missão desenvolver suas crianças pela educação; é para ele uma tarefa: se
nisso falhar, é culpado.“18 As ações espíritas de
evangelização das crianças são essencialmente cristãs, de ajuda na instrução e
no desabrochar, e se distinguem claramente das práticas de aliciamento.
O relatório cita também exemplos do caráter exorbitante das exigências
financeiras de certas seitas, questões freqüentemente reprisadas pelas
mídias. As seitas conduzem por vezes os adeptos muito rapidamente à ruína total,
o que pode se estender à família do adepto. O Movimento Espírita não tem
exigências financeiras, ele depende da boa vontade de seus adeptos. Nas
atividades de difusão, procura atuar sem gastos. Os cuidados ou ajudas
espirituais são sempre ofertados gratuitamente.
O relatório menciona o processo de um grupo pelo exercício ilegal da
medicina. O grupo pretendia curar ou aliviar seus “fiéis” pela palavra,
preces, aposição de mãos, a utilização do pêndulo e práticas de exorcismo.
Certas seitas desencorajam os adeptos a consultar ou seguir um tratamento médico
clássico. Isto constitui um outro perigo, julgado severamente pela comissão,
como toda eventual interação dos tratamentos alternativos com os medicamentos ou
tratamentos tradicionais.
O Espírita encoraja sistematicamente os doentes, que vêm livremente, a
consultar seu médico. No Brasil, inúmeros diplomados em medicina, psicologia e
psiquiatria, são igualmente espíritas, obtendo resultados surpreendentes na cura
de enfermidades, associando os tratamentos fisiológicos aos tratamentos
espirituais. Esses tratamentos espirituais, como os passes magnéticos ou a
desobsessão, são comprovados e eficazes se aplicados seriamente, se bem que
ainda sejam desconhecidos pela medicina clássica. O Espiritismo tem sempre
sabido adotar princípios firmes e rígidos, baseados no desinteresse financeiro
absoluto, no respeito ao livre arbítrio e na responsabilidade da pessoa, em um
indispensável espírito cristão e altruísta.
A desestabilização mental é um traço característico de numerosas
seitas. Técnicas insidiosas, pela exageração dos defeitos, pela inculpação, pela
ruptura com relação às origens, e mesmo por vezes pela hipnose, criam um estado
de dependência, com submissão do adepto e de sua liberdade incondicional. Isso
traz graves conseqüências sobre o psiquismo, a depressão, as atitudes
esquizofrênicas, e uma diminuição do espírito crítico.
O Espiritismo estuda positivamente, há 140 anos, as relações entre o mundo
espiritual e o mundo físico. A lei de afinidade permite imaginar as falanges de
espíritos atingidos pelas práticas das seitas, e os perigos da obsessão
individual ou de grupo que daí resultam.19 O Espiritismo mostra a
gradação entre obsessão, subjugação e fascinação, que se associam, por vezes, a
uma dependência fisiológica (nicotina, álcool). 20
“A alma pode se encontrar na dependência de um outro Espírito, de maneira
a ser subjugada ou obsediada, a ponto de que sua vontade seja de alguma
forma paralisada?”
“Sim, e essas são as verdadeiras possessões; mas note bem que esta dominação
não se faz nunca sem a participação daquele que se submete, seja por sua
fraqueza, seja por seu desejo. Com freqüência, se tem tomado por possuídos os
epiléticos ou os loucos que na verdade tinham mais necessidade de medicina que
de exorcismo.” 21
Entre os perigos para a coletividade, o relatório cita:
- O discurso anti-social, utilizado pelas seitas para justificar as
práticas contrárias às leis e à moral; - Os problemas de ordem pública, engendrados pelas seitas com
objetivos políticos ou neofascistas, ao estilo paramilitar, inimigos da
democracia; - As disputas judiciais, principalmente a difamação contra os que se
pronunciam contra elas; - O desvio dos contornos econômicos tradicionais, pouco apreciado
pelos autores do relatório, certas seitas realizando um trabalho clandestino; - As tentativas de infiltração nos poderes públicos, o que inquieta
os autores, que aproveitam para fazer uma rápida autocrítica. Certas seitas
obtêm subvenções públicas…
Todas essas práticas são contrárias aos princípios de base do Espiritismo,
notadamente a lei de sociedade, o respeito aos outros, a benevolência e a
caridade para com seu próximo, o perdão das ofensas, o desinteresse material e
financeiro. “ Ao contrário, por sua influência, as idéias espíritas, tornam
os homens melhores uns para com os outros, menos ávidos de interesses materiais
e mais resignados com os decretos da Providência e são um testemunho de ordem e
de tranqüilidade.”
A razão deve ser o argumento supremo e a moderação assegura melhor o triunfo
da verdade do que as diatribes envenenadas pela inveja e pelo ciúme.” 22
Os Espíritos nos aconselham a ensinar ” exemplo de Jesus, pela doçura e pela
persuasão, e não pela força, o que seria pior do que a crença daquele a quem se
quer convencer. Se há qualquer coisa que seja permitido impor, é o bem e a
fraternidade; mas não cremos que para o fazer se admita o agir com violência:
uma convicção não se impõe.”23>
PORQUE AS SEITAS SÃO TÃO PROCURADAS?
O sucesso das seitas está ligado à existência de uma demanda, que elas
sabem captar na fase de sedução. Segundo o relatório, esta demanda está ligada
às seguintes causas:
- A emergência de necessidades espirituais novas, resultantes do
retorno à discussão do modelo sobre o qual as sociedades ocidentais se
desenvolveram desde o último século. - A contestação do modelo produtivo, onde os mais hábeis tiram seu
time do campo, o que obriga os outros, pouco a pouco, a tomarem uma atitude
defensiva diante da precariedade de sua situação difícil de suportar. - O desmoronamento das ideologias políticas, as grandes idéias são
desnaturadas ou exploradas com outros fins, freqüentemente o de acesso ao
poder, sob a influência de lobby financeiro. - A crise do cientismo, acompanhado de uma relativização do
conhecimento científico, cujo conservantismo constitui um freio à exploração
de idéias novas que obrigariam a um reexame muito profundo. Isso deixa o campo
livre a certos gurus audaciosos e sem escrúpulo. - O declínio das religiões tradicionais, cujo conservantismo tem
progressivamente cavado uma defasagem entre os dogmas e as expectativas
correspondentes à evolução intelectual do ser humano. - O empobrecimento cultural, sensível nas mídias que abandonam a
objetividade em favor do ‘show-business’, do sensacionalismo, e amplificam a
imagem negativa do mundo.
Todos esses fatores engendram desilusão, frustração, desordem, seguida de uma
crise existencial que leva à depressão e ao sofrimento. Por outro lado, a perda
de credibilidade das religiões tradicionais acarreta uma aproximação mais
liberal das crenças, seguida de um desmoronamento dos valores éticos e uma
derrocada dos valores familiares. As seitas respondem às necessidades afetivas
que daí decorrem, constituindo de alguma sorte uma nova família. Seus discursos,
de uma aparente espiritualidade, visam responder ao desejo idealista dos
indivíduos.
Esta análise da comissão é realista e profunda. Nosso país está mais do que
nunca dominado por um materialismo feroz, pelas finanças, pelo sensacionalismo,
pelo superficial e pelo artificial. Isso choca a consciência dos indivíduos, que
ficam confusos e perdem a esperança diante das injustiças quotidianas, motivadas
pelo egoísmo.
Isso confirma a análise de Kardec que, desde 1862, afirmava aos espíritas
lioneses “o homem chegou a uma época em que as ciências, as artes e a
indústria atingiram um limite desconhecido até os dias de hoje e se os gozos que
daí tira satisfazem a vida material, deixam um vazio na alma; o homem aspira a
alguma coisa melhor: sonha com instituições melhores; quer a vida, a felicidade,
a igualdade, a justiça para todos; mas como atingir isso com os vícios da
sociedade, com o egoísmo acima de tudo?”
Não é isso ardente de atualidade?
QUAIS AS SOLUÇÕES?
A comissão propôs ações repressivas, preventivas e curativas. A aplicação das
leis existentes permite reprimir os abusos de ordem física, econômica ou
fiscal, os problemas de ordem pública, a violação da lei do trabalho, o
exercício ilegal da medicina, o aliciamento das crianças e mesmo a violação das
obrigações familiares.
À repressão, o Espiritismo prefere lidar com o problema na sua
fonte: ” Uma sociedade depravada tem certamente necessidade de leis mais
severas; infelizmente, essas leis se atêm mais a punir o mal quando já está
feito, do que a secar sua fonte. Não há senão a educação para que se possa
reformar os homens; se assim fosse feito não teriam mais a necessidade de leis
tão rigorosas.” Por outro lado, a liberdade de reunião ou de associação não está
limitada senão pelos direitos dos outros. A repressão das práticas de
desestabilização mental é delicada, porque o consentimento do adepto
dificilmente pode ser colocado em causa. Para lutar contra esses abusos, a
comissão encoraja a aplicação de uma lei de 1994 que condena “o abuso
fraudulento do estado de ignorância ou da situação de fraqueza” das pessoas.
“O forte e o poderoso devem apoiar e proteger o fraco, porque o que abusa de
sua força e de seu poder para oprimir seu semelhante viola a lei de Deus. ”
25
A comissão propôs duas soluções preventivas. Uma consiste em melhor
conhecer o fenômeno sectário, criando uma estrutura administrativa de
observação e de estudo, cooperando com as associações existentes. No que
concerne ao enquadramento das seitas, a comissão desaconselha ampliar as
atribuições do estatuto da associação cultural ou da congregação, porque esse
estatuto poderia aumentar seu prestígio. Propôs a criação de um Alto Conselho
dos Cultos, composto de umas trinta pessoas, dos quais um terço representaria as
religiões reconhecidas, um terço seria competente no domínio das religiões, e um
terço representaria as diferentes administrações. Esse conselho deliberaria
sobre as atribuições dos estatutos das associações culturais.
A outra solução preventiva consiste em melhor divulgar os perigos das
seitas, realizando campanhas de informação em grande escala. Essas campanhas
seriam postas em funcionamento pelo Estado, à imagem daquela da Aids, para
“empalidecer o sensacionalismo e a falta de objetividade da mídia”. A Educação
nacional seria encarregada de sua aplicação nas escolas.
Mas esta abordagem preventiva é limitada, porque unicamente a informação
sobre os perigos das seitas não responde ao problema fundamental dos indivíduos
mencionados no capítulo precedente e, assim, não elimina a causa. Com efeito, a
Comissão reconhece, na conclusão do relatório, que “o fenômeno sectário pede uma
resposta global ao conjunto dos grandes problemas da época contemporânea.”
A rejeição sem prova ou a recusa em examinar racionalmente o mundo espiritual
cria uma lacuna no que concerne às questões existenciais fundamentais: O que
somos nós? De onde viemos? Para onde vamos? Esta lacuna deixa o campo livre aos
abusos de todo gênero e é, como vimos mais acima, explorado por certas seitas.
O Espiritismo traz, desde 1857, uma resposta profunda, consoladora, realista,
clara, racional, coerente e lógica a essas questões existenciais fundamentais.
Pelo diálogo ou pelo intercâmbio mediúnico entre o mundo espiritual e o mundo
corporal, o Espiritismo “explica, em virtude de uma lei, certos efeitos
reputados até hoje como milagres e prodígios e, por isso mesmo, demonstra sua
possibilidade. Alarga assim o domínio da ciência e é nisso, ele mesmo, uma
ciência; mas a descoberta dessa nova lei acarreta conseqüências morais e o
código dessas conseqüências produz, ao mesmo tempo, uma doutrina filosófica.”
26
Ele “responde às aspirações do homem no que tange ao porvir, sobre bases
positivas e racionais, e é por isso que convém ao Espírito positivo do século”.
A ética Espírita demonstra que o livre arbítrio dos indivíduos está limitado
por sua responsabilidade diante da lei de causa e efeito, e pela necessidade de
se desapegar da vida material transitória.
Enfim, no plano curativo, a comissão cita a necessidade da criação de
estruturas de asilo para ajudar os anciãos adeptos. Segundo o princípio de
caridade, o Espiritismo pode aí contribuir, notadamente, ajudando as vítimas da
obsessão.
CONCLUSÃO
O relatório indica precisamente que as religiões tradicionais (cristã,
muçulmana, hinduísta, budista) e os movimentos esotéricos estão voluntariamente
dele excluídas, em razão de sua “inocuidade objetiva”. Assinala todavia o risco
de desvio para o ocultismo, mas não evoca o fanatismo. O Movimento Espírita não
é mencionado no relatório. Neste trabalho, apresentamos alguns elementos
objetivos para clarear nossa posição, fazer conhecer o Espiritismo pelo que é e
propor mesmo auxiliar segundo a ética cristã. Para aqueles que conhecem as bases
e os valores fundamentais do Espiritismo, claramente exprimidos ao longo das
obras de Allan Kardec, de Léon Denis ou de Gabriel Delanne, é evidente que ele
não tem nada a ver com uma seita. Sob risco de nos repetirmos, citamos alguns
desses valores fundamentais:
- A Liberdade de consciência, de crença, de pensamento e o livre arbítrio
que na vida em sociedade, necessária ao progresso, são limitados apenas pelo
conselho de “não fazer a outrem senão aquilo que queremos que nos façam”. - A Caridade: “Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das
instituições sociais, das relações legais de povo a povo e de homem a homem e
o indivíduo pensará menos em sua pessoa quando vir que outros nele têm
pensado; sofrerá a influência moralizadora do exemplo e do contato.” 27
A resposta Espírita é, em todos os pontos, compatível com os valores cristãos
que formam a essência das religiões tradicionais, cujas falsas interpretações
são de origem humana. Nossa dificuldade em fazer aceitar esta resposta vem do
fato dela mostrar que os verdadeiros valores, permanentes, não são do domínio
material, transitório, embora tão preciosos às nossas sociedades contemporâneas.
O abuso dos valores materiais é a causa principal dos problemas atuais, em
virtude da reação natural do ser humano face a esse desequilíbrio. O retorno à
normalidade é longo e progressivo: “Ignora o quanto custa aos que ousam mudar a
massa das idéias recebidas?” dizia Claude Nicolas Ledoux, projetista genial das
salinas reais do Arco e do Sena.
Terminamos pelo extrato do discurso de Allan Kardec aos espíritas lioneses em
1862: “Vossos adversários poderão rir de vossas crenças nos espíritos e na sua
manifestação, mas não rirão das qualidades que essas crenças dão; não rirão
quando virem os inimigos se perdoarem em lugar de se odiarem, a paz renascer
entre vizinhos divididos, o incrédulo de outrora orar hoje, o homem violento e
encolerizado se tornar doce e pacífico, o debochado se tornar direito e bom pai
de família, o orgulhoso se tornar humilde, o egoísta se tornar caridoso; não
rirão quando virem que não têm mais que temer a vingança de seu inimigo, que se
tornou espírita; o rico não rirá quando vir que o pobre não mais inveja sua
fortuna, e o pobre bendirá o rico que se tornou mais humano e mais generoso, em
lugar de lhe ter ciúmes; eis o que produz o Espiritismo, e logo se compreenderá
que tudo se tem a ganhar com sua promulgação; que sua influência é uma garantia
de segurança para as relações sociais, porque é o freio mais poderoso, oposto às
paixões malévolas, às efervescências desordenadas, mostrando o laço de amor e de
fraternidade que deve unir o grande ao pequeno e o pequeno ao grande. Rematando
então, para vosso exemplo, que em breve se possa dizer: Quisera Deus que todos
os homens fossem espíritas de coração”.
Referências:
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Conclusão.
- Allan Kardec: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XI.
- Allan Kardec: “A Gênese”, capítulo 1.
- Allan Kardec: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XXVI.
- Allan Kardec: “O Livro dos Médiuns”, capítulo XXVIII, e «A Revista
Espírita» n°27, 2° trimestre 1996, página 8. - Allan Kardec: “A Gênese”, capítulo II, item 55.
- Allan Kardec: “O Livro dos Médiuns”, capítulo XXIX, item 328.
- Allan Kardec: “Obras póstumas”.
- Allan Kardec: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo XXI, e “O
Livro dos Espíritos”, questões n°624 e 625. - Allan Kardec: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulo I.
- Allan Kardec: “A Gênese”, capítulo 1, item 29.
- Allan Kardec: “A Revista Espírita”, 1868, página 107.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 800.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 667.
- Allan Kardec: “O que é o Espiritismo”, 1ª parte, o visitante.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 555.
- Allan Kardec: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, capítulos IX e XI.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 208.
- Allan Kardec: «A Revista Espírita» n°27, 2° trimestre 1996, página 17.
- Allan Kardec: “O Livro dos Médiuns”, capítulo XXIII.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 474.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Conclusão.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 841.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 796.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, Introdução.
- Allan Kardec: “O que é o Espiritismo”, capítulo 1.
- Allan Kardec: “O Livro dos Espíritos”, questão n° 917.
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