Primórdios do Período Espirítico
O mesmo é em nós vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho; pois
estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além, são estes.
Heráclito de Éfeso (540-470 a.c.)
Ao iniciar o seu livro «História do Espiritismo», Arthur Conan Doyle diz
ser impossível fixar uma data para as primeiras manifestações «de uma força
inteligente exterior, de maior ou menor elevação, influindo nas relações
humanas».
Embora os espíritas considerem a data de 31 de Março de 1848 (início dos
acontecimentos de Hydesville) como o começo do movimento que culminou com o
espiritismo, “não há época — diz ele — na história do mundo em que não se
encontrem traços de interferências preternaturais e o seu tardio reconhecimento
pela humanidade”. (Doyle, A. C. — História do Espiritismo, São Paulo: O
Pensamento, 1960, p.33).
Conan Doyle, antes de abordar o episódio de Hydesville, faz um interessante
estudo biográfico de três grandes sensitivos, Emmanuel Swedenborg, Edward Irving
e Andrew Jackson Davis, cujas actuações precederam aquele período.
Swedenborg
Emmanuel Swedenborg (1688-1772) nasceu na Suécia. Ele era não somente um
grande vidente, mas além disso, um génio que abarcava praticamente toda a
ciência e a técnica de seu tempo. Seu pai foi um bispo. Graduou-se em Engenharia
na Universidade de Upsala e estudou no exterior sob a orientação dos mais
famosos matemáticos e físicos: sir Isaac Newton, Flamsteed, Halley e De Lahire.
Tornou-se uma autoridade em mineração, Metalurgia, Engenharia Militar,
Astronomia, Física, Zoologia, Anatomia, Economia Política e Finanças. Era um
profundo estudioso da Bíblia, um teólogo. Fez também projectos de máquinas
voadoras, submarinos, canhões de tiro rápido, bombas de ar e máquinas a vapor.
E, ainda mais, escreveu vários poemas em latim.
Swedenborg esteve fora de seu país cerca de cinco anos, durante os quais
desenvolveu os seus inúmeros conhecimentos. Ao retornar à Suécia, foi indicado
como assessor do «Real Colégio de Minas». A rainha Ulrica concedeu-lhe um título
de nobreza. Quando se encontrava no pináculo da carreira científica, abandonou
toda aquela posição para dedicar o resto de sua vida à divulgação do
espiritualismo, acreditando-se encarregado desta missão, por Deus.
Desde a infância, Swedenborg já manifestava sinais de ser um dotado
paranormal. Possuía notável capacidade de clarividência. Achando-se, certa vez,
em Gothenburg, percebeu e descreveu fielmente um incêndio que ocorria à
distância de 300 milhas, em Estocolmo. Emmanuel Kant interessou-se por este caso
e estudou-o minuciosamente.
Em Abril de 1744, na cidade de Londres, sentiu o desabrochar de suas
faculdades em toda a plenitude: «Na mesma noite — diz ele — o mundo dos
espíritos, do céu e do inferno, abriu-se convincentemente para mim, e aí
encontrei muitas pessoas de meu conhecimento e de todas as condições. Desde
então, diariamente o Senhor abria os olhos de meu espírito para ver,
perfeita-mente desperto, o que se passava no outro mundo e para conversar, em
plena consciência, com anjos e espíritos» (Opus cit. p. 37).
Em uma de suas obras, A Verdadeira Religião Christã (São Paulo: Freitas
Bastos, 1964) lê-se o seguinte e curioso trecho: «Todo homem, quanto a seu
espírito, é consociado a seus semelhantes no mundo espiritual, e é por assim
dizer um com eles; e muito frequentemente me foi dado ver, aí nas sociedades,
espíritos de homens ainda vivos, alguns em Sociedades Angélicas e alguns outros
em Sociedades Infernais; e também me foi dado falar durante dias inteiros com
eles, e eu ficava admirado de que o homem, mesmo vivendo ainda em seu corpo,
nada soubesse absolutamente; por isso eu vi claramente que, aquele que nega a
Deus, está já entre os danados e que depois da morte é recolhido entre os seus».
(Opus cit. p. 25).
Swedenborg, após referir-se à sua primeira visão, descreveu o fenómeno de
exudação do ectoplasma: «…uma espécie de vapor que se exalava dos poros de meu
corpo. Era um vapor aquoso muito visível e caía no chão, sobre o tapete». (Doyle,
A.C. – História do Espiritismo, p. 37).
As descrições do mundo espiritual, feitas por Swedenborg, apresentam duas
categorias distintas. Uma tem carácter mais místico e metafísico, parecendo
sobretudo criações de uma mente exaltada de ardor religioso e produto de
elaborações subconscientes. A outra mostra notável semelhança com os relatos
espíritas mais recentes e parecem resultado de experiências pessoais mediúnicas,
durante as quais o sensitivo devia ter estado em contacto directo com o mundo
dos espíritos. Swedenborg deixou copiosa produção escrita e lançou as bases de
uma nova religião, que até hoje tem seus adeptos em várias nações, inclusive no
Brasil. (Sociedade da Nova Jerusalém – Rua das Graças, 45, Rio de Janeiro).
Irving
O rev. Edward Irving (1792-1834), nasceu em Annan, em 1792, de pais
pertencentes à classe de trabalhadores braçais escoceses. Casou-se com a filha
de um ministro protestante. Mais tarde, tornou-se assistente do famoso clérigo
escocês, dr. Chalmers. Posteriormente foi-lhe oferecida a direcção de uma
pequena igreja escocesa em Hatton Garden, fora de Holborn, em Londres.
Irving era um homem fortíssimo e de porte agigantado, o que, certamente,
favorecia sua influência sobre os fiéis. A sua eloquência e as suas brilhantes
pregações evangélicas logo lhe granjearam numeroso público. Devido ao número
muito grande de ouvintes que acorriam à igreja aos domingos, lotando o pequeno
templo e atravancando as ruas com carruagens, foi removido para um local maior,
em Regent Square, com acomodação para duas mil pessoas.
Em 1831 surgiu na comunidade de Irving um surto de pessoas tomadas por
espíritos e que falavam línguas estranhas.
Os atingidos pelo fenómeno algumas vezes entravam em convulsão e
pronunciavam, com voz cavernosa, frases em latim ou outras línguas, algumas
desconhecidas.
Posteriormente começaram a surgir aparentes possessões por «maus espíritos»,
levando a cessar as manifestações.
Comentando a ocorrência das vozes surgida na congregação de Irving, sir
Arthur Conan Doyle teve as seguintes palavras: «Nas vozes de 1831 há sinais de
verdadeira força psíquica. É uma reconhecida lei espiritual que toda a
manifestação psíquica sofre uma distorção quando apreciada através de um médium
de estreito sectarismo religioso. É também uma lei que as pessoas presunçosas e
enfatuadas atraem espíritos malévolos e são alvo do espírito do mundo, dos quais
se tornam joguetes através de grandes nomes e de profecias que as tornam
ridículas.
Tais foram os guias que desceram sobre o rebanho do rev. Irving e produziram
diversos efeitos, bons e maus, conforme o instrumento empregado». (Doyle, A.C. —
História do Espiritismo, p. 51).
Andrew Jackson Davis
Andrew Jackson Davis (1826-1910) foi cognominado o vidente de Poughkeepsie, o
profeta de uma nova revelação. Nasceu em Blooming Grove, às margens do Hudson.
Ao contrário dos dois precedentes — Swedenborg e Irving — A. J. Davis
originava-se de meio humílimo e precário. Sua mãe era criatura deseducada e seu
pai um beberrão que inicialmente trabalhou como tecelão e mais tarde como
curtidor de couros, ganhando sempre um parco salário.
Davis, como seria de esperar, desenvolveu-se mal física e mentalmente.
Além dos livros da escola primária, Davis lembrava-se apenas de um livro que
ele lia sempre até aos 16 anos de idade.
Porém, desde a sua infância ele já manifestava dons de clarividência e ouvia
vozes. Nele havia tanta força espiritual que, «antes dos 20 anos, tinha escrito
um dos livros mais profundos e originais de filosofia jamais produzidos» — diz
Arthur Conan Doyle.
A conselho das vozes que o inspiravam, Davis convenceu seu pai, em 1838, a
mudar-se para Poughkeepsie. Até à idade de 16 anos não recebeu educação além da
primária. Trabalhou como aprendiz do sapateiro Armstrong, durante dois anos.
Em 1843, o dr. J. S. Grimes, professor de jurisprudência no Castleton Medical
College, visitou a cidade de Poughkeepsie e fez uma série de palestras sobre
mesmerismo. Davis achava-se entre os ouvintes e, convidado a submeter-se à acção
magnética do conferencista, não manifestou ter sentido a menor influência.
Entretanto, algum tempo depois, um alfaiate local, chamado William Livingstone,
fez novas tentativas com o jovem Davis e conseguiu mergulhá-lo em sono
magnético. Aí, então, deu-se o inesperado: em estado de transe, o corpo humano
era como se fosse transparente para os olhos de Davis, permitindo-lhe fazer
diagnósticos precisos de pessoas doentes.
Na tarde de 6 de Março de 1844 Davis sofreu uma experiência inexplicável:
caiu em estado de transe em sua casa e, quando voltou à consciência no dia
seguinte pela manhã, encontrava-se nas montanhas de Catskill, a 40 milhas de
distância de sua casa.
Ele disse que lá se encontrou com dois homens de aspecto venerável, os quais
ele mais tarde identificou como sendo Swedenborg e Galeno. Davis experimentou
naquela ocasião um estado de iluminação mental. Daí em diante ele passou a
ensinar e a escrever.
Davis relacionou-se com um músico de Bridgeport, dr. Lyon, e com o rev.
Fishboug.
Lyon encarregava-se de magnetizá-lo. Durante o transe, Davis punha-se a ditar
e o rev. Fishboug funcionava como secretário, registando por escrito as
comunicações. Este trabalho teve início em Nova Iorque em Novembro de 1845,
quando Davis começou a ditar sua grande obra: The Principles of Nature, Her
Divine Revelation, and a Voice to Mankind. O ditado prosseguiu por um ano e três
meses. O livro, contudo, não teria sido editado, não fosse o entusiasmo de
algumas testemunhas.
O dr. George Bush, professor de Hebraico na Universidade de Nova Iorque foi
uma das testemunhas quando eram recebidas as mensagens durante o transe. Ele
declarou que ouviu «Davis citar correctamente a língua hebraica em suas
palestras, e demonstrar um conhecimento de Geologia muito admirável numa pessoa
da sua idade, ainda quando tivesse devotado anos a esse estudo. Discutiu com
grande habilidade, as mais profundas questões de arqueologia histórica e
bíblica, de Mitologia, da origem e das afinidades das línguas, da marcha da
civilização entre as várias nações da Terra, de modo que fariam honra a qualquer
estudante daquela idade, mesmo que, para as alcançar, tivesse consultado todas
as bibliotecas da Cristandade». (Doyle, A.C. — História do Espiritismo, p. 63).
É também digno de atenção a descrição que E. Bush fez de Andrew Jackson
Davis: «A circunferência de sua cabeça é demasiadamente pequena. Se o tamanho
fosse a medida da força, então a capacidade mental desse jovem seria
limitadíssima. Os pulmões são fracos e atrofiados. Não viveu num ambiente
refinado; as suas maneiras eram grosseiras e rústicas. Não tinha senão um livro.
Nada conhece de gramática ou das regras de linguagem nem esteve em contacto com
pessoas dos meios literários ou científicos. (Opus cit. p. 63).
Este é o retrato de Davis aos 19 anos de idade, do qual — segundo A. C. Doyle
— «jorrava então uma catadupa de palavras e de ideias, abertas à crítica, não
por sua simplicidade, mas por serem demasiado complexas e envoltas em termos
científicos, conquanto sempre com um fio consistente de raciocínio e de método».
(Opus cit. p. 63).
Davis escreveu inúmeros livros, todos compendiados sob o nome de Filosofia
Harmónica. Trata-se de uma obra grandiosa e polimorfa em que se assinalam, além
de ensinamentos profundos, algumas profecias. Em seu livro, Penetrália, ele
precognizou o aparecimento do automóvel, do avião, da máquina de escrever e
outras invenções.
O aparecimento do espiritismo foi predito em os Princípios da Natureza,
publicados em 1847, desta forma: «É verdade que os espíritos se comunicam entre
si, quando um está no corpo e outro em esferas mais altas — e, também, quando
uma pessoa em seu corpo é inconsciente do influxo e, assim, não se pode
convencer do facto. Não levará muito tempo para que essa verdade se apresente
como viva demonstração». (Opus cit. p. 67).
Davis passou os últimos anos de sua existência como director de uma pequena
livraria em Boston. Faleceu em 1910, com a idade de 81 anos.
Em 31 de Março de 1848 pressentiu o episódio de Hydesville, escrevendo em
suas notas: «Esta madrugada um sopro quente passou pela minha face e ouvi uma
voz suave e forte dizer: Irmão, um bom trabalho foi começado — olha! Surgiu uma
demonstração viva». (Opus cit. p. 69).
Sabemos que o episódio de Hydesville foi o marco inicial do movimento
espírita.
Os Shakers
Em inglês “Shaker” significa sacudidor, agitador, convulsionário, etc. Era o
nome que se dava aos membros da seita religiosa chamada a Igreja do Milénio.
Os “Shakers”, ao que parece, ligavam-se aos Quakers de um lado, e do outro,
aos refugiados de Cevennes, vindos para a Inglaterra para se subtraírem à
perseguição de Luís XIV.
Apesar de inofensivos, eles eram perseguidos e molestados pelos fanáticos.
Por esta razão, resolveram emigrar para os Estados Unidos, por ocasião da
Guerra da Independência. Uma vez em seguro solo americano, trataram de fundar
suas comunidades religiosas em diversos lugares. Os “Shakers” viviam de maneira
simples e pura. Em 1837 contavam-se cerca de 60 grupos religiosos desta seita.
Começaram então a ocorrer com os “Shakers” fenómenos semelhantes aos que se
deram com os adeptos da igreja do rev. Irving. Durante as primeiras ocorrências
de pessoas tomadas por espíritos e que se punham a falar, eles mantiveram certa
discrição e procuraram guardar para si próprios a experiência obtida. Temiam ser
tomados por loucos e trancafiados em hospícios. Mas pouco tempo depois surgiram
dois livros contando as suas experiências: Santa Sabedoria e O Papel Sagrado.
A “invasão” de espíritos só se dava após solicitarem permissão,
incorporando-se antes em um ou dois pres-bíteros. Sir Arthur Conan Doyle assim
descreve o que se passava após ter sido concedida a permissão: «Dada a licença,
toda a tribo de espíritos de índios invadia a casa e em poucos minutos por toda
a parte ouvia-se o seu “Whoop! Whoop!”.
Os gritos de “Whoop”, aliás emanavam dos órgãos vocais dos próprios
“Shakers”. Mas, ainda sob o controlo dos índios, conversavam na língua destes,
dançavam as suas danças e em tudo mostravam que estavam realmente tomados por
espíritos de peles-vermelhas». (Opus cit. p. 54).
Nos Estados Unidos, como aqui, os espíritos dos povos primitivos tiveram um
papel importante.
Raros eram os médiuns americanos que não tivessem como guia o espírito de um
pele-vermelha. No Brasil vemos ocorrer o mesmo fenómeno, quase todo médium tem
como guia ou um “preto-velho” ou um “índio”. Qual a razão disso?
Parece que essas entidades, muito embora possam ser evoluídas no sentido do
bem, carecem ainda do desenvolvimento intelectual dos ditos civilizados. Por
este motivo acham-se mais próximas de nós.
Além disso, o seu trato com a natureza deve facilitar-lhes o controlo sobre
as forças paranormais, permitindo-lhes um intercâmbio maior com o plano dos
encarnados.
Entre os “Shakers” destacava-se pela sua inteligência um homem chamado E. W.
Evans, o qual, juntamente com alguns companheiros, procurou entender os
fenómenos que então ocorriam.
A conclusão a que chegaram era obviamente que os espíritos dos índios tinham
vindo para aprender, a fim de se prepararem para uma missão mais importante. De
facto, após cerca de sete anos os espíritos os deixaram, já consciencializados
de sua situação e preparados para uma outra missão mais importante.
Eis o que diz Doyle a propósito deste facto: «Quando os espíritos os
deixaram, disseram-lhes que se iam, mas que voltariam, e que, quando voltassem,
invadiriam o mundo e tanto entrariam nas choupanas quanto nos palácios». (Opus
cit. p. 56).
Quatro anos mais tarde começaria o episódio de Hydesville, e A. C.
Doyle acrescenta: «E quando se iniciaram» — as batidas em Hydesville — «Elder
Evans e outros “Shakers” foram a Rochester e visitaram as irmãs Fox.
A sua chegada foi saudada com grande entusiasmo pelas forças invisíveis, as
quais proclamaram que aquilo era realmente o trabalho que tinha sido predito.»
(Opus cit. p. 56).
Conclusão
Como pode ver-se, a eclosão do movimento espírita, que teve início em
Rochester, no vilarejo de Hydesville, parece ter sido precedido de um preparo
por parte do plano espiritual.
É digno de nota que, lá nos Estados Unidos, surgiu a primeira avalancha como
manifestação das forças espirituais nos meios mais humildes e menos
intelectualizados.
Em pouco tempo o movimento alastrou, passando para a Europa, onde iria
suscitar o interesse dos cientistas.
No próximo número, vamos prosseguir, relatando o episódio de Hydesville.
Aguardemos.