Enéas Canhadas
Se o tempo de existência do universo até hoje fosse convertido em exatamente um ano, o Big Bang teria acontecido no dia 1 de Janeiro. A galáxia Via Láctea teria surgido no dia 1 de Maio. A Terra teria se formado no dia 14 de Setembro. A vida teria surgido na Terra em meados do dia 25 de Setembro. O sexo teria sido inventado por microorganismos em meados do dia 1 de Novembro. As primeiras células com núcleo, os eucariontes, teriam surgido no dia 15 de Novembro.
Os primeiros invertebrados teriam surgido no dia 17 de Dezembro. Os primeiros vertebrados, os peixes, no dia 19 de Dezembro. As plantas começariam a colonizar a terra firme no dia 20 de Dezembro. Os primeiros insetos alados e anfíbios teriam surgido no dia 22 de Dezembro. Os primeiros répteis e árvores, no dia 23 de Dezembro. Os dinossauros, no dia 24 de Dezembro. Os primeiros mamíferos, no dia 26 de Dezembro. Os primeiros pássaros, no dia 27 de Dezembro. No dia 28 de Dezembro, as primeiras flores teriam surgido e os dinossauros se tornariam extintos. No dia 29 de Dezembro, surgiriam os primeiros cetáceos e os primeiros primatas. No dia 30 de Dezembro, surgiriam os primeiros hominídeos e os primeiros grandes mamíferos. Os primeiros humanos teriam aparecido na Terra apenas às 10:30 da noite do dia 31 de Dezembro. As primeiras cidades surgiriam às 11:59 e 35 segundos. A aritmética moderna, com o zero e os decimais, surgiria às 11:59 e 57 segundos. O método científico moderno baseado em experiências teria surgido apenas às 11:59 e 59 segundos. A humanidade alcança um grande desenvolvimento tecnológico e científico, surgem as culturas globalizadas, meias de autodestruir totalmente a espécie humana, meios de prolongar a vida, comunicação praticamente instantânea à longas distâncias, os primeiros passos dados na exploração planetária com naves pousando em outros planetas e até deixando o sistema solar; tudo isso apenas no primeiro segundo do ano novo.
E vieram me perguntar na semana passada o seguinte: “Se, quando criança, somos egoístas pensando ser o centro do mundo ou do universo, e se tomamos consciência de tal fato, porque, mesmo adultos, permanecemos egoístas?” Uma pergunta simples para uma resposta não tão simples assim. Se as informações do “calendário cósmico” citado acima estiverem aproximadamente corretas, vemos que o tempo que nos deixa ansiosos e apreensivos marcado pelo calendário e pelos relógios, não passam de mera organização de uma seqüência de acontecimentos dos quais a espécie humana faz parte. Precisamos acrescentar, depois de tudo isso, a idéia de Deus, que a tudo isso abrange, como gerador de toda essa criação organizada. Lenta, ordenada e cuidadosamente, os saltos qualitativos foram sendo dados para que tenhamos hoje, ainda uma nublada consciência vivendo neste plano, e sejamos os representantes mais cientes dessa obra criadora, mas com enorme herança dos estágios anteriores. Imagine você o salto de qualidade que somos capazes de dar nas nossas vidas quando, num gesto simples de um abraço ou de uma ajuda a alguém, podemos fazê-lo de forma desprendida e sem nenhum julgamento sobre o mérito do outro em receber esta nossa ajuda. Estou, propositadamente, querendo evitar a palavra caridade que, em geral, nos causa uma comoção. A caridade como um termo preciso do nosso ato, talvez ainda precise esperar algum tempo na escala de progresso transcrita no início desta matéria, para ser usada adequadamente. Os nossos atos ainda são esforços voluntários, conscientes e intencionais quando agimos voltados para o bem do nosso próximo, porque a nossa natureza ainda não nos deu a “naturalidade” necessária para que eles aconteçam sem nenhum apego, ou dito de outro jeito, com total desapego.
Daí, ainda sermos egoístas, faz parte de um processo de desenvolvimento, cuja natureza humana talvez precise de muito mais tempo, para fazê-lo tornar-se um traço do humano completo e natural. Há pouco tempo atrás, assistindo uma entrevista com Deepak Chopra (indiano radicado nos EUA desde a década de 70, é médico e filósofo de reputação internacional. Já escreveu mais de 35 livros, traduzidos para 35 idiomas, somando mais de 20 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo) foi perguntado a ele, porque insistia em continuar um pacifista acreditando na paz entre os homens em meio a um mundo caótico e cheio de guerras e conflitos, respondeu dizendo que acreditava na paz apenas por uma razão: “o ser humano não tem outra saída, até agora as guerras não deram certo”.
Essa resposta me fez pensar que em tantos anos do homem sobre a Terra, ele ainda tenta resolver os problemas através da guerra e da destruição dos seus semelhantes e de tudo que lhe pertence, não ao semelhante, mas a si mesmo também, afinal de contas, vivemos num lar emprestado, o planeta Terra, que vamos deixar ao voltar para o mundo espiritual. Esta infância moral, além da infância espiritual em que nos encontramos, nos dá uma ideia, segundo o “calendário cósmico” acima, que atitudes não egoístas, ainda estão, juntamente com as viagens do homem ao espaço, nos primeiros segundos da sua existência sobre a Terra. Tais ideias não podem nos desanimar, mas sim permitir maior compreensão para as dificuldades que possuímos em mudar ou transformar pequenas atitudes e pequenos hábitos arraigados em nós. Deus não nos cobra prazos na marcha da evolução, e felizmente não nos controla com relógios ou com a contagem de “pecados” já cometidos. Não cabe, propriamente dizer que Deus não tem pressa, porque a evolução segue outro padrão de tempo e o progresso espiritual tem outra natureza. Se isso nos conforta, também nos responsabiliza e, faz-nos um pouco mais conscientes de nós mesmos. Seria simples, se não fosse algo tão grave para pensar e refletir. Como diz, ao final de suas crônicas, o professor Pasquale Cipro Neto “é isso aí”.