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O Bem enquanto princípio educativo

Nos ensinamentos de São Francisco de Assis, encontramos uma assertiva que
decisivamente marcou seu pensamento: “é dando que se recebe”. Tal idéia está
presente em toda mentalidade judaico-cristã. O cristão deve fazer o bem porque
desta forma ele terá  o retorno em sua vida, mesmo que em um futuro
desconhecido. Ajudar o próximo, praticar a solidariedade, a indulgência, a
tolerância, perdoar as ofensas e agressões que sofremos, seriam assim, moedas
com a qual compraríamos o nosso bem estar futuro: A forma de nos livrarmos do
inferno e adquirirmos o cartão de entrada no céu.

Mas qual é o fundamento deste princípio? A prática do bem funcionaria como
uma espécie de bônus positivo para quitar débitos contraídos com a prática do
mal ou para nos livrar do tormento de uma experiência cármica ou não, ou então,
em ser agraciado com a gratidão devida por cumprirmos com o nosso dever de
cristão. O ser humano seria assim uma espécie de ser pragmático em busca de sua
própria felicidade, de uma paz pessoal, com uma vida, cujo deleite está em
evitar o sofrimento. O risco de refletir suas experiências, de ousar pôr-se
enquanto sujeito de suas decisões, de permitir-se um ser que pode errar, que o
erro é conseqüência do seu estado de imaturidade espiritual, psíquica,
emocional, intelectual e mental; estado este inerente ao ser eternamente em
processo educativo, um ser em constante evolução.

Admitir a inexorabilidade do bem para a evolução não significa defender a
tese do bem enquanto algo auto-explicado e o ser humano enquanto objeto de sua
inexorabilidade. Que conteúdo ganha o ser humano em fazer o bem para não sofrer,
ou para ganhar a felicidade no futuro, melhor dizendo, num futuro desconhecido?
Que aprende o espírito que pratica dele sob esta perspectiva? Que tipo de
enfrentamento tem ele consigo mesmo, digo, com suas aflições, seus complexos,
traumas, desajustes diversos; enfim com suas imperfeições? Fazer o bem não pode
ser um ato de violência para consigo próprio, não pode ter como
pressuposto-imperativo a não reflexão do ser-em-tensão imerso na materialidade
histórica de suas reencarnações, não pode prescindir do pensar a situação
presente que desafia o ser inteligente a decidir na sua postura diante da vida,
diante dos demais seres, diante de sua própria espécie; pois o bem tem como
pressuposto a consciência. O ser encarnado ou não, é como já dissemos um ser
inteligente, e sendo assim, o bem para ser bem, para ter eficácia no espírito
praticante, imprescinde de um conteúdo pedagógico cujo fundamento está
justamente no porque de fazer o bem. E a prova da existência deste conteúdo no
agir de uma suposta atitude benéfica, está na possibilidade objetiva,
axiologicamente construída em-si pelo ser inteligente, de uma determinação
educativa do bem sobre si.

A atitude exteriormente de acordo com as leis da vida não tem por si próprio
o poder de desencadear um aprendizado que impulsione o espírito na sua evolução.
É produção do ser humano; não é uma manifestação no espírito que prescinda
de sua condição de ser consciente, de ser que sabe, que pode saber, de ser que
reflete.

Em resumo, que aprendemos concretamente com o bem que fazemos? Que nosso
sofrimento será amaciado por ele; que nossa felicidade(futura!) será um presente
da divindade a nós, prescindindo assim da determinação educativa do agir
benéfico sobre nós? Educar-se  significa muito mais do que ter uma
práxis benevolente com os seres à nossa volta; significa mais do que fazer o bem
por querer fazê-lo; significa em última instancia apreender os ensinamentos
constituintes do nosso agir benevolente; significa aprender as lições que nele
estão presente. Entender que o bem não pode ser uma rua de mão única, na qual só
a outra parte é beneficiada.

“Eu” preciso “me” beneficiar com a “minha” atitude, aprender com ela, “me”
fortalecer axiologicamente com ela. Passar segurança às pessoas é um bem, mas se
com isto “eu” também procuro educar-“me”, construindo segurança em “mim” mesmo;.
Falar de tolerância e indulgência com aqueles que estão se movendo pelo ódio e
sentimento de vinganca  ,se “eu” trabalho na edificação da paz em “mim”.
Socorrer os espíritos em sofrimento nas mediúnicas é um bem, se eu “me” coloco
no aprendizado do equilíbrio em “minha” cotidianidade. Orientar o individuo em
desajuste psiquico-espiritual é um bem, se “eu” também me coloco no aprendizado
dos fundamentos de uma mente que procura reconhecer seus limites de investigação
e os pressupostos para a constante vigília dos princípios cristãos em nós. Fazer
o bem é também em última instancia, se convencer axiologicamente dele; é
refletir sobre o quanto nos tornamos internamente melhores pelo “bem” que
fazemos; é apreender e aprender a nos tornarmos internamente melhores com aquilo
que fazemos, e sob esta perspectiva nos auto-avaliarmos em nossa prática
espírita, crista; é replanejar o nosso porvir a fim de nos mantermos rumo à
felicidade que tanto desejamos, e que de fato só existirá, se já existir, pois a
felicidade não é uma inexorabilidade evolutiva, ela é produto de uma práxis, de
um sujeito que quer ser feliz e trabalha para isto. Ser feliz é pensar em como o
bem pode nos fazer feliz e aprender com a verificação da praxis correspondente a
ele.

(Publicado no Boletim GEAE Número 312 de 29 de setembro de 1998)