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A Cura de uma Obsediada

Carlos Torres Pastorino

Lucas 13:10-17

  1. Estava (Jesus) ensinando numa das sinagogas, nos sábados,
  2. e eis uma mulher tendo, havia dezoito anos, um espírito enfermo; e estava recurvada e não podia levantar a cabeça até o fim.
  3. Vendo-a Jesus chamou-a e disse-lhe: “Mulher, foste libertada de tua enfermidade”.
  4. E pôs as mãos sobre ela, e imediatamente levantou a cabeça e cria em Deus.
  5. Respondendo, o chefe da sinagoga, indignado porque Jesus curava no sábado, dizia à multidão que “há seis dias nos quais se deve agir; nesses então vindo, curai-vos, e não no dia de sábado”.
  6. Respondeu-lhe, porém, o Senhor e disse: “Hipócritas, não solta cada um de vós, no sábado, seu boi ou seu jumento da mangedoura, levando-os a beber?
  7. E sendo filha de Abraão, esta que o antagonista incorporou há dezoito anos não devia ser solta dessa ligação no dia de sábado”?
  8. Dizendo ele isso, envergonharam-se todos os seus opositores, e toda multidão se alegrava de todas as coisas famosas feitas por ele.

Lemos aqui mais uma cura’ de certa mulher obsidiada. Jesus ainda fala, aos sábados, nas sinagogas dos judeus (embora seja esta a última vez que Lucas o assinala). Ao falar, num dos sábados, percebe na assistência uma criatura com um obsessor preso a ela, forçando-lhe a cabeça para baixo, porque ele mesmo era doente. O narrador não assinala nenhum pedido dela nem dos outros, mas talvez tenha havido uma intercessão no astral. Apiedado, Jesus chamou-a e anunciou-lhe a cura efetuada ao aplicar-lhe um passe de descarga, com a imposição das mãos, cuja força magnética era extraordinária.

Sendo sábado, o chefe da sinagoga – zeloso observador da lei mosaica e das prescrições tradicionais dos fariseus – zanga-se, e dirige-se ao povo, parecendo temer falar diretamente àquele Rabbi poderoso. Não nega o fato: reconhece-o. Não o culpa, mas acusa os assistentes de “trazerem seus doentes justamente no sábado”. E, para dar ênfase à sua reclamação, cita os termos da lei (Êx. 20:9) : “Seis dias trabalharás” . . . Pois que nesses dias tragam seus enfermos para serem curados.

O orador do dia retruca com a energia que lhe outorga sua autoridade, acusando os fariseus de “hipócritas”, pois soltam jumentos e bois da mangedoura e os levam a beber, no sábado, e vêm protestar quando Ele solta da ligação de um espírito enfermo uma irmã de crença, filha de Abraão, como eles! O eleito da reprimenda causou mal-estar e vergonha aos fariseus, e produziu alegria ao povo, que se regozijou com a cura e com a resposta de Jesus.

Há duas observações a fazer, ambas no campo do Espiritismo.

A primeira é o fato da obsessão, tão comum entre as criaturas, de qualquer raça ou credo. Dizem os exegetas que era “crença” dos judeus daquela época que algumas doenças fossem causadas por obsessores. Mas aqui é o evangelista que afirma categoricamente, com sua autoridade de médico diplomado, que a mulher NÃO ESTAVA enferma, mas que TINHA UM ESPÍRITO ENFÊRMO (gynê pneuma échousa astheneías). E ao falar, o próprio Jesus confirmou o FATO; não a suposta crença: “a qual o antagonista incorporou há dezoito ano (hên édêsen ho satanäs idoú déka kaí okto étê). O verbo édêsen, aoristo ativo de édô, tem o sentido de LIGAR, prender amarrando, agrilhoando, vinculando, e uma boa tradução dele é “incorporou”, que, na realidade, é uma ligação fluídica que prende a vítima. Não se trata de agrilhoar fisicamente, mas no plano astral: logo, é uma incorporação. Caso típico, estudado e explicado pelo Espiritismo e milhares de vezes atestado nas sessões mediúnicas.

Observe-se, quanto à tradução, a diferença entre desmós, que é a ligação (de édô, ligar, amarrar) que tanto pode referir-se à matéria quanto ao astral, e phylakês, que é a cadeia, prisão material, entre quatro paredes (1).

Na mediunidade dá-se, exatamente, a ligação fluídica, que amarra o espírito ao médium. A isso chamam “incorporação”, embora o termo não exprima a realidade do fenômeno, pois o espírito não “entra no corpo” (in – corpore), mas apenas SE LIGA.

A segunda observação é quanto ao método da libertação o “passe”, ou “imposição das mãos”. O verbo utilizado, epitíthêmi (também no aoristo ativo epéttêken) significa literalmente “colocar sobre”, “pôr em cima”. As anotações evangélicas não falam em “passe” no sentido de movimentar as mãos, mas sempre no de colocar as mãos sobre o enfermo (cfr. Mat. 9:18; 19:13, 15; Marc. 5:23; 6:5; 7:32: 8:23,25; 16:18; Luc. 4:40; 13:13; At. 6:6; 8:17,l9: 9:12,l7; 13:3; 19:6; 28:8; 1a. Tim. 5:22).

Esse derrame de magnetismo através das mãos serve para curar, para retirar obsessores, para infundir o espírito (fazer “incorporar”) ou para conferir à criatura um grau iniciatico que necessite de magnetismo superior do Mestre.

O passe foi utilizado abertamente por Jesus e Seus discípulos, conforme farta documentação em Evangelhos e Atos, embora não fossem diplomados por nenhuma faculdade de medicina (o único médico era Lucas). Hoje estariam todos condenados pelas sociedades que se dizem cristãs, mas não seguem o cristianismo. O próprio Jesus, hoje, teria que responder a processo por “exercício ilegal da medicina”, acusado, julgado e talvez condenado pelos próprios “cristãos”.

O passe com gestos e com imposição das mãos (embora só produzindo efeitos em casos raríssimos) continua a ser praticado abundante e continuadamente, ainda que com outro nome, nas bênçãos de criaturas e de objetos, sendo o movimento executado em forma de cruz traçada no ar e, em certos casos, colocando as mãos, logo a seguir, sobre o objeto que se abençoa.

A lição aqui ensinada é de interesse real. Além da parte referente ao Espiritismo, aprovado e justificado com o exemplo do Mestre em Seu modo de agir, encontramos outras observações.

Por exemplo, Lucas salienta que a ligação ou incorporação do obsessor enfermo durava havia dezoito anos , quando se deu o desligamento. Esse numero dezoito aparece duas vezes neste capítulo, pois também foram dezoito as vítimas do desabamento da torre de Siloé. Façamos, pois, uma análise rápida do arcano DEZOITO, para depois tentar penetrar o sentido do ensino.

No plano divino, simboliza o abismo sem fundo do Infinito; no plano humano, denota o crespúsculo do espírito e suas últimas provações; no plano da natureza, exprime as forças ocultas hostis do Cosmo.

Baseando-se nesses ensinos ocultistas, observamos que os números citados por Lucas tem sua razão de ser. As forças ocultas hostis da natureza (não personalizemos: são forças cegas, fundamentadas em leis cientificas, que nada cogitam a respeito de carmas humanos, embora possam ser utilizadas pelos “Senhores do Carma”, em ocasiões determinadas, para atingir objetivos desejados) agem de acordo com os impulsos das leis de atração e repulsão, de causa e efeito, de gravidade (centrípeta) e de expansão (centrifuga). No entanto, se seus resultados beneficiam (arcano 7), nós as denominamos “benéficas”; se nos causam prejuízo (arcano18), as dizemos “hostis”. Em si, porém, elas agem, essas forças da natureza material, sem ligação com as vidas dos homens. Daí a queda da torre de Siloé que, por terem sido esmagadas criaturas humanas, foram julgadas hostis, o que foi traduzido com o número dezoito.

No plano do homem, esse mesmo arcano simboliza “o crepúsculo do espírito e as últimas provações”. Daí ser dito que a mulher obsidiada o estava havia dezoito anos, ou seja, finalizara sua provação. Este caso difere do da mulher que tinha o fluxo sangüíneo (Mat. 9:20-22; Marc. 5:25-34; Luc. 8:43-45; vol. 3o., pág. 62) e que “se sacrificava” havia doze anos.

Já aqui sabemos que existiu uma provação, ou seja, uma experiência que devia ser suportada, a fim de provocar uma melhoria. Como chegara ao fim o período probacional, e como a vítima estava totalmente resignada (tanto que não solicitou sua cura) o Mestre lhe anuncia que foi libertada, passando, a seguir, a desligá-la do obsessor. Ela não foi libertada por causa dos passes, mas mas por causa do término da prova; os passes foram o meio de efetuar o desligamento já obtido antes, pela aprovação nos exames da dor. Por isso, a contradição aparente nos tempos de verbo: “foste libertada”… é feita a imposição das mãos… ela se cura.

Uma das lições a deduzir é que as “provações” constituem experimentações, uma espécie de “exames”, para verificar o grau de adiantamento do espírito: se aprendeu a comportar-se nas lutas e tristezas, com a mesma força e equanimidade com que enfrenta os momentos de alegria e prazer. Vencida a prova, superado o exame, o espírito é libertado da prova: ascende mais um passo evolutivo.

Outro ponto a considerar é que a realização iniciatica só se efetua na prática da vida. Simples e lógica a ciência, mas vale apenas na aplicação vivida do dia-adia. Só essa prática experimental transforma um profano num iniciado, e não o conhecimento teórico intelectual nem os títulos que ele ou outrem agreguem a si. Assim, uma experiência dolorosa e longa suportada com heroísmo é mais apta a elevar um espírito, que o simples estudo intelectual. Mas cada criatura recebe apenas o que está preparado a receber, segundo a idade de seu espírito e o estágio atingido em suas encarnações atual e anteriores.

As palavras de Jesus, consideradas sob este prisma, adquirem novo significado: os homens que ainda se acreditam ser apenas o corpo, apegados ao animalismo, dão valor às datas (sábados) e à parte animal (jumento e boi), mas não conseguem vislumbrar a altitude que adquiriu o espírito que já se tornou “filho de Abraão”, ou seja, que está ligado ao “Pai-Luz” (cfr. vol. 3o.pág.11) que deu origem. Embora o intelecto racionalista (os opositores) e houvesse envergonhado da interpretação involuída que havia dado, a “multidäo” das células de todos os veículos se alegrou com a ação do Cristo Interno.

A imagem trazida com a “mulher’ recurvada” é maravilhosamente bem escolhida: é a criatura tão obsidiada por preconceitos que chega a andar curvada sob o peso dos preceitos e das exigências descabidas, que lhe são impostas pelos legistas. Há que libertar-se a humanidade desse peso inútil e prejudicial, adquirindo conhecimento que a coloque no nível de filhos de Deus, que só reconhecem o Espírito. “Ora, o Senhor é o Espírito, e onde há o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2 Cor. 3:17).

(1) Confrontem-se os passos: desmó. Marc.7:35; Luc. 8:28:13:16; Atos 16:26; 20:23; 23-29; 26.29; Philip,1:7,13,14,17; Col. 4:18; 2a. iTm. 2:9; Phm. 10.13: Heb. 11:36 e Judas 6; e phyakês,-. Mat. 5:25; 14:3,10; 18:30; Marc. 6:17, 27; Luc. 3:20; 12:58; 21:12; 23:19, 25 ; Jo. 3:24; At . 5:19, 22,25; 8:3; 12:4, 5, 10,17, 16,23, 24, 27, 37, 40; 22:4; 26:10; 2a. Cor. 6:5; 11:23; Heb. 11:36; 1a. Pe. 3:19 e Ap. 2:10 e 20:7.

(Extraído do Livro “Sabedoria do Evangelho” – Carlos Torres Pastorino)