Armando Souto Maior
Mesmo com as limitações, o homem é o único ser na terra que tem capacidade estética e daí se infere que a apreciação da beleza é uma experiência somente humana. A natureza em si mesma não é nem feia nem bonita. Ela apenas existe. O homem quando contempla uma paisagem, uma planta, uma flor ou uma aurora admira sua organização, sua exatidão, as leis que a regem, de acordo com sua evolução intelectual e a elas, de certa maneira, se incorpora. Esta inserção é o que chamamos de estética. As formas naturais são para o artista como as palavras são para a linguagem: absolutamente indispensáveis, mas, isoladamente, sem beleza.
O prazer que produz a contemplação das coisas naturais é a “emoção” estética. Quando dizemos que um pôr-de-sol é lindíssimo ou que um pássaro é belo usamos, evidentemente, adjetivos que não lhes correspondem técnica ou cientificamente. Convém acrescentar que vivemos influenciados por idéias tradicionais de representação de coisas naturais. Assim, estamos acostumados a ver a arte associada à natureza e acabamos sempre por fundi-las, dando às coisas naturais um valor que em realidade não têm. É verdade que podemos combinar ou reunir coisas naturais, criando desse modo uma obra artística, mas o belo nessa composição é fruto de nossa participação. O fenômeno artístico está acima da razão humana, limitada que é, e não se pode medir. Pensar na infinitude de Deus é uma solução esclarecedora.
A música pode imitar a natureza como no famoso “vôo do besouro” e nas músicas ditas e tidas como “descritivas”, com as quais, próxima ou remotamente e podemos fazer associações. Um quadro de uma paisagem é uma imitação, mesmo que a paisagem seja imaginária. As madonas de Rafael, por exemplo, são representações de formas naturais: nelas há uma forma de mulher, talvez com um menino. E, provavelmente, montanhas, árvores e o céu. Algumas árvores podem ter um aspecto mais frondoso e um mágico verde escuro, o céu parece brilhar como se fora esmaltado, a mulher apresenta uma serenidade que não se pode observar em nenhuma das que conhecemos no nosso cotidiano, e a criança uma candura e uma inocência maravilhosas. Todos estes adjetivos que usamos são humanos e esse “sentido de humanidade” é obtido não pela simples seleção de diversos elementos naturais e não por uma aproximação da natureza em algo humano. Ou seja, a madona de Rafael, as montanhas, as árvores, o céu, foram “embelezados” por uma suave, ligeira e sutil transformação para-natural, essencialmente estética, indefinível e impossível de se medir. Isto é o que constitui a essência da arte.
Consciente disso o homem de hoje pode apreciar o que é estético nas obras de arte do passado, e de sua época, com maior conhecimento e mais universalidade do que seus antepassados e até se deleitar com manifestações artísticas de povos primitivos. Por isso é que, mesmo que o homem culto moderno esteja convencido da impossibilidade de definir “arte”, não poderá dominar seu permanente desejo de averiguar as origens da experiência estética e considerar de suma importância o lugar que ela ocupa no seu espírito e na sua vida.
Artigo de capa do Jornal Espírita de Pernambuco, n. 68, editado pelo Centro Espírita Léon Denis, Av. Norte, 104 – Santo Amaro CEP 50040-200 – Recife – PE – E-mail: [email protected], sem dúvida, um dos mais belos e completos jornais espíritas brasileiros.