O comentário breve de Kardec a esta resposta é digno também de exame. E para
tanto tomamos a liberdade de transcrevê-lo literalmente:
Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo
o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência,
veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos
a natureza e o móvel dos nossos atos. A forma interrogativa tem alguma coisa de
mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós
mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar
para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma
que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em
nós.
A título de conclusão
Diante da banalização do mal que se espalha pelo mundo dos homens, resta-nos
individual e coletivamente nos lançarmos ao bom combate, que é constante,
exigindo-nos disciplina e perseverança. A guerra do bem contra o mal, tema
de incontáveis livros e filmes, deve ser travada nos domínios dos nossos próprios
corações, acima de tudo.
Lembrando-nos da alegoria dos ovos da serpente, devemos quebrá-los todos ainda
no ninho, antes que libertemos o mal que ainda teima em fazer morada em nós. Se
já desencadeamos o mal, somente nos resta sofrer-lhe as conseqüências, com serenidade
e resistência.
Se nos embaraçamos nas tramas do mal, não basta arrependermo-nos de nossos atos
e nos comprometermos à mudança por desencargo de consciência (ou por quaisquer formas
de promessas); é necessário meditarmos profundamente no móvel de nossas ações; é
preciso, enfim, mergulharmos a sonda da investigação em nosso espírito para o exame
de nossos mais profundos sentimentos e pensamentos.
Se a nossa má ação decorreu, por exemplo, do exercício da violência, devemos
buscar em nosso coração as raízes desta violência, esteja ela onde esteja; e somente
há um meio de extirparmos definitivamente as raízes de todos os males: estarmos
de permanente prontidão para domar, controlar-lhes as expressões… Aprende-se nas
reuniões dos Anônimos (alcoólicos, em particular) que nossos vícios (as más paixões)
não tem propriamente cura, mas tão somente controle. As lutas sem fim e sem quartel
contra o mal exige-nos, desta forma, uma plena disponibilidade de vigilância e oração.
Caso nossa “meditação” acerca das raízes e frutos do mal seja superficial; caso
não examinemos com rigor as causas de nossas ações, fatalmente incorreremos nos
mesmos erros, quando as circunstâncias mudarem, quando forem outros os cenários.
O motivo da reincidência está em que nós não exercitamos nosso “raciocínio moral”,
que também se desenvolve como o raciocínio lógico, matemático, etc.
Por outro lado, mesmo que não estejamos às voltas com as expressões mais visíveis
do mal, como as paixões humanas tornaram-se mais “violentas e devastadoras, no homem
que prossegue inquieto”, segundo Joanna de Ângelis, é possível que as conseqüências
destas paixões nos atinjam, diretamente ou indiretamente. A tendência de nos refugiarmos
no nosso mundo ainda preservado do contágio de tantos males pode nos tornar
alheios a este mundo de provas e expiações. Mantermo-nos sensíveis à dor
do próximo, por mais que isto nos possa incomodar ou constranger é atitude genuinamente
cristã… Refugiar-se na indiferença, como fuga aos incômodos que as dores, as paixões
e erros alheios nos causam, não é medida salutar.
Necessário se torna que aprendamos com nossas vivências práticas e com os exercícios
do “raciocínio moral” e com um farto material de aprendizagem: os erros próprios
e os alheios. O aprimoramento ético-moral exige, enfim, reflexão e mergulho em si
mesmo. E se necessário for, que revisemos periodicamente nossas quedas e deslizes
no campo moral, ativando a memória para nos lembrarmos dos tantos espinhos que já
trazemos cravados na “carne do espírito”, tal como ensina Paulo de Tarso. Estes
espinhos nos lembrarão a nossa condição de enfermos em estágio de longa recuperação,
necessitados de cautela…
E no mais, que acreditemos, como em Juízo Final, canção de Nelson Cavaquinho,
que “do mal será queimada a semente / o amor será eterno novamente”, tendo a certeza
de que todo o império do mal ruirá quando rompermos os elos que mantemos com as
porções inferiores de nossa própria individualidade!
Referências Bibliográficas
- EBRAHIM, Surama Gusmão. Adoção tardia: um estudo em termos de altruísmo, maturidade
e estabilidade emocional. João Pessoa, 1999. 200p. Dissertação (Mestrado em
Psicologia) – Universidade Federal da Paraíba. - FRANCO, Divaldo Pereira. Sol de Esperança (diversos espíritos). 2ª ed.
Salvador: Livraria Espírita Alvorada, 1978. - KARDEC, Allan. Livro dos Espíritos. Federação Espírita Brasileira: Rio
de Janeiro, 1995. 76ª edição. - MACEDO, Joel. O mal nosso de cada dia – Filósofa parte do terremoto de Lisboa
para mostrar como o mal deixou de ser divino para se tornar criação do homem.
Disponível em http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/cadernos/ideias/2004/03/05/joride20040305001.html.
Acesso em 7 mar. 2004.