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A velha túnica azul

Notava-se em seu semblante a estampa da tristeza e da inconformidade. Enquanto caminhava pesadamente na parte externa da escola, cabisbaixo como se carregasse nos ombros todo o peso do mundo, escutou passos vindos em sua direção: era o mestre que avistando-o de longe se aproximava.

Vestindo uma túnica azul surrada, e até levemente desbotada, pelo longo uso através do tempo, trazia na face envelhecida a expressão de quem entendera o sentido da vida, de alguém que conseguira por meio de muito esforço e sofrimento dominar a impulsividade no próprio peito em favor da larga compreensão. E justamente por isso quem lhe compartilhasse a intimidade para logo sentia-se envolvido por uma onda de paz balsamizante que aquecia o coração e amenizava de imediato todos os conflitos do espírito, todas as aflições da alma.

Então, o mestre atento e percipiente, uma vez que estava sempre presente, uma vez que havia aprendido a duras penas a não escapar para o futuro, tampouco para o passado, lhe indagou:

– Qual foi o ocorrido que lhe causou tamanho abatimento? A pergunta foi ungida com tanta Filantropia que o discípulo, homem feito, sentindo-se abraçado, acolhido por aquele espírito grandioso, mais parecia um menino diante do pai amado, destarte, respondeu assim, sem esconder sua amargura:

 Havia nutrido grande esperança em participar de evento que lhe haviam prometido participar, contudo acabou sendo preterido e substituído por outra pessoa, sem aviso prévio, sem qualquer notificação por parte daqueles que lhe fizeram a enganosa promessa.

– Lembrou-se de utilizar na confrontação com o tal acontecimento o kanon de conduta? Dependia de você ser convidado?

 Interpelou o velhinho cuja barba longa e embranquecida combinava com o azul de sua túnica. A resposta seguiu-se prontamente:

– O incomodo surgiu-me do pacto feito e não cumprido. Eu tenho consciência de que não dependia de mim ser convidado, como asseveram os dogmas fundamentais de nossa escola, contudo o problema foi a falta de palavra, de honra.

O mestre lançando um olhar compassivo para aquele homem que se fez menino, apequenando-se diante dos acontecimentos que por imaturidade alterara-lhe a disposição interior, perguntou-lhe, ainda mais uma vez:

– Mas, o não cumprimento do compromisso partiu de você?  Quem faltou com a palavra não foram eles?  Ora, por conseguinte, a ocorrência não teve nada a ver com você. Haja vista que nós não temos o poder de “faltar com a palavra dos outros”

– Sim mestre, mas eu queria …

– Por isso a sabedoria reside em reconhecer que o sofrimento está em querer e não vir-a-ser. Refletiu em voz alta o mestre citando o conceito de paixão em Epicteto.

– Eu sei disso mestre, mas assim mesmo me dói.

– Então, torno a lhe perguntar: foi você que descumpriu o juramento feito? 

– Não mestre, definitivamente não.

– Creio, pelo que vejo, termos aqui um problema de ego ferido. Talvez haja considerado sua presença como insubstituível, devido a importância que pensava possuir e que desmerecidamente atribuiu a si mesmo. Nesse caso o remédio é este: treinar humildade e silêncio toda vez que o desprestígio ou a preterição apareçam em sua área.

Ainda assim, contra-argumentou a criança com a alma dorida:

– “Treinar humildade me parece coisa muito vaga, o que fazer para “treinar humildade”?

Nesse momento aquele homem calmo e confiante, simples e pleno de amorosidade, retirou do manancial de si mesmo estas palavras:

– Multiplique as perguntas, em silêncio contigo mesmo, utilizando total sinceridade para consigo sobre sua real importância, e somente isso bastará para que perceba o tamanho de seu ego inflado.

Falando isso o mestre se retirou devagar, deixando seu menino mergulhado em pensamentos a refletir.

Tarquínio