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A Vida Além da Morte

A Vida Além da Morte

Foi a primeira vez, durante toda a experiência, que lhe veio a idéia de
morte. “Eu não tive medo, mas o amor por meus filhos me puxou imediatamente de
volta. Senti como se levasse uma pancada na cabeça. Abri os olhos e me vi outra
vez em meu corpo, na UTI. A partir daí, minha pressão subiu e eu pude ser
operada.” Como já aconteceu com muitas outras pessoas, essa experiência trouxe
para R. L. mudanças de vida radicais. “A principal foi que eu voltei a acreditar
em Deus.” Desde a adolescência, a psicanalista havia comprado a idéia de que
Deus é uma invenção humana, destinada a compensar nossas fraquezas, medos e
limitações. Depois de passar pelo que passou, ela compreendeu que há muito mais
coisas entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia. “A segunda
mudança importante foi em relação aos valores. Entendi que a gente está aqui
para aprender, para evoluir, para se tornar uma pessoa melhor.”

Maria Stella Santos Graciani, 49 anos, passou por experiência semelhante em
março de 1986. Pedagoga e cientista social, ela é atualmente vice-diretora do
Centro de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Há 12 anos,
viveu um grave episódio de arritmia cardíaca, que provocou sua morte clínica. Na
UTI, percebeu-se saindo do corpo. “Fui levada para dentro de uma turbulência
circular.”

Paz indescritível

Era um túnel bastante escuro, no qual ingressou em alta velocidade. “De lá
fui arremessada para um lugar intensamente iluminado. Não havia nenhuma
paisagem, nenhum cenário, só uma luz transcendental. Senti uma paz e uma
tranquilidade indescritíveis. E, quando estava imersa naquela sensação, vi duas
figuras se aproximando. Eram duas figuras de luz. Eu não conseguia distinguir
perfeitamente suas feições, mas percebi que um tinha barba e o outro usava um
chapeuzinho na cabeça.”

Maria Stella está convencida de que as aparições eram Jesus e São João Bosco,
um padre e educador italiano do século passado que foi canonizado pela Igreja
Católica. Com uma vida inteira dedicada aos pobres e marginalizados e às
crianças abandonadas, Dom Bosco sempre foi o modelo que inspirou Maria Stella.
“Todo o meu trabalho como educadora se baseia em seu exemplo. Ao vê-lo em
companhia de Cristo naquele mar de luz, senti um desejo imenso de encontrá-los.
Mas, quando estava quase chegando, eles fizeram um sinal para eu voltar. E,
nesse mesmo momento, comecei a recapitular minha vida anterior e lembrei-me de
minhas duas filhas, Graziela e Juliana. Retornei, então, pelo mesmo turbilhão.
Revi meu corpo na UTI e os médicos fazendo um esforço desesperado para
reanimá-lo. Senti um tranco e ouvi um dos médicos dizer: ela está viva.”

Como aconteceu com R. L., Maria Stella foi profundamente afetada pela
experiência. “Voltei à vida com uma força incrível: estou muito mais criativa,
realizo várias atividades ao mesmo tempo, quase nunca me canso e consigo me
lembrar das coisas nos mínimos detalhes. Também aumentou muito o meu amor pela
humanidade, o meu compromisso com os pobres e marginalizados. Passei a dedicar
minha vida às crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social:
crianças aidéticas, prostituídas, analfabetas, excluídas da sociedade. A elas,
todo o dia, eu desejo um bom dia. E, ao fazer isso, sinto-me em estado de
graça.”

O que mais impressiona nas experiências próximas da morte é a semelhança dos
relatos. Embora não haja uma só narrativa que seja rigorosamente igual a outra,
a grande maioria segue um roteiro básico, cuja incidência desafia qualquer
tentativa de qualificar essas vivências como meras alucinações.

Mestres e profetas

Da parada cardíaca ao final da reanimação, tal roteiro obedece, em linhas
gerais, a dez etapas bem delimitadas:

  1. A pessoa sente-se desprender do corpo e, nesse momento, cessa todo o
    desconforto, a dor e a aflição que a acompanhavam;
  2. Uma forma semelhante ao corpo, porém mais sutil, passa a flutuar alguns
    metros acima do chão. A consciência individual da pessoa mantém-se ligada a
    essa forma e, do alto, observa o corpo inerte lá embaixo.
  3. A consciência registra todas as imagens e sons do ambiente. Caso se trate
    de uma UTI, ela pode ver e ouvir o funcionamento dos aparelhos e o esforço da
    equipe médica envolvida na reanimação do corpo;
  4. Num dado momento, a consciência desinteressa-se por essas informações e,
    mudando o seu ângulo de visão, percebe a existência de um vórtice ou túnel,
    que a atrai com uma força irresistível;
  5. A forma-consciência penetra no túnel e desloca-se através dele numa
    velocidade estonteante. Um forte zumbido, difícil de qualificar, acompanha o
    deslocamento;
  6. Enquanto se desloca, a pessoa recapitula criticamente sua vida. As
    memórias que emergem dificilmente seriam consideradas importantes num estado
    ordinário de consciência. Revelam-se, no entanto, altamente significativas, no
    contexto da avaliação. A experiência inteira não obedece aos padrões usuais de
    espaço e tempo. Toda uma existência pode ser rememorada em poucos segundos;
  7. No final do túnel, a consciência percebe uma luz, cujo esplendor não tem
    paralelo com nenhum fenômeno luminoso do mundo material. Essa luz lhe
    transmite uma extraordinária sensação de paz, plenitude e felicidade. Ela quer
    ingressar na luz e de forma alguma deseja regressar ao corpo físico;
  8. A súbita emergência de uma memória específica interrompe o processo. A
    pessoa se lembra de entes queridos ou de alguma outra questão pendente em sua
    vida;
  9. Ela sente, então, uma forte pancada. E a forma-consciência se reacopla ao
    corpo físico;
  10. O quadro clínico da pessoa sofre uma súbita e inexplicável melhora.

Esse roteiro básico pode ser enriquecido pela descrição de cenários
deslumbrantes, como o jardim visto por R. L. na outra extremidade do túnel. Por
comunicações com parentes e amigos falecidos. Ou pelo encontro com seres de luz,
que transmitem à pessoa um sentimento de amor incondicional.

Em determinados relatos, esses seres são descritos como anjos ou guias. Em
outros, são associados às figuras de santos, profetas, grandes mestres
espirituais ou avatares (manifestações divinas). No caso dos anjos ou guias,
algumas pessoas afirmam que os viram antes mesmo de sair do corpo físico, ou
pouco depois de fazê-lo, e que foram conduzidas por eles ao longo de toda a
experiência. Já as outras manifestações ocorreriam principalmente depois da
travessia do túnel.

Longe do planeta

No campo da psicologia, tais idéias não deveriam provocar grandes surpresas,
pois um dos papas da área, o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961),
vivenciou fantástica experiência visionária após sofrer um enfarte cardíaco. Em
estado de coma, ele viu-se fora do corpo e do próprio planeta. “Parecia-me estar
muito longe, no espaço cósmico”, relatou anos depois.

“Abaixo de mim, eu via o globo terrestre, banhado por uma maravilhosa luz
azul. Justamente sob os meus pés estava o Ceilão (Sri Lanka) e, na minha frente,
estendia-se o subcontinente indiano.” Mais tarde, Jung informou-se a que
distância da Terra deveria estar para visualizar tal amplidão: cerca de 1.500
quilômetros. Numa época em que os aviões não ultrapassavam a altitude de 10
quilômetros, essa visão era inimaginável. Ela só se tornaria acessível à
humanidade no início dos anos 60, com os primeiros vôos espaciais tripulados.
Após um momento de contemplação, o psiquiatra virou-se. Algo de novo surgiu em
seu campo visual. “A uma pequena distância, percebi no espaço um enorme bloco de
pedra, escuro como um meteorito, quase do tamanho de minha casa.”

Um templo no espaço

Escavado na rocha do meteorito, havia um templo semelhante a muitos que
existem na Índia. “Uma entrada dava acesso a um pequeno vestíbulo. À direita,
sobre um banco de pedra, estava sentado, na posição de lótus, completamente
distendido e repousado, um indiano de pele bronzeada, vestido de branco.
Esperava-me sem dizer uma palavra. À esquerda, abria-se o portal do templo.
Vários nichos, cheios de óleo de coco, em que ardiam mechas, cercavam a porta
com uma coroa de pequenas chamas claras.” Enquanto chegava perto do meteorito, o
psiquiatra sentiu que tudo o que ele tinha sido até então se afastava dele ou
lhe era arrancado. Ao mesmo tempo, tinha certeza de estar se aproximando do
lugar onde iria encontrar o grupo de seres humanos ao qual realmente pertencia e
onde seriam respondidas as grandes perguntas pendentes de sua vida. Enquanto
pensava nessas coisas, um fato atraiu sua atenção: lá de baixo, da Europa,
ergueu-se uma forma. Era seu médico, ou melhor, a forma dele, circundada por uma
corrente de ouro. “Quando ele chegou diante de mim, pairando como uma imagem
nascida das profundezas, produziu-se entre nós uma silenciosa transmissão de
pensamentos.”

Seu médico fora delegado pela Terra para trazer-lhe uma mensagem: ele devia
retornar. “No momento em que percebi essa mensagem, a visão desapareceu.” Jung
saiu do coma e, em três semanas, recuperou-se totalmente. Mas essa experiência
marcou-o para sempre: entre outras lições, ficou a certeza de que tudo o que
valorizamos como sendo a vida é apenas um pequeno fragmento da existência.

Visões tão poderosas como esta explicam por que as experiências próximas da
morte ganharam as páginas de um sem-número de livros e inspiraram filmes de
tanto sucesso, como Ghost e Linha Mortal. Porém, entre os milhares de casos
registrados, é difícil encontrar alguém que tenha vivenciado mais de uma vez
esse tipo de situação. Foi o que ocorreu com a psicóloga brasileira Ita Perla
Wilde de Moraes, 41 anos. Com saúde frágil, ela passou por uma experiência
próxima da morte em 1986, quando entrou em estado de coma durante a retirada de
um cálculo renal e viu intensos focos de luz sobrenatural.

Encontro com Cristo

Em junho deste ano, Ita voltou a colocar os pés na estrada que leva ao “lado
de lá”. Um quadro de bronquite aguda fez sua pressão arterial subir a 23 por 18
e, desta vez, ela chegou a atravessar o túnel. Foi parar num espaço feericamente
iluminado, onde uma voz masculina, ao mesmo tempo austera e suave,
transmitiu-lhe uma mensagem pessoal precisa. “A partir daí, comecei a escutar,
muito ao longe, a voz da minha irmã, me chamando. Ouvi também uma enfermeira
dizer que a minha pressão estava cedendo.”Dois dias depois, Ita teve alta.

Porém sua mais notável experiência visionária ocorreu entre esses dois
episódios, logo após uma delicada cirurgia, que durou 12 horas. Ao ser retirada
da sala de operação, Ita viu-se cercada por anjos. “Eles eram muitos, estavam
envolvidos por uma espécie de névoa e sorriam. Aí aconteceu um fato engraçado.
Minha mãe estava ao lado e, quando me ouviu falar em anjos, achou que eu me
referia ao enfermeiro que empurrava a maca. Agradecida, ela entregou a ele todo
o dinheiro que tinha na bolsa.”

Alguns médicos não pensariam duas vezes antes de rotular um caso desses como
alucinação, provocada pela overdose de anestésicos tomados durante a cirurgia.
Esta é a interpretação-padrão e não resta dúvida de que realmente dá conta de
vários episódios. Mas, como enfatiza o neurologista Roger Walz, pesquisador do
Centro de Memória da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tal explicação
de forma alguma esgota o assunto. “Devido à interrupção momentânea da irrigação
sanguínea, associada ao uso de remédios durante as manobras de ressuscitação,
podemos supor que a retomada das funções cerebrais seja acompanhada de
distorções sensoriais”, afirma o neurologista. “Isso explicaria fenômenos mais
simples, como a visão de luzes e a audição de sons inarticulados, ou até mesmo
certas alucinações. Porém, fenômenos mais complexos e cujos relatos se repetem,
como por exemplo ver o corpo do lado de fora, continuam sem explicação do ponto
de vista neurológico. Não creio que sejam sonhos, pois seria difícil o cérebro
dedicar-se a uma função tão sofisticada num momento em que está entrando em
colapso.”

Foi uma vivência descrita como encontro com Cristo que inspirou o médico
americano Raymond Moody a iniciar a mais célebre pesquisa das experiências
próximas da morte, relatada no livro Life After Life (Vida Depois da Vida). O
caso foi contado a Moody pelo psiquiatra Georges Ritchie, que, em 1943, quando
ainda era um jovem soldado, sofreu uma severa pneumonia, teve picos de febre
altíssimos e entrou em estado de coma. Horas depois de ter mergulhado na
inconsciência, Ritchie acordou, levantou da cama e começou a percorrer os
corredores do hospital. Mas descobriu que ninguém parecia ouvi-lo ou enxergá-lo.
E mais: as pessoas atravessavam o que ele julgava ser o seu corpo sem a menor
dificuldade. Espantado, ele voltou ao quarto e percebeu seu verdadeiro corpo
estendido sobre o leito.

Amor incondicional

Nesse instante, uma luz extraordinária entrou em seu campo visual. Pouco a
pouco, ele começou a divisar, nessa luminosidade, uma forma humana. E, quando
sua consciência assimilou a percepção, Ritchie ouviu, dentro de si mesmo, uma
ordem inquestionável: “Fique de pé, pois você está na presença do Filho de Deus”
. Anos mais tarde, ele disse a Moody que aquele não era o Jesus de seus livros
de catecismo. “O Jesus desses livros era gentil, amável, compreensivo e talvez
um pouco fraco. Aquele personagem era o próprio poder, mais idoso que o tempo e
no entanto mais moderno que qualquer pessoa. O que emanava dessa presença era um
amor incondicional.”

Na frente dessa figura impressionante, o rapaz viu desfilar toda sua vida. E
ficou muito embaraçado ao se deparar com as experiências sexuais da puberdade.
Mas aquilo não pareceu chocar nem um pouco o seu interlocutor. Este
perguntou-lhe então: “O que você fez em sua vida que possa me mostrar”. Sem
conseguir encontrar nada que valesse a pena, Ritchie argumentou que não tinha o
que mostrar porque ainda era muito jovem para morrer. Ao que o personagem
replicou: “Ninguém é jovem demais para morrer, porque se trata apenas da
passagem de uma realidade a outra”. E levou-o para conhecer cinco dessas outras
realidades. Depois de visitar mundos que jamais sonhou existir, Ritchie
mergulhou outra vez na inconsciência. Enquanto isso, os médicos o davam como
clinicamente morto. Inconformado, um médico residente resolveu fazer uma última
tentativa e enfiou uma agulha hipodérmica no coração do soldado. O músculo
voltou a bater.

Pesquisas médicas

O livro de Moody foi publicado pela primeira vez em 1975, com uma tiragem
modesta de 2 mil exemplares. Para surpresa do pesquisador e de seus editores, já
foram vendidos mais de 14 milhões de volumes, em dezenas de idiomas diferentes.
Sua investigação pioneira foi amplamente confirmada pelas criteriosas pesquisas
de outros cientistas, como os cardiologistas americanos Maurice Rawlings e
Michael Sabom. O curioso é que esses dois médicos não tinham até então qualquer
interesse por temas espirituais

e consideravam as descrições das NDE um mero sensacionalismo da imprensa.
Porém, foram obrigados a rever tal ponto de vista ao se depararem com casos
vivenciados por seus próprios pacientes.

Mas a prova mais conclusiva da veracidade das experiências próximas da morte
foi fornecida pela pesquisa do pediatra americano Melvin Morse. Liderando uma
equipe composta por um anestesista, um neurologista e um psiquiatra, Morse
verificou que, depois de terem passado por episódios de morte clínica, também
crianças, de diferentes idades, condições sociais e credos religiosos,
descreviam vivências que seguiam o roteiro clássico das NDE. A investigação foi
provocada por uma ocorrência excepcional, atendida por Morse. Trata-se do caso
de Krystel Merzlock, na época uma menina de 7 anos de idade. Após um afogamento,
a garota teve parada cardíaca e permaneceu em condição de morte clínica durante
nada menos de 19 minutos.

Segundo acredita a medicina, caso o coração fique três minutos sem bater, o
processo de morte torna-se irreversível, porque as células cerebrais começam a
ser destruídas por falta de oxigenação. Mesmo que o coração volte a funcionar, o
cérebro sofre lesões irreparáveis. Pois bem, a despeito de todas as crenças
oficiais em contrário, a pequena Krystel voltou à vida. E, o que é ainda mais
extraordinário: sem qualquer seqüela neurológica.

LSD e respiração

Quando a interrogou, dias mais tarde, Morse descobriu que Krystel tinha
perfeita consciência dos procedimentos utilizados durante a reanimação. Mas as
surpresas do médico estavam só começando. Seu sistema de crenças seria ainda
mais radicalmente posto à prova, quando Krystel lhe contou que fora levada por
seu “anjo da guarda” à presença do “Pai Celeste”. Este teria perguntado se ela
queria ficar com Ele ou regressar para os pais. Num primeiro momento, a menina
decidiu ficar, mas, depois de ter a visão de seus irmãos brincando, resolveu
voltar para casa.

Morse pôs-se a pesquisar as NDE infantis. Porém, apesar do insólito relato de
Krystel, suas convicções cientificistas falaram mais alto e ele adotou a
hipótese de que as percepções que acompanhavam essas ocorrências eram simples
alucinações provocadas pelo coquetel de medicamentos ministrado aos pacientes e
pelas substâncias que o próprio organismo libera na iminência da morte. A
intenção de Morse e sua equipe era provar, cientificamente, que Raymond Moody
estava errado. A pesquisa, porém, demonstrou exatamente o contrário. Depois de
tabular e analisar 200 entrevistas, Morse concluiu que as experiências não
poderiam, de forma alguma, ser reduzidas a meros episódios alucinatórios.

Enquanto os médicos abordavam o assunto por um lado, a psicologia se
aproximava dele pelo outro. E, nesse campo, nenhuma contribuição se iguala à do
psiquiatra tcheco Stanislav Grof. Durante 40 anos e trabalhando com dezenas de
milhares de voluntários, ele realizou uma revolucionária pesquisa da mente. Num
primeiro momento, recorreu a altas doses de ácido lisérgico (LSD) para provocar
estados inusuais de consciência nas pessoas pesquisadas. Mais tarde, substituiu
a droga por um método não químico, conhecido como respiração holotrópica. Neste,
os participantes respiram de forma específica, enquanto ouvem músicas de alto
poder evocativo e são submetidos, eventualmente, a certas intervenções corporais
localizadas.

Após registrar e analisar meticulosamente os relatos de milhares de
indivíduos, o psiquiatra convenceu-se de que nem o LSD nem a respiração
holotrópica produziam alucinações. Eles atuavam, isto sim, como amplificadores
da atividade psíquica, permitindo que conteúdos inconscientes se tornassem
explícitos. E, entre esses conteúdos, estavam os cenários e roteiros descritos
nas experiências próximas da morte. Em outras palavras, nos trabalhos
coordenados por Grof e seus seguidores, muitas pessoas, plenamente vivas,
tiveram as mesmas visões e sensações que caracterizam as NDE. E, o que é mais
interessante: essas visões e sensações coincidiam, muitas vezes nos mínimos
detalhes, com narrativas sobre o “além” sustentadas por diferentes tradições
espirituais, mas que eram antes totalmente ignoradas pelas pessoas envolvidas no
experimento.

O sapato estava lá

Apesquisa de Grof reforçou a idéia de que as experiências visionárias
próximas da morte não eram fantasias alucinatórias, mas expressavam algum tipo
de contato com outros níveis da realidade. Esses mesmos domínios podiam ser
visitados por pessoas vivas e saudáveis, em estados ampliados de consciência.

A pressa com que alguns cientistas descartam as experiências próximas da
morte tem mais a ver com a defesa intransigente de um sistema de crenças do que
com uma atitude realmente científica. Para esse tipo de mente positivista, que
só acredita no que os olhos vêem, certos relatos apresentam talvez um desafio
insuperável. É o caso deste episódio, levantado por Raymond Moody. Uma paciente,
de nome Maria, é declarada morta. Após a reanimação, seu coração volta a bater.
Ela recobra a condição de falar e conversa com Kim, a médica que a atendeu.
Diz-lhe, então, que, durante a saída do corpo, sua forma-consciência flutuou
pelo hospital e encontrou um sapato velho no batente da janela de um andar mais
alto. Muitos especialistas simplesmente encarariam Maria com um sorriso
incrédulo, pensando consigo mesmos: “Pobrezinha, alucinou”. Kim, porém, resolveu
conferir. O sapato estava lá.

O teólogo

Leonardo Boff

A morte não é um fenômeno pontual. É um processo. Se as pessoas voltam é
porque esse processo não se concluiu. Mesmo assim, há o desprendimento parcial,
com enorme alargamento da consciência e o encontro com um mundo que já pertence
ao divino. A morte em nossa cultura constitui um trauma terrível, porque é
sempre entendida como negação da vida. Porém, nessas experiências, o que se vê é
a ampliação da vida, o acesso a uma dimensão da qual as pessoas só retornam com
muita relutância. Na própria morte dá-se a ressurreição. Não como devolução à
vida. Mas como realização plena das virtualidades do ser humano.

Leonardo Boff é teólogo católico e escritor. É autor, entre outros livros, de
Vida para Além da Morte

O rabino

Nilton Bonder

Trabalhei em hospitais, com doentes terminais, nos Estados Unidos. E
presenciei várias situações dessas. O que mais impressiona é a euforia com que
as pessoas relatam suas experiências. Eu acho que, nessas ocasiões, elas
realmente fazem contato com a verdadeira natureza humana, com a fonte da
existência. Mas não têm, necessariamente, uma visão objetiva. Porque há também
um aspecto onírico, alucinatório, causado pela intoxicação do corpo. Para o
judaísmo, a morte é um longo processo, que dura 11 meses. Segundo a mística
judaica, a alma possui sete camadas e a morte só se completa quando a mais sutil
delas finalmente se desprende do mundo físico.

Nilton Bonder é rabino da Congregação Judaica do Brasil e escritor. É autor,
entre outros livros, de A Alma Imoral

O budista

Ricardo Gonçalves

No budismo, existe uma tradição, segundo a qual, se a pessoa estiver
preparada, um ser de luz, o Buda Amida, se manifesta a ela na hora da morte,
para conduzi-la ao paraíso, a Terra Pura. Tanto o Buda Amida quanto a Terra Pura
devem ser entendidos como metafóras, pois, no budismo, nada tem existência
objetiva. Tudo é metáfora. O Buda Amida representa a plenitude da sabedoria e da
compaixão e a Terra Pura é uma representação do Nirvana. A crença na
manifestação do Buda inspirou toda uma literatura sobre a arte do bem morrer. As
principais técnicas preconizadas por essas obras são a visualização da Terra
Pura e a recitação do nome de Amida.

Ricardo Gonçalves é monge budista da Verdadeira Escola da Terra Pura e
historiador. É autor, entre outros livros, de Textos Budistas e Zen-budistas.

O espírita

A. C. Perri de Carvalho

Nas experiências próximas da morte, o espírito ganha uma emancipação
parcial, semelhante à que ocorre em certos sonhos. Os relatos sobre a travessia
do túnel coincidem inteiramente com o que dizem os espíritos psicografados pelo
médium brasileiro Francisco Xavier. A visão da luz sobrenatural não significa
que o espírito esteja entrando em contato com Deus ou com seres altamente
iluminados. Ela apenas assinala seu ingresso num outro domínio da existência, a
dimensão incorpórea. Os cenários vistos nesse domínio concordam inteiramente com
as descrições do mundo espiritual fornecidas pelo visionário sueco Emanuel
Swedenborg (1688-1772).

Antonio Cesar Perri de Carvalho é presidente da União das Sociedades
Espíritas do Estado de São Paulo e professor. É autor de Entre a Matéria e o
Espírito.

Anote Para ler

Vida Depois da Vida, de Raymond Moody, Ed. Nórdica

Relatos Sobre a Existência dos Anjos da Guarda, de Pierre Jovanovic, Ed.
Anagrama

Em vídeo: Vida Após a Morte, Distribuidora NCA Forever, (011) 966-6135