Tamanho
do Texto

Aborto e Aborticídio

Para se falar de aborto há de se falar em início de vida e em cessação de
vida. Assuntos polêmicos, aliás, bastante polêmico, onde existem interesses
diversos em afirmar, em determinar tardiamente o momento exato em que se pode
dizer que há vida intra-uterina ou até quando acontece a morte real. Isto se
deve aos anseios em poder justificar o aborto ou morte do concepto, antes de um
determinado tempo de gestação. Teoria simplória defendida por diversos juristas
e publicada por Iêdo Batista Neves em seu Compêndio de Prática Jurídica.
Relativamente a determinação da cessação da vida o interesse é o transplante, a
necessidade de afirmação de que houve a interrupção clínica da vida enquanto os
órgãos, ou alguns deles, ainda funcionam, tendo-se diversas formas e aparelhos
que podem bem determinar este momento de morte real.

A teoria simplória de que a vida inicia após a sexta semana de gestação é
bastante conveniente para deixar de fora do aspecto criminoso ou as agressões às
leis morais, o aborticídio, terminologia que determina a morte violenta do feto,
com sua expulsão ou não. Desta forma a “eliminação” do ovo, ou do embrião até a
sexta semana não seria considerado crime. Conjecturar, argumentar que para a
gestante há menor risco de vida ou infecção até a sexta ou oitava semana de vida
do embrião, aí concordo. Mas negar-se a existência de vida no embrião até este
tempo para justificar a atitude delituosa de crime contra a vida, da eliminação
da vida mesmo que ainda em estado embrionário, ah! isso não. A vida começa com a
concepção, quando o óvulo é fecundado pelo espermatozóide. É lançada ai a
centelha de vida, o início da continuação, o renascimento da alma. As células já
passam a se reproduzir. O ser seguirá sua trajetória até o nascimento e o início
da vida civil.

O aborto, ou a meu ver mais precisamente, o aborticídio, é a interrupção
intencional e violenta da gravidez, com ou sem a expulsão do feto. Digo que
considero a expressão aborticídio mais adequada em razão de que nem todo aborto
é atentado contra a vida e a moral pois nem sempre ele é provocado, violento ou
criminoso.

Grandes vultos do pensamento humano, nas mais diversas áreas, como a
religiosa, filosófica e as ciências, travam polêmica sobre a existência ou não
da alma. Os materialistas dizem que a matéria é o elemento único de composição
do homem. Os espiritualistas para quem além de um corpo físico a pessoa humana é
dotada de algo mais, algo imponderável que se pode resumir como a própria
essência da vida, sede de inteligência e dos sentidos, que se chama “alma” ou
“espírito”.

Parece que isto não vem ao caso do abortamento. Pode até a primeira vista
nada ter uma coisa com a outra mas, na realidade, essa polêmica tem muito a ver
com o tema. Os materialistas acreditam que a mulher, “proprietária” do seu
próprio corpo, deve fazer dele o que bem entender. Pode extirpar um feto como se
fora um apêndice, um intruso ao seu organismo. Já os espíritas e espiritualistas
não admitem a prática do aborto, e os fanáticos não admitem nem mesmo o
necessário ou terapêutico. De um modo geral as doutrinas religiosas como um
todo, consideram o aborto uma conduta socialmente inadequada, sendo tratado, por
algumas vezes, até com rigor exagerado. Na Igreja Católica e na Doutrina
Espírita as posições são bem claras e definidas. Heleno C. Fragoso, em Lições de
Direito Penal, argumenta que se deve à Igreja o entendimento de que o aborto é a
morte de um ser humano, ainda que o direito canônico distinguisse entre o feto
animado e o inanimado. Aristóteles afirmava que o feto passava a ter alma apenas
após os 40 dias, se homem, e 80 dias , se mulher, tendo tido a discordância de
São Basílio. São Jerônimo e Santo Agostinho mantiveram a distinção, assim como o
Decretum de Graciliano e as Decretais do Papa Gregório IX. O Papa Gregório XIX
estipulou penas idênticas ao aborto e ao homicídio. Com o Papa Pio IX a igreja
católica aboliu a distinção entre feto animado e inanimado.

A Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII e a Humanae Vitae do Papa
Paulo VI, condenam expressamente o aborto em caso de estupro sustentando a tese
de que ” não pode recair sobre o nascituro inocente as conseqüências de crime
praticado por outrem”.

A doutrina espírita mostra que o homem não é um corpo que tem alma mas
contrariamente a isto é um espírito imortal, usando ocasionalmente um corpo para
a sua evolução, o seu aprimoramento. A ciência, se apoiada nestes princípios,
não olvidará esforços para salvar a todo custo a vida intra-uterina, incluindo
os cuidados extremos com gestantes e mais ainda nos casos de malformação do feto
ou risco para a mãe.

Quais as conseqüências espirituais do aborto? Elas existem?

O livro dos Espíritos, de Allan Kardec, questiona na pergunta número 357:
“Que conseqüências tem para o espírito o aborto? “A resposta simples e precisa
diz que “é uma existência nulificada e que ele terá que reencarnar.” Respondendo
ainda as perguntas quanto ao aborto e a cerca da provocação do aborto e se este
é crime em qualquer estágio da gestação, ele responde : “Há crime sempre que
transgredida a lei de Deus. A mãe , ou qualquer pessoa cometerá sempre um crime
ao tirar a vida a uma criança antes de seu nascimento, porque isso é impedir a
alma de passar pelas provas de que o corpo devia ser o instrumento”. Note-se bem
que aqui a transgressão, o crime, não é o da Lei humana e sim da Lei de Deus.
Quando infringimos pois a Lei de Deus, Kardec diz que “O arrependimento,
conquanto que seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são
precisas a expiação e a reparação.” Podemos concluir que para o espiritismo
precisamos de três elementos a fim de apagar os traços de uma falta e suas
conseqüências. O arrependimento suaviza os traços da expiação, abrindo pela
esperança o caminho da reabilitação mas, só a reparação pode anular o efeito,
destruindo-lhe a causa. No espiritismo temos um misto de ciência da observação e
uma doutrina filosófica. Como doutrina prática estabelece relações entre nós e
os espíritos e como doutrina filosófica, compreende as conseqüências morais que
foram ocasionadas por estas mesmas relações.

Para a Doutrina codificada por Kardec, pode-se dizer desde que se reconhece a
transgressão às leis divinas pode-se iniciar o processo de reparação do mal
produzido. A mulher que se reconhece com dívidas de aborto provocado,
antecipando-se desde agora na melhor moral, procura renovar o destino cumprindo
a máxima : “Quem ontem abandonou os próprios filhos pode hoje afeiçoar-se aos
filhos alheios, necessitados de carinho e abnegação”.

O tema é complexo e bastante discutível. A legislação de todos os povos e em
todos os tempos tem protegido o direito a vida, o direito de nascer e viver,
configurando como ilícito penal a interrupção da gravidez , qualquer que seja o
estágio de desenvolvimento da gestação.

A prática do aborto, proibida pelas leis morais e religiosas, tem atravessado
as idades e em nossos dias apesar das exceções legais (aborto terapêutico, para
salvar a vida da mãe, e o aborto moral, aquele resultante de estupro), é
considerado crime. O bem tutelado é a vida do nascituro. O direito é o de
nascer, de viver e de seguir os desígnios que se lhe são impostos por Deus.

De tempos em tempos há novas tentativas de legalizar o aborto mas a idéia é
“abortada” em razão de indecisões e angústias. É a moral falando mais algo.

(Publicado no Boletim GEAE Número 304 de 04 de agosto de 1998)