Sir Arthur Conan Doyle relatou um episódio da pesquisa de Crookes onde
estavam presentes sua esposa e uma parente:
“Eu segurava ambas as mãos da médium numa das minhas enquanto seus pés
estavam sobre os meus. Havia papel sobre a mesa em nossa frente e eu tinha um
lápis na mão livre.
Uma luminosa mão desceu do alto da sala e, depois de oscilar perto de mim
durante alguns segundos, tomou o lápis de minha mão e escreveu rapidamente
numa folha de papel, largou o lápis e ergueu-se sobre as nossas cabeças,
dissolvendo-se gradativamente na escuridão” (DOYLE, 1926. p. 101)
O Prof. Russo, Dr. Butlerof, da Universidade de São Petersburgo, teve seu
relato transcrito no trabalho de Conan Doyle.
“De tudo quanto me foi possível observar em presença de Mrs Jencken, sou
levado à conclusão de que os fenômenos peculiares a esse médium são de
natureza fortemente objetiva e convincente e que, penso, seriam suficientes
para levar o mais pronunciado céptico, desde que honesto, a rejeitar a
ventriloquia, a ação muscular e semelhantes explicações dos fenômenos.”
(DOYLE, 1926. p. 103)
Seguem-se outros relatos e poderíamos ainda transcrever mais citações de
outros livros, mas estas são suficientes para afirmar-se que as Fox foram
estudadas por cientistas, em ambientes controlados e apresentaram resultados
satisfatórios, não apenas de “raps”, como de outros fenômenos de efeitos
físicos. Aqui temos um capítulo de suas vidas que não pode ser atribuído à
imaginação dos espíritas norte-americanos e que se acha bem documentada, ainda
nos dias de hoje. Vemos também que as hipóteses de ação muscular eram conhecidas
e controladas pelos cientistas que as estudaram, da mesma forma que o foram
pelas comissões do Corinthians Hall.
Por que insistimos tanto em dizer que cientistas estudaram a mediunidade de
Kate Fox? Um dos argumentos mais empregados por aqueles que querem desmerecer
uma fonte histórica, repousa na idealização e na mitificação que geralmente
acompanha movimentos sociais e culturais onde as opiniões se polarizam e o
componente emocional se torna muito influente. No calor das discussões do
Corinthians Hall, por exemplo, suas testemunhas poderiam se ater a eventos
isolados ou contar a sua versão, profundamente marcada pela simpatia com as
idéias espiritualistas. Embora este fenômeno seja um fenômeno humano, o
cientista foi treinado a tentar ser o mais descritivo possível, a evitar suas
simpatias e ater-se aos fatos para construir e reconstruir suas teorias. Ele
depende profundamente de sua reputação no meio acadêmico para que suas
comunicações tenham credibilidade. Todos sabemos que no século passado o clima
vigente nas academias era de uma compreensão empírica das ciências,
especialmente das ciências naturais. Ademais, os pesquisadores em questão
apresentam sua metodologia de trabalho e os seus cuidados para evitar a
ocorrência das principais hipóteses alternativas como a fraude e as ocorrências
naturais.
Passamos agora à declaração de Margareth Fox, seus motivos e sua retratação.
Por que Margareth Fox afirmou que fraudava?
Margareth Fox-Kane deu uma declaração em setembro de 1888 ao jornal New York
Herald denunciando o culto espiritualista, mas preservando a idéia de que os
raps “eram a única parte dos fenômenos digna de registro”. (DOYLE, 1926. p. 105)
Alguns escritores como INARDI (1979) destacaram suas palavras mais duras e de
efeito:
“Encontro-me aqui, nesta noite, na qualidade de uma das fundadoras do
Espiritismo, para denunciá-lo como fraude absoluta do princípio ao fim, como a
mais doentia das superstições e a mais maligna heresia que o mundo já
conheceu…” (Margareth Fox-Kane apud INARDI, 1979. p. 89)
Ao contrário do que afirma nossa jornalista brasileira, Kate Fox ficou
aborrecida com as declarações da irmã. Observe o leitor a correspondência que
ela escreveu à senhora Cottel em novembro do mesmo ano:
“Eu lhe deveria ter escrito antes, mas minha surpresa foi tão grande, ao
chegar e saber das declarações de Maggie sobre o Espiritismo, que não tive
ânimo de escrever a ninguém. (…)
Agora penso que podia fazer dinheiro, provando que as batidas não são
produzidas pelos dedos dos pés. Tanta gente me procura por causa da declaração
de Maggie que me recuso a recebe-los.” (DOYLE, 1926. p. 107)
Doyle apresenta três razões para a conduta de Margareth Fox-Kane. A primeira
razão envolve uma discussão entre Kate e Leah em decorrência ao alcoolismo da
primeira. Kate e Margareth se tornaram alcoólatras e Leah fez pressões para que
parassem de beber, chegando a ameaçar Kate com a perda da guarda dos filhos. Ao
que parece, ela chegou a ser presa por algum tempo em decorrência de uma
denúncia da irmã mais velha, que teria alegado maus tratos para com os filhos.
(DOYLE, 1926. p. 106) Margareth se indispôs contra Leah em defesa da irmã,
ofendendo-lhe em sua crença no espiritualismo. RINN (1954) transcreveu algumas
declarações que ela lhe deu sobre o desentendimento com a irmã. Deixo ao leitor
a tradução de um deles, que nos esclarece sobre o seu estado de perturbação
interior:
“Outra irmã minha, Leah, maldita seja, me fez aceitar isto. Ela é minha
maldita inimiga. Eu a odeio. Meu Deus! Eu a envenenaria! Não, eu não, mas eu a
açoitaria com a minha língua. Leah tinha 23 anos no dia em que eu nasci. A
filha de Leah, Elisabeth, tinha sete anos no dia em que nasci. Rá, rá! Eu já
era tia sete anos antes de ter nascido!” (RINN, 1954. p. 55)
O segundo motivo repousa na pressão que sofria por parte dos profitentes de
religiões protestantes e católicas. Em sua retratação, Margareth refere-se à
influência que sofreu de pessoas que tinham por interesse “esmagar o
Espiritismo”. Conan Doyle chega a apresentar nomes de membros do clero que a
fizeram crer que tratava com o demônio. Margareth houvera se convertido ao
catolicismo alguns anos antes da declaração, o que foi confirmado por Rinn
(1954), ao entrevistar um padre da igreja de São Pedro, em Barclay Street, Nova
York.
Finalmente, houve a proposta financeira do jornal, interessado em um “furo”
jornalístico, não importando se estaria ou não praticando “imprensa marrom”. As
Fox viviam dos fenômenos que produziam, prática em que são criticadas até por
Conan Doyle, que morava em um país onde a remuneração de médiuns é uma prática
aceita.
Embora não tenha encontrado em minhas fontes uma transcrição exata da
declaração de Margareth Fox-Kane, com base na correspondência de Kate,
transcrita acima, ela parece ter “explicado” os fenômenos a partir da teoria dos
“músculos estalantes”. No texto de Rinn (1954) se vê algumas outras explicações
aos fenômenos. Ela dizia que os sons nas paredes do “cottage” de Hydesville
vinham de maçãs que as irmãs deixavam cair, enganando seus pais, e que os
fenômenos de escrita direta eram fraudados com um giz entre os dentes, enquanto
os pesquisadores as retinham pelas mãos. Convenhamos que estas explicações, face
aos relatórios de pesquisas realizados desde a demonstração em Rochester, são
bastante insatisfatórias. Como elas teriam produzidos os sons nos vidros,
paredes e papéis distantes de seus próprios corpos, estalando músculos? Como
responderiam a perguntas mentais? Como forneceram respostas corretas a perguntas
que desconheciam, como o número de conchas tomadas ao acaso de um montinho, por
um de seus investigadores? Como elas teriam burlado os cuidados dos cientistas
que as pesquisaram? Nada disto parece satisfatório, ainda que houvessem
entremeado truques aos fenômenos, por razões financeiras.
Por fim, Margareth Fox-Kane retratou-se um ano depois, em 20 de novembro de
1889 em entrevista dada à imprensa de Nova York. Para que não reste dúvidas,
transcrevo algumas partes.
“Praza a Deus (…) que eu possa desfazer a injustiça que fiz à causa do
Espiritismo quando, sob intensa influência psicológica de pessoas inimigas
dele, fiz declarações que não se baseiam nos fatos. (…)
Naquela ocasião (em que denunciou o Espiritismo) necessitava muito de
dinheiro, e criaturas, cujo nome prefiro não citar, se aproveitaram da
situação. Daí a embrulhada. Também a excitação ajudou a perturbar meu
equilíbrio mental. (…)
Aquelas acusações eram falsas em todas as minúcias. Não hesito em
dize-lo… (…) Nem todos os Hermrmans vivos serão capazes de reproduzir as
maravilhas que se produzem através de alguns médiuns. Pela habilidade manual e
por meio de espertezas podem escrever em papéis e lousas, mas mesmo assim não
resistem a uma investigação acurada. A materialização está acima de seu
calibre mental e desafio a quem quer que seja a produzir batidas nas condições
em que as produzo.” (DOYLE, 1926. p. 108-109)
A partir deste momento ela se propôs a fazer conferências para “refutar as
calúnias” que ela própria lançou contra o Espiritismo. Ela fez uma carta aberta
ao público assinada de próprio punho diante de testemunhas como o Sr.
O’Sullivan, Ministro dos Estados Unidos em Portugal durante vinte e cinco anos.
(Publicado no Boletim GEAE Número 454 de 29 de abril de 2003)