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O Avarento

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Enéas Canhadas

Recentemente fui assistir à peça “O Avarento” de Molière¹ . Além de toda a genialidade do texto que explica, por si só, porque que é um clássico, me fez pensar muito sobre outras formas de avareza. No próprio texto teatral pode-se observar que aquele homem fascinado pelo dinheiro, também sofria ou apresentava efeitos colaterais do fato de ter tanto apego e amor ao dinheiro.

Colocava-se em primeiro lugar fossem quais fossem as circunstâncias e interesses. Tudo do bom e do melhor deveriam ser primeiramente para ele, e de preferência, unicamente para ele. Muitas vezes não percebia que as coisas que não compartilhava com os outros, seus empregados, conhecidos e parentes, jamais poderiam ser unicamente para ele mesmo. Por exemplo, a comida. Os alimentos que ridicava até mesmo aos seus cavalos nem de longe poderiam servir para a sua alimentação. Jamais poderia beber uma parte de todos os vinhos que não permitia repartir com seus empregados, amigos, visitantes e parentes. Invertia a seu favor até mesmo as leis e costumes, como por exemplo, ao invés de conceder dote para sua filha ao se casar, falava em receber dote do pretendente. Agia como agiota mesmo que o dinheiro a ser emprestado fosse para o seu próprio filho. Tudo que olhava ao seu redor só teria valor se valesse algum dinheiro ou significasse uma maneira de ver seus bens e vantagens multiplicados e somados a eles, algumas moedas. Olhava para os criados e filhos como perdulários e não como serviçais ou obras da sua criação. Agia como se no fundo dos seus olhos existisse unicamente o símbolo do cifrão como vemos numa linha d’água impressa em papel.

Imaginemos agora alguém que seja avarento, não com relação a dinheiro, mas em relação as suas ideias. Que não compartilha com ninguém, ou melhor, apenas quer recebê-las por oferta ou doação dos outros para ele. Pensemos na figura clássica do egoísta que pensa como se tudo no mundo existisse por ele e para ele, agindo como se toda obra da criação e também do fruto do trabalho dos homens tivesse sido criado para servi-lo.

Como poderíamos suportar alguém que julga que todos os presentes, bens e coisas de valor sejam ofertadas a ele e que todas as pessoas que ainda irão estar em contato com ele, já estivessem de antemão, preparando para levar-lhe oferendas e presentes.Imagine alguém que nem sequer de longe supõe que algo não seja primeiramente para ele como uma boa poltrona para descanso, ou uma boa alimentação, ou tão absurdo e distante supor que a sombra de uma árvore que ainda vai encontrar na estrada esteja ali para dar-lhe repouso e descanso e que os primeiros raios do sol seriam emitidos direta e exclusivamente para ele.

Imagine pressupor que a água mais límpida que jorra da fonte é destinada a ele, e tudo o mais foi criado para o seu bem e conforto. Suponha alguém que pensa ser o mais bonito, o mais generoso, o mais desejável dos seres humanos, o mais bondoso dentre eles, o mais logicamente sábio e que todos estariam à sua espera para aprová-lo e aplaudi-lo.

Procure pensar em alguém que teria o direito de ser o mais querido, o mais amado, o mais desejado e o mais agradável dos mortais, certo de que as demais pessoas que habitam o mundo nem sequer existam ou desejem alguma coisa.Pois é, talvez com esse exagero nem seja possível imaginar, mas seria conveniente pensar que, pelo menos um pouquinho de cada uma dessas coisas, talvez habite dentro de nós, como uma espécie de vírus da qual sejamos a incubadora. Pode ser que não morramos de tais doenças, mas pode ser que, em muitas circunstâncias da vida, soframos um pouco as suas conseqüências por estarmos inoculados.Jean-Baptiste Poquelin, mais conhecido como Molière, batizado em Paris a 15 de Janeiro de 1622 – e viveu até 17 de Fevereiro de 1673, foi um escritor de peças de teatro francês além de ator e encenador. É considerado um mestre dos mestres da comédia satírica.