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Caminhos Diferentes

Carlos Alberto Iglesia Bernardo

(De antigas anotações de uma viagem)

Andando pelas ruas da velha cidade de Cordoba* se sente uma sensação estranha, de um lado um sentimento de admiração, de outro um aperto no coração, um leve pesar que traz reflexões sobre o problema do ser humano, de sua convivência com o próximo, de sua tendência em criar divisões, em estranhar-se mutuamente.

Por aquelas ruas, em que já andaram Árabes, Cristãos e Judeus – em sua maioria com as mesmas raízes andaluzas mas de tradições diferentes – ainda se tem a sensação de, a qualquer momento, encontrarMaimonides, caminhando e pensando nos mistérios da filosofia hebraica, de esbarrar com o místico Ibn Arabi ensinando a seus discípulos sobre o Amor como essência de Deus, em ouvir alguém comentando as últimas proclamações de Alfonso X, o rei sábio que procurou a justiça para todos.

A alma se enche de respeito perante a grande mesquita, hoje catedral, e estremece de terror diante do prédio que uma vez abrigou o tribunal do Santo Ofício.

Não há como deixar de pensar quanta riqueza, quanta grandeza, a diferença de idéias e de modos de ver a vida, trouxe para aquela cidade e quanto dor, quanto sofrimento, quanta pobreza, a obsessão posterior pela uniformidade religiosa não lhe causou.

Meu Deus, que caminhos diferentes poderiam ter sido trilhados se o seu povo tivesse sido capaz de compreender que as outras concepções da verdade não eram em si mesmas um mal, que o perigo estava realmente nos meios usados para suprimi-las. Que mais mal causou calar o Muezin e o Rabino, que deixar que chamassem os homens a sua fé diferente, que deixar que proclamassem o nome de Deus em línguas diferentes.

Ai de nós, a gente se sente naquelas ruas tomado da alegria de viver do povo andaluz, mas também carregado de velhos temores, pois é claramente visível que os erros cometidos ainda são possíveis de repetir-se.

Quando andando por lá, se considera que nós espíritas, tantos séculos depois, ainda nos ofendemos quando algum de nós pensa diferente. Que ainda tememos a leitura distinta dos nossos livros, que ainda queremos suprimir livros com os quais não concordamos, que de questões acessórias fazemos motivo de escândalo – Quanto receio passa pela alma !

Receio de que algum dia, nós espíritas, estendendo-nos como nova maneira de pensar da humanidade, levantemos fogueiras para os que creiam em um corpo fluídico para Jesus e que não possam ser convencidos pela lógica. Que, esquecendo Kardec, em vez do bom senso, usemos a velha e costumeira espada como argumento contra conceitos diferentes. Que novamente, no zelo da pureza doutrinária, se instituam novas guerras santas e se ergam tribunais de inquisição. Enfim, que algum dia tenhamos “espíritas-velhos” e “espíritas-novos”, que com seus “atestados de pureza” só mostrem que novamente fracassamos.

Deus – Clemente e Misericordioso; Deus de Abrão, Isaac e Jacó; Pai Nosso; Causa Primeira de todas as Coisas – nos livre de perder-nos novamente por tais caminhos !

* Cordoba – Cidade da Andaluzia, Espanha, que durante a Idade Média foi sede do Califado em Al-Andaluz e teve importante papel na história da civilização como ponto de contato entre ocidente e oriente.

(Publicado no Boletim GEAE Número 330 de 2 de fevereiro de 1999)