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O Endemoniado Geraseno

Temos aqui um caso impressionante de possessão, cuja vítima, subjugada por
uma falange de Espíritos perversos, tornara-se o terror dos sítios em que vivia.

Pelo relato dos evangelistas, bem podemos imaginar-lhe a terrível figura:
seminu e coberto de feridas sangrentas, olhos esfogueados, cabelos longos e em
desalinho, pedaços de corrente a lhe penderem das pernas, mais haveria de
parecer uma fera do que propriamente uma criatura humana.

Compadecido do infeliz, Jesus liberta-o de tão má influência, como que lhe
restitui de pronto a razão, o domínio de si mesmo, e, convidando-o a sentar-se
junto de si, põe-se a edificá-lo com seu verbo terno e esclarecedor,
preparando-o para que viesse a ser mais um arauto da Boa Nova, e, ao voltar para
a companhia dos familiares, ao contar-lhes que coisa estupenda o Senhor fizera
por ele, estivesse habilitado anunciar-lhes também a doutrina de Amor, e
Tolerância e de Justiça que estava sendo trazida ao mundo, cuja observância é o
mais seguro remédio contra todos os males que afligem e infelicitam a
Humanidade.

Quanto aos Espíritos obsessores, não entra nos porcos, como supuseram os
circunstantes, coisa que hoje melhor se compreende; apenas se fizeram visíveis
aos suínos e estes, espavoridos, se precipitaram do monte para baixo em tão
desabalada carreira que, não podendo estacar ao chegarem à praia,
introduziram-se no mar, perecendo afogados.

O episódio em tela, ao mesmo tempo que ressalta o extraordinário poder de
Jesus (baseado na perfeição de seu caráter) e sua incomensurável piedade para
com os sofredores, pôs em relevo, por outro lado, a mesquinhez de muitos homens,
para os quais o interesse material a tudo sobreleva.

A cura daquele possesso que os trazia em sobressalto deveria ser, para os
gera-se nos, motivo de se regozijarem e se mostrarem agradecidos àquele que
operara tal maravilha. Ao invés disso, porém, só levaram em conta a perda de
seus animais e, receosos de novos prejuízos pecuniários, despediram de suas
terras, qual se fora um intruso indesejável, o próprio Filho de Deus que os
honrara com sua augusta presença.

Agora meditemos.

Nós outros não estaremos agindo, ainda hoje, de igual maneira? Não
continuamos colocando as conveniências mundanas acima dos galardões espirituais?

Conquanto nos pese reconhecê-lo, todas as vezes que contrariamos a Doutrina
Cristã, porque seguir-lhe os preceitos nos custaria o sacrifício de algum lucro
temporal, é como se, visitados pelo Mestre, o puséssemos para fora de nossa
porta!

(Revista Reformador de fevereiro de 1966)