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Disciplina e liberdade

Vanda Simões

Nos últimos dias a imprensa notificou que os estudiosos do comportamento humano chegaram à conclusão que o excesso de liberdade traz prejuízos para a formação do ser. Informou que a teoria amplamente difundida e executada nos últimos anos de não impor limites a uma criança, estava definitivamente enterrada. Afirmou ainda, que os pais americanos, pois foram de lá essas brilhantes deduções, estavam perplexos e confusos com a geração atual de jovens, e seus destemperos comportamentais.

Analisemos a questão. É certo que o homem vive as experiências de que necessita para seu crescimento. Também é certo que poderá apressar ou retardar sua marcha, dependendo da maneira pela qual quer se conduzir. Aí entra o livre arbítrio da criatura, que a faz escolher este ou aquele caminho. O mundo faz seu papel de agente das oportunidades nos vários campos, o que significa dizer que encontra-se nele o que se precisa para bem ou mal se conduzir na vida.

Historicamente, o homem sempre viveu sob o domínio do medo e da ignorância. Em todos os tempos apenas alguns atreveram-se a sair do lugar comum, apontando novos caminhos, direcionando novos rumos para o pensamento humano. Dentre estas mentes privilegiadas, pouquíssimos vislumbraram o poder maior que emanava de força superior a eles. A maioria, com exacerbado sentimento de egolatria, criava suas próprias teorias sobre a vida e a morte, rejeitando qualquer ligação do homem com a Divindade.

Dentro dessa concepção de vida, e após séculos de luta pela liberdade de dizer e expressar suas idéias e atitudes, explode nos EUA o movimento hippie, na década de 60, como forma de repúdio a uma sociedade conservadora e preconceituosa, influenciando a cabeça de jovens do mundo inteiro, levando a sociedade americana e européia a encarar um outro extremo de atitudes e comportamentos. Em meados dessa década, cerca de 300 mil jovens haviam deixado seus lares para juntar-se a esse movimento, que pregava o sexo livre e a liberdade para fazer de suas vidas o que bem entendessem, incluindo o descompromisso com a responsabilidade e o uso de drogas. Foi o tempo de maior apologia à maconha e ao LSD.

A partir daí, e em consequência de uma pseudo-liberdade que o homem achava ter conquistado, as escolas do comportamento elaboram teses as mais estapafúrdias sobre a formação da personalidade do ser. Desde a liberdade que a criança tem de fazer o quer, sem que ninguém a moleste para não traumatizá-la, até a iniciação precoce na sexualidade, afinal quanto mais cedo as experiências neste complicado campo, mais maturidade o adulto teria para elaborar suas questões. E por aí vai. Os que ousavam levantar a voz para demonstrar a insensatez dessas teses eram rechaçados pelos intelectuais liberais de plantão, que logo os tachavam pejorativamente de moralistas retrógrados.

Lembro-me de certa ocasião em minha lida diária profissional com crianças, quando conversava com uma menina de 11 anos, completamente assustada, pois havia dois dias tinha tido uma aula de educação sexual, onde um desequilibrado professor explicou em detalhes todos os tipos de relações sexuais possíveis entre duas criaturas, relatando inclusive as mais bizarras. Interpelando a escola sobre os estragos causados àquela criança, ouvi da diretora que aquilo era um procedimento normal e que o problema estava na formação da criança, pois a família não a preparou para a realidade da vida. Não preciso dizer que nada aconteceu com o professor e que a aluna teve de sair da escola.

Citamos este fato por acreditarmos que não se trata de caso isolado, uma vez que foram contabilizados outros de igual teor. Apenas queremos demonstrar que teses mal estruturadas e sem fundamentação da moral sadia causam estragos de enormes proporções na sociedade, quando cria seres deformados psiquicamente, com grandes distorções psicológicas, sem nenhum alicerce de formação sensato e digno. Aqueles jovens da década de 60/70 são os pais dos adolescentes e adultos jovens de hoje. Muitos já tem netos. Criaram seus filhos dentro de uma concepção de liberdade irrestrita, acreditando estar nisso o segredo do equilíbrio íntimo e das relações interpessoais.

As escolas dessa teoria criaram adeptos no mundo ocidental inteiro, especialmente aqui no Brasil. Os arautos dos novos tempos do comportamento venderam e vendem livros e mais livros “ensinando” como se deve fazer para entender melhor o homem de hoje. Os pais, sem saber, entraram nessa linha de pensamento, acompanhando a onda de pais modernos que trabalham fora e que não tem tempo para cuidar mais diretamente de seus filhos. Em busca do sucesso material crêem que proporcionam o melhor para suas crianças, trabalham até o limite das forças para que possam oferecer a melhor escola, brinquedos de última geração, computadores, aulas disso, cursos daquilo, roupas de griffe, intercâmbio no exterior (parece que é moda) etc.

A educação? Bem, os tempos são outros e as crianças tem que ter liberdade de escolha em todos os sentidos. Estabelecem seus próprios limites, e como não tem maturidade para tal, ultrapassam os limites do bom senso, convivendo em ambientes insalubres para sua formação. Resolvem suas próprias vidas em coisas mais simples, como horário de ir para a cama (invariavelmente tarde), programas de televisão (geralmente todos), horário de fazer as tarefas escolares (quase nenhum), disciplina alimentar, dormir em casa de colegas, e até quantidade de dinheiro na bolsa (sim, há pais que dão dinheiro para suas crianças).

O resultado disso é que os pais não sabem o que fazer com o pequeno déspota que tem dentro de casa. Filhos criados dentro dessa mentalidade transformam-se em tiranos dos próprios pais. Na verdade quem manda na família são eles, pois tudo é feito para atender suas menores necessidades. O necessário diálogo franco e aberto entre pais e filhos transforma-se em monólogo, pois o filho diz “eu quero” e todos correm para atendê-lo. Estabelecer limites é cercear a liberdade da criança e os traumas advindos disso são imensos, foi o que aprenderam. E deixam que a criança cresça ao sabor das influências da escola, da televisão e de suas próprias tendências que nem sempre são tão saudáveis.

É preciso que se reflita sobre essa grave questão. O que os americanos descobriram agora, depois de décadas de estímulo a essa teoria perniciosa, o bom senso já nos falava desde sempre. Aprenderam com a triste experiência que vivenciam agora, quando uma geração de jovens fortes, saudáveis, ricos e inteligentes dão sinais de que alguma coisa de muito grave acontece naquela sociedade. É a lei de causa e efeito agindo, inexorável. São os frutos podres de uma semeadura ruim. Sem valorizar o lado moral na formação do ser, vêem-se agora às voltas com uma ou duas gerações perdidas, sem rumo, sem solução. Resta saber o que fazer com essas pobres criaturas que afinal nada mais são do que vítimas de teorias estapafúrdias, elaboradas por mentes desequilibradas, que por sua vez são estimuladas pelo mundo espiritual inferior que age estabelecendo o caos, a desordem e a libertinagem. Tudo, enfim, o que é contrário à ordem, normas, disciplina e equilíbrio.

A Doutrina Espírita tem um papel importante nesse contexto, quando veio para confundir os orgulhosos e glorificar os justos, no dizer do Espírito de Verdade. Esclarece a criatura sobre pontos fundamentais de sua vida de Espírito imortal, retirando-o do mundo de ignorância em que vive. Porém, infelizmente, em nosso movimento, vemos resquícios dessa mesma doutrina de pseudo-liberdade. São os falsos liberais que vêm a público tudo explicar, dentro de sua ótica vesga. Estimulam a vaidade, a egolatria, as teorias esdrúxulas de auto-ajuda, o orgulho disfarçado de altruísmo. Classificam de retrógrados conservadores, cerceadores da liberdade, os que se posicionam de maneira mais séria diante da vida. Em vez de instruir as pessoas no sentido de vencer suas dificuldades, estimulam cada vez mais o erro quando dizem que ninguém têm o direito de ditar normas a ninguém. Como todo mundo é igual, todos ficam do mesmo jeito, morrem do mesmo jeito e sofrem também do mesmo jeito. É mesmo a doutrina do deixa como está para ver como fica.

Por fim, é meditar sobre uma frase dos Espíritos superiores, encontrada em O Livro dos Espíritos, questão 647, falando da máxima de amor ao próximo deixada por Jesus: “Certamente essa máxima encerra todos os deveres dos homens entre si, mas é necessário mostra-lhes a aplicação, pois do contrário podem negligenciá-la, como já o fazem hoje. Aliás, a lei natural compreende todas as circunstâncias da vida e essa máxima se refere apenas a um dos seus aspectos. Os homens precisam de regras precisas. Os preceitos gerais e muito vagos deixam muitas portas abertas à interpretação”.

Sigamos, pois, com a responsabilidade de encarar a vida com a seriedade devida, deixando de lado as falsas concepções de pseudo-cientistas do comportamento humano, que semeiam idéias que vêm do mundo invisível, de mentes dos que têm a maléfica intenção de glorificar os orgulhosos e confundir os justos. E viva a disciplina!

08/05/99

E-mail: vanda@elo.com.br