A Doutrina Espírita e as Chamadas Ciências Ordinárias
As fronteiras de contato entre a Doutrina Espírita e as chamadas ciências ordinárias
são compreensivelmente amplas, a demonstrar a existência de um enorme potencial para
trabalhos futuros. Entendemos, porém, que o Espiritismo guarda uma firme independência
em relação a interpretações desta ou daquelas teorias em voga, em parte porque os
rumos que as ciências tomam estão constantemente a se alterar, seja diante de novos
fatos experimentais ou da proposição de novas teorias. O Codificador da Doutrina
Espírita, Allan Kardec, com admirável sabedoria – mesmo para os dias de hoje – soube
muito bem separar a Doutrina Espírita do estado do conhecimento científico de sua
época. Tivesse ele tomado o caminho inverso, de há muito o Espiritismo teria sucumbido.
O Espiritismo trata em sua essência do elemento espiritual. É seu objetivo fornecer
a nós, Espíritos encarnados em diferentes graus de entendimento, uma visão suficientemente
coesa da vida além túmulo para que possa sustentar os objetivos maiores da Doutrina
que é a reforma – ainda que tardia – do espírito humano em suas manifestações morais.
O Espiritismo parece ter sido feito para os que não se satisfazem com explicações
sustentadas em autoridade ou tradição religiosa. Mas para os que entendem a essência
do pensamento espírita, essa visão certamente é imperfeita, na medida que virá a
ser completada ou suprimida em futuro que hoje ninguém poderia precisar com certeza
absoluta, da mesma forma que as descrições da ciência são revistas quase que a cada
minuto.
O debate que se pode estabelecer entre disciplinas com objetivos diferentes como
é o caso do Espiritismo e da Física, por exemplo, deve acontecer sempre tendo-se
em mente que apenas marginalmente seremos capazes de manipular os conceitos fundamentais
em ambos os lados. Do nosso ponto de vista esse debate satisfaz mais ao intelecto,
que se acostumou – porque foi treinado na área – a lidar com idéias e jeito de pensar
das ciências ordinárias, onde tais conceitos tem alto grau de flexibilidade.
Preocupa-nos porém a utilidade desse debate para os que não tem esse treinamento.
Nesse caso, como soarão em seus ouvidos a descrição dessas extrapolações ou novas
interpretações? Parecem ecoar muito mais absolutas, por isso mesmo despertando vivo
interesse que, as vezes, torna-se exagerado e contraproducente. Por isso que, nós
no Conselho Editorial do GEAE, procuramos ter o cuidado de revisar com os autores
a exposição dessas idéias não com o objetivo de censurar, mas muito mais seguindo
os moldes das revistas científicas onde as idéias – antes de serem publicadas –
passam por um processo de revisão (as vezes muito lento) que pode inclusive concluir
pela impossibilidade de publicar o texto nos Boletins.
Essa revisão, necessariamente, leva em conta nossa linha editorial, como exposta
no FAQ do grupo, que se preocupa principalmente
com a necessidade de promovermos o estudo fraterno da Doutrina sem entrarmos em
polêmicas improdutivas ou cairmos em disputas pessoais.
Gostaríamos assim de sugerir a todos os autores que se propõem a escrever sobre
a relação Espiritismo X Ciência que atentem principalmente para os objetivos de
seus trabalhos, assim como para o impacto que terão frente ao público que não está
familiarizado com a terminologia técnica e com a flexibilidade das concepções científicas
como discutimos acima. Pedimos que – tanto quanto possível – tais textos sejam escritos
em linguagem acessível, pedagógica, que tenham um foco e que sejam plenamente embasados
na concepção maior de que as ciências ordinárias estudam o princípio material, enquanto
que o Espiritismo trata do princípio espiritual. Que procurem chamar a atenção para
a a alta dependência das idéias científicas de suas teorias e que guardem zelo pela
Doutrina – como a única que temos haja vista não existirem provas de que ela hoje
tenha que ser suplantada por uma outra.
Muita paz
(Publicado no Boletim GEAE Número 466 de 25 de novembro de 2003)