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E Agora?

Wagner Sampaio Coelho

Os pronunciamentos públicos do Papa João Paulo II realizados às
quartas-feiras, na Praça São Pedro, sempre ganharam os espaços da imprensa. Mais
recentemente, suas últimas declarações sacudiram o mundo católico, ao explicar
para os fiéis o futuro que os espera na vida eterna. “O Céu não é um paraíso
entre nuvens de algodão, mas um estado de espírito. Assim como o Inferno, que
nem de longe é uma fornalha incandescente, mas um símbolo da condenação eterna”,
disse o Santo Padre.

Aos que receberam a educação católica desde o berço, tal qual a mim,
iniciando-se pelo Batismo, passando pela Crisma ainda em tenra idade, e que
certamente também exercitaram a Confissão, a Eucaristia, a Penitência e o
Matrimônio, sacramentos que livravam o indivíduo do inferno, descortinava-se um
véu sobre o conhecimento.

Aprendíamos, entre os Maristas, que é pelo batismo que se entra para a Igreja
Católica, tornando-se filhos de Deus e herdeiros do Céu. Ensinavam-nos, também,
que pelo “sacrifício” de realizar “as nove primeiras sextas-feiras”,
receberíamos por graça da Santíssima Trindade um lugar garantido no Céu. E
agora, padre?

É verdade que o conceito sobre o que seja o Céu tem evoluído muito pouco no
decorrer dos séculos. A palavra céu designa o espaço indefinido que circunda a
Terra, e mais particularmente a parte que está acima do nosso horizonte. Vem do
latim coe lum, formada do grego coilos, côncavo, porque o céu parece uma imensa
concavidade. Desde a época imediatamente anterior a vinda de Jesus Cristo até há
pouco tempo, todas as religiões eram unânimes em acenar a seus fiéis com a
promessa de um lugar bem alto, acima de nossas cabeças, destinada a ser moradia
de contemplação beatífica, de inércia e estagnação.

Em passado remoto, acreditava-se na existência de céus superpostos, de
matéria sólida e transparente, formando esferas concêntricas, e tendo a Terra
por centro. Foi para manter esta orientação que o os franciscanos e dominicanos
do temível tribunal de Inquisição exigiram a retratação, em 1633, do italiano
Galileu Galilei, que, aliás, lembramos de passagem, só recentemente recebeu
absolvição pelo próprio João Paulo II, com desculpas pelos excessos praticados
por sua Igreja.

Segundo a opinião mais comum, havia sete céus e daí a expressão – estar no
sétimo céu – para expressar a felicidade plena. Os muçulmanos admitem nove,
progressivos em felicidade. O astrônomo Ptolomeu contava onze, denominando o
último de Empireu, onde julgava ser ali o lugar da glória eterna.

Agora, às portas do novo milênio, João Paulo II adverte aos seus fiéis, com
autoridade de representante de Deus na Terra, que as coisas não são bem assim
como haviam sido ensinadas. O céu é tão somente um estado de espírito!.

Talvez o Santo Padre tenha meditado as palavras de Jesus anotadas por Lucas:
“O Reino de Deus não virá com aparato; nem se dirá: Ei-lo aqui ou ei-lo acolá.
Porque eis que o reino de Deus está no meio de vós” (17:20-21). Talvez tenha
observado também, pelos relatos de Mateus, que para os evangelistas não há
distinção entre reino de Deus e reino dos Céus. Ou, ainda, tenha recorrido a um
dos que lhe inspirou o nome e tenha lembrado das palavras do convertido de
Damasco em sua Epístola aos Romanos: “Porque o Reino de Deus não é comida nem
bebida, mas justiça, e paz e alegria no Espírito” (14:17).

Certamente não esqueceu de repassar as várias comparações que Jesus utilizou
a fim de demonstrar o que seja o reino dos Céus. Na primeira, uma semente de
mostarda foi usada como paradigma. “É semelhante ao grão de mostarda, que um
homem, tomando-o, lançou na sua horta; e cresceu, e fez-se grande árvore, e em
seus ramos aninharam-se as aves do céu.” (Mt.13:31-32). Também comparou ao
fermento que a tudo levedou, a um tesouro escondido num campo, a um negociante
que busca boas pérolas, a uma rede lançada ao mar em que se apanha o que é bom e
lança-se fora o que é ruim e, ainda, a uma festa de núpcias, onde tudo é alegria
e felicidade.

E agora padre? A verdade foi mesmo restaurada?

Será, padre, que só agora os católicos estejam em condições de receber tais
revelações? Já tenham olhos para ver e ouvidos para ouvir as muitas coisas que
Jesus tinha a dizer, mas que não poderiam ser compreendidas, conforme João
16:12-14?

Se é assim, então os Espíritas estão mesmo com a razão! Porque talvez o que
Vossa Santidade não saiba, é que desde o surgimento do Espiritismo, com Allan
Kardec em 1857, o Espírito de Verdade, aquele a quem Jesus se referia em João
14:15-20, vem como o Consolador prometido, ensinando todas as coisas e
recordando tudo o que o Cristo tenha dito.

A propósito, a Doutrina Espírita explica que os gozos futuros, tais como as
penas, são inerentes ao grau de perfeição de cada um e não podem ser materiais,
posto que a alma não é matéria, e esta não lhe embota as sensações. Cada um tira
de si mesmo o princípio de sua felicidade ou de sua desgraça.

Explica que a suprema felicidade consiste numa satisfação íntima, no gozo de
todos os esplendores da Criação, no conhecimento de todas as coisas, na ausência
de sofrimentos físicos e morais, na serenidade imperturbável, no amor que
envolve todos os seres e acima de tudo na contemplação de Deus. Os que se acham
no Reino de Deus não sentem ódio, nem ciúme, nem inveja, nem ambição nem
qualquer das paixões que ocasionam a desgraça dos homens. O amor que os une lhes
é fonte de felicidade. Não experimentam as necessidades, nem os sofrimentos, nem
as angústias da vida material. A felicidade também consiste nas tarefas cujo
encargo lhes façam felizes, pela transmissão ou execução das vontades de Deus.
São felizes pelo bem que fazem.
Jesus nos legou uma Doutrina que deverá cumprir o seu vaticínio: “Tudo passará
nos Céus e na Terra, mas as minhas palavras não passarão”. Doutrina, na
afirmação de Jesus é sinônimo de fermento, daí ter recomendado aos seus
discípulos tomarem cuidado com o fermento dos fariseus, ou seja com a doutrina
dos fariseus.

O grão de mostarda que o homem plantou representa a necessidade de
cultivarmos a decisão de reforma interior, com o máximo interesse que devemos
despertar pelo nosso aprimoramento, tal qual uma pérola de grande valor ou um
tesouro escondido. A rede lançada ao mar será a resultante de tudo – A cada um
segundo as suas obras.

Mas, – Nem todos os que dizem: Senhor! Senhor! Entrarão no reino dos céus.

Privilegiados serão somente aqueles que tiverem perseverado em se despojar de
todos os preconceitos e viciações, mantendo a linha de conduta rumo à perfeição,
abandonando a porta larga. Não basta ser convidado; não basta dizer-se cristão;
não basta trazer os sinais do Senhor para ser um fiel servidor, nem sentar-se à
mesa para fazer parte do banquete celestial. Acontece que, dos muitos que ouvem
a palavra divina, poucos são os que a guardam, colocando-a em prática pela
máxima: “Fora da caridade não há salvação”. Poucos se tornam dignos de estar no
reino dos Céus!. Foi por isso que Jesus asseverou: Muitos são chamados e poucos
escolhidos.

Para alcançar o Reino de Deus – consta em Atos 14:22 – “é preciso passar por
muitas tribulações.” Não é pois, uma dádiva graciosa, um regime político mundano
a ser implantado em breve, mas sim a resultante da lenta e penosa montagem de um
sistema íntimo de pureza, retidão e de amor. Ou seja, é para ser construído,
realizado, implantado no íntimo da criatura. A metodologia dessa conquista é o
exercício do amor universal, do perdão sem limites, da caridade desdobrada sob
todas as suas manifestações.

O tempo de sua realização depende de cada um, do esforço que fizer, das
renúncias que aceitar, das batalhas que vencer na sua própria intimidade. E isso
não se faz no espaço de uma geração. Aliás, é nesse sentido o ensinamento a
Nicodemos, em João 3:3: “Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer de novo
não pode ver o Reino de Deus”.

Enquanto isso, vamos nascendo de novo, até aprender, porque como Ele disse,
“Quem não nascer de novo, NÃO PODE ver o Reino de Deus”.

Bem claro: NÃO PODE …

(Publicado no Boletim GEAE Número 375 de 14 de dezembro de 1999)