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Em pauta – a triste festa

Fevereiro é o mês do carnaval, que se constitui em uma série de folguedos populares,
promovidos habitualmente nos três dias que antecedem o início da quaresma.

Em torno do mesmo centro de interesse – o disfarce, a dança, o canto e o gozo
de certas liberdades de comunicação humana, inexistentes ou muito refreadas durante
o resto do ano – a folia carnavalesca se apresenta com características distintas
nos diferentes lugares em que se popularizou, vindo da Itália, especialmente de
Roma, o modelo mais famoso.

De origem obscura, o mais provável é que se assente em raízes de festividades
primitivas, de caráter religioso, em honra à volta da primavera. Mais concretamente,
é possível se localizem suas origens em celebrações da Antiguidade, de caráter orgíaco,
a exemplo das “bacanalia” da Grécia, festa em honra ao deus Dionísio.

Contudo, antes disso, os trácios se entregavam aos prazeres coletivos, como quase
todos os povos antigos. E, em Roma, vamos encontrar estas festas como “saturnalia”,
quando se imolava uma vítima humana. Era uma festa de infeliz caráter pagão.

No Antigo Testamento, encontramos referências no Livro de Ester, especialmente
no capítulo IX, que descreve como, graças à intervenção da rainha Ester junto ao
rei Assuero os judeus acabam por massacrar os seus inimigos, atividade que durou
dois dias inteiros, 13 e 14 do mês de Adar, cessando no dia quinze. Por essa razão,
se estabeleceu que se solenizasse a data com banquetes e regozijos, conforme se
lê no versículo 19: “Os Judeus, porém, que habitavam nas cidades sem muros e
nas aldeias, destinaram o dia catorze do mês de Adar para banquetes e regozijos,
de modo que neste dia fazem grandes divertimentos, e mandam uns aos outros alguma
coisa dos seus banquetes e iguarias.”

A data ficou assinalada como dias de Furim, isto é, das sortes, referindo-se
ao Fur, a sorte que fora lançada e da qual eles, os Judeus, haviam saído vitoriosos.

Na Idade Média , já era aceito o Carnaval com naturalidade, configurando o enlouquecimento
lícito uma vez por ano. As relações dos carnavalescos com a Igreja não foram cordiais,
tendo se pronunciado doutores e Papas contra os tantos desregramentos da festividade.
Contudo, o que prevaleceu foi uma atitude geral de tolerância, ficando inclusive
por conta da Igreja a fixação da data do período momesco. O carnaval antecede a
Quaresma, finalizando-se num dia de penitência, com a tristeza das cinzas.

A festa tem vestígios bárbaros e do primitivismo reinantes ainda na terra. No
Brasil colonial e monárquico a forma mais generalizada de brincar o carnaval era
o entrudo português.

Consistia em atirar contra as pessoas, não apenas água, mas provisões de pós
ou cal. Mais tarde, água perfumada com limões, vinagre, groselha ou vinho. O objetivo
sempre era sujar o passante desprevenido. Como se vê, uma brincadeira perigosa e
grosseira.

A morte definitiva do entrudo se deu com o aparecimento do confete, a serpentina
e o lança-perfume.

O que se observa nestes três dias de loucura, em que a carne nada vale, é o afloramento
das paixões.

Observam-se foliões que se afadigam por longos meses na confecção das fantasias.
Tudo para viver a psicosfera da ilusão. Perseguem vitórias vazias que esperam alcançar
nestes dias. Diversos se mostram exaustos, física e emocionalmente. Alguns recorrem
a fortes estimulantes para o instante definitivo do desfile. Consomem tempo e dinheiro,
que poderiam ser aplicados na manutenção da vida e salvação de muitas vidas.

Mergulham em um fantástico mundo de sonhos. Anseiam por dar autenticidade a cada
gesto, a toda atitude. Usando vestimentas de reis e rainhas, nobres e conquistadores,
personagens de contos, artistas, fariam inveja a todos a quem copiam. Isso se as
vestes e as coroas, os cetros, os mantos e as posturas não fossem todos falsos,
exatamente como falsas são as expressões e vitórias que ostentam.

Diversos desses foliões nem se dão conta que poderão estar a representar a própria
personalidade de vidas passadas.

Uma grande perda de tempo, pois de um modo geral conquistadores, reis, rainhas
e generais que foram, se ainda permanecem na terra, é porque naquelas vidas faliram.
E faliram feio.

Em toda essa festa de loucura, que deixa marcas profundas, pergunta-se se será
mesmo manifestação de alegria, de descontração.

Que alegria é esta que exige fantasias, embriaguez e toda sorte de desregramentos
para se manifestar?

Por isso, face às graves conseqüências do carnaval e suas origens de orgia e
loucura, reflexionemos na exortação do espírito Thereza de Brito: “Numa sociedade
em que a vida familiar tem sido tão difícil, tão escassa, por que não aproveitar
os dias carnavalescos para conviverem bem mais juntos, seja no lar, num sítio arborizado,
nas paisagens refazentes do mar ou da montanha, estreitando os vínculos do carinho,
prestando atenção a tantos lances importantes da vida dos nossos queridos, antes
inobservados?

Não se permitam poluir, pais terrestres, e lutem por preservar os seus filhos
dessa ilusão passageira.

O imediatismo de Momo, os gozos das folias, as alegrias do carnaval tudo isso
se desvanecerá, como todo fogo fátuo, e deixará os que neles se locupletaram nas
valas da frustração e do arrependimento, mais cedo ou mais tarde.

Vocês, pai e mãe, atentos à nobre tarefa de educar seus rebentos, envolvam-nos
com seu amor e sua assistência para que eles amadureçam assim, e a harmonia atinja
mais rapidamente os arraiais do mundo, transformando as paixões inferiores em prazer
renovador e são.”

Fontes:

  1. Nas fronteiras da loucura – Divaldo P. Franco/Manoel P. de Miranda – cap.
    6 e 15.
  2. Vereda familiar – J. Raul Teixeira/Thereza de Brito – cap. 14.
  3. Enciclopédia Mirador Internacional, volume 5 – verbete: Carnaval

(Jornal Mundo Espírita de Fevereiro de 2001)