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Esperança de um Mundo Melhor

“É por milagre que eu ainda não renunciei a todas as minhas esperanças, na verdade tão absurdas e irrealizáveis. Mas eu agarro-me a elas, apesar de todos e de tudo, porque tenho fé no que há de bom no homem. Não me é possível construir a vida tomando como base a morte, a miséria e a confusão. Vejo o mundo transformar-se, pouco a pouco, num deserto; ouço, cada vez mais forte, a trovoada que se aproxima, essa trovoada que nos há de matar; sinto o sofrimento de milhões de seres e, mesmo assim, quando ergo os olhos para o Céu, penso que, um dia, tudo isto voltará a ser bom, que a crueldade chegará ao seu fim e que o Mundo virá a conhecer de novo a ordem, a paz, a tranquilidade. Até lá tenho que manter firmes os meus ideais – talvez ainda os possa realizar nos tempos que hão de vir”. Trecho extraído do dia 15 de julho de 1944, Diário de Anne Frank, trad. Ilse Losa, Edição “Livros do Brasil”, Lisboa

Certa vez Jesus disse a seus discípulos que se não fossem como crianças não veriam o reino dos Céus. Também deixou-lhes o ensinamento de que tudo que se fizesse a alguma delas era a ele que se faria. Mensagem que a posteridade bem pouco respeitou, pois ao longo dos séculos as crianças tem sido as vitimas preferenciais das guerras, das violências de todos os tipos e da fome.

Povos que se dizem cristãos vivem cotidianamente assistindo as cenas amargas de crianças esquálidas em países miseráveis, de crianças abandonadas em países não tão pobres e de crianças desesperançadas em países ricos. Por todo o mundo sacrificam-se futuros escritores, médicos, cientistas, engenheiros, artistas e trabalhadores de todas as áreas, tudo em prol da lucratividade, da competitividade, dos balanços econômicos e dos índices de todos os tipos. Gastam-se milhões em orçamentos militares, em exibições de riqueza e de cultura, na demonstração do poderio e do domínio da matéria e bem pouco se gasta em levar aos pequeninos de todos os povos a migalha de pão ou de amor que os capacitaria a serem cidadãos de um mundo melhor. Na lógica da guerra, seja ela da guerra pelas armas ou da guerra pelo mercado, consideram-se as pequenas almas perdas aceitáveis em troca da vitória fácil.

Contra este estado de coisas, contra tudo isto que o mundo tem feito em todas as épocas da humanidade e que fez com o maior grau de perversidade durante o pesadelo da Segunda Guerra Mundial, quando a loucura do nazismo lançou sua sombra sobre a área mais culta e rica da civilização ocidental, ficou registrado na história o testemunho de uma garota holandesa, de família judia, que durante dois anos viveu com sua família em um esconderijo e ao ser descoberta foi enviada para um campo de concentração onde desencarnou. Durante o período em que esteve escondida ela escreveu um diário em que retrata de maneira vívida a situação pela qual passou e seus sonhos de um mundo melhor.

Anne Frank, que tinha 13 anos quando tudo começou, queria ser escritora e ao escrever seu diário de menina legou-nos uma mensagem inesquecível. Seu testemunho reproduzido em inúmeras línguas, celebrizado no teatro e no cinema, tem levado as pessoas a se conscientizarem de quanto mal existe na guerra e nas perseguições que sempre lhe acompanham.

Ela sonhava com um mundo melhor, mundo onde reinaria a paz e o respeito pelo ser humano. Ela sonhava em continuar vivendo através de seus escritos e, talvez, agora no plano espiritual sonhe em nascer novamente para voltar a nos dizer o quanto ainda temos a fazer.

Passam-se os povos e os generais, passam-se as glórias terrestres, passam-se as ideologias, mas não passam os testemunhos sinceros como os de Anne Frank.

Uma nova civilização, uma civilização que realmente merecesse o nome de cristã, teria de ser alicerçada nas palavras do Cristo. Nesta civilização as crianças não conheceriam a fome ou as privações da guerra, muito menos teriam que mendigar o pão de cada dia ou temer a violência, pois cada um as trataria como seus próprios filhos, fossem filhos do vizinho do lado ou morassem em outro continente. Nesta civilização cristã as pessoas não precisariam nem mesmo ser cristãs, pois Jesus nos disse que seriam seus discípulos aqueles que muito amassem e não aqueles que ficassem proferindo seu nome em vão. Assim ninguém seria perseguido por crer desta ou daquela forma, por seus pais serem desta ou daquela raça, por ter nascido deste ou daquele lado da cidade, não haveriam botes de refugiados chegando as praias porque não haveria donde fugir e mesmo que – em algum lugar ainda fora desta civilização – houvesse de onde fugir, haveriam tantos braços abertos socorrendo os refugiados que eles nada teriam a temer.

Se esta civilização, na qual Ane Frank teria crescido em paz, um dia existirá ou não, depende apenas dos que habitam este planeta, de quererem se transformar, transformando o mundo ao seu redor. E de nós espíritas muito nos será cobrado se não contribuirmos de maneira decisiva nesta transformação, pois não só conhecemos os ensinamentos de Jesus, como estamos plenamente cientes das realidades da sobrevivência do espírito e da lei de Causa e Efeito que nos rege o destino.

Trabalhemos por um mundo melhor, como Jesus nos ensinou, amando ao próximo como a nós mesmos. Quem sabe, em algum dia distante, possamos ler o livro de Ane Frank ou visitar o lar que lhe serviu de esconderijo, sem que nossa consciência nos diga que tudo aquilo pode estar ocorrendo de novo, com outra criança, de forma mais ou menos semelhante, em algum outro lugar, em nosso próprio tempo.

Muita Paz,

Carlos Iglesia

Editor

OBS – A foto de Anne Frank publicada no editorial é do site “Anne Frank House” (http://www.annefrank.nl/), museu dedicado a memória de Anne Frank localizado na casa onde passou dois anos escondida com seus familiares. A fundação que mantém o museu também desenvolve amplo trabalho educativo, contando a história de Anne Frank e educando as novas gerações nos ideais da paz e da tolerância. Tivemos a oportunidade de visitar a casa e gostaríamos de deixar nossa sincera homenagem a este belíssimo trabalho. Para maiores detalhes sobre a vida de Anne Frank e os anos trágicos da II Guerra Mundial sugerimos uma visita ao site e a leitura de seu diário.

(Publicado no Boletim GEAE Número 462 de 2 de setembro de 2003 )