Charles Kempf
Traduzido por : Paulo A. Ferreira
Revisado por : Lucia F. Ferreira
INTRODUÇÃO
As palavras espiritualismo e espiritualista têm uma acepção muito geral: qualquer um que acredite ter em si outra coisa além da matéria é espiritualista. Ao contrário, os termos ESPIRITISMO e ESPÍRITA são neologismos, isto é, palavras inventadas por seu codificador, Allan Kardec.
Allan Kardec definiu o Espiritismo como “uma ciência que trata da natureza, da origem e do destino dos Espíritos, e de suas relações com o mundo corporal”.
O Espiritismo é então bem definido como uma ciência. Mas se distingue das disciplinas científicas já estabelecidas e estudadas nas academias pelo objeto de seus estudos: o elemento espiritual.
Para ilustrar este ponto, tentaremos inicialmente identificar, em um breve resumo histórico, os elementos que caracterizam o Espiritismo. Em seguida, faremos um paralelo com alguns conceitos clássicos e modernos da ciência, para mostrar as ligações e as diferenças com relação ao Espiritismo. Por fim, abordaremos os diversos aspectos do conhecimento.
HISTÓRICO DAS APARIÇÕES E DO DESENVOLVIMENTO DO ESPIRITISMO
A partir de 1847, o lar da família Fox, em Hydesville no Estado de New York, foi perturbado por ruídos inexplicáveis, que tiravam o seu sono.
Em 31 de Março de 1848, a caçula da família, Kate Fox, teve a idéia de abrir um diálogo com o que se podia chamar a “causa” dos barulhos, estabelecendo convenções rudimentares (o número de batidas identificava a letra do alfabeto). A “causa” então respondeu, apresentando-se como o espírito de uma pessoa falecida, dando seu nome e sua história. Esses elementos, ignorados pelos assistentes, puderam ser verificados, pelo menos parcialmente. Kate Fox havia então descoberto o que parecia ser um meio de comunicação entre os dois mundos.
A série desses eventos, o exame rigoroso que foi feito (pelo menos três comissões foram nomeadas), assim como as acusações e as perseguições nascidas dos fanatismos religiosos, tiveram uma grande repercussão na Europa.
O fenômeno das mesas girantes decorreu por volta de 1850, expandindo-se largamente pelo mundo, e confirmava a hipótese da manifestação de forças inteligentes intervindo sobre o plano físico. É a própria mesa que indica um método permitindo obter a escrita, meio de comunicação mais prático e rápido. Mais tarde, se constatou que a escrita podia ser obtida diretamente por intermédio da mão dos médiuns, e as comunicações se realizar diretamente pela voz dos médiuns. Muitos outros fenômenos foram produzidos, como a escrita direta sobre ardósias ou sobre papel encerrado em caixas seladas, clarões luminosos, etc, e isso ao mesmo tempo e por toda parte no mundo.
Esses fenômenos se transformaram em moda e passa-tempo. Em conseqüência, foram freqüentemente acolhidos com grande incredulidade, mas atraíram também a atenção dos homens de ciência, que se puseram a observar e estudar seriamente a fenomenologia mediúnica, descartando rapidamente a hipótese de fraudes.
Entre eles figura Hippolyte Rivail, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Allan Kardec. Nascido em Lyon em 1804, ele estudou em Yverdun, na Suíça, no Instituto de Henri Pestalozzi. Rivail começou sua carreira como professor de letras e de ciências. Excelente pedagogo, publicou diversos livros didáticos e contribuiu para a reforma do ensino francês.
Foi em 1854 que ele ouviu falar das mesas girantes e das manifestações inteligentes. Cético de início adotou, entretanto, uma atitude correta ao aceitar assistir às experiências, empreendendo depois seus sérios estudos do Espiritismo. Sem nunca elaborar uma teoria preconcebida ou prematura, aplicou o método experimental pela observação rigorosa e meticulosa dos fenômenos.
Analisando não somente o aspecto externo dos fenômenos, mas também o teor muito coerente das melhores comunicações recebidas, ele aplicou o princípio da causalidade: os efeitos inteligentes devem ter uma causa inteligente. Esta causa inteligente definiu a si mesma como sendo um espírito, ou princípio inteligente dos seres humanos, sobrevivendo à morte que não é senão a destruição do corpo físico. Mas “o Espiritismo não concluiu pela existência dos Espíritos senão quando essa existência se ressaltou como uma evidência da observação dos fatos e, também, de outros princípios”. 2
Allan Kardec rapidamente descartou a infalibilidade dos espíritos, que não sabem mais do que quando estavam encarnados entre os humanos. Não é por estarem mortos que devem tudo saber. Todavia, constatou que alguns dentre eles possuíam um nível intelectual e moral bem acima da média terrestre, que “se exprimiam sem alegorias, e davam às coisas um sentido claro e preciso que não pudesse estar sujeito à uma falsa interpretação.“3 Além disso, seus ensinamentos lógicos clareavam, confirmavam e sancionavam por provas o texto das escrituras sagradas e noções filosóficas por vezes muito antigas. Os fenômenos sendo naturais e universais, remontam à noite dos tempos.
Por um trabalho de observação e análise metódica, multiplicando as fontes (50.000 mensagens) e os médiuns, comparando as mensagens e passando-as sob o crivo da razão e do bom senso, Allan Kardec organizou e triou os ensinamentos dos espíritos, e os publicou em 18 de Abril de 1857 no “O Livro dos Espíritos”. Esse livro contém “os princípios da doutrina Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o porvir da humanidade, segundo o ensinamento dado pelos espíritos superiores.”
Este último ponto é importante, porque precisa que a Doutrina Espírita não é uma concepção pessoal de Allan Kardec. Ele não é nem “fundador’ nem “papa” do Espiritismo, mas “Codificador da Doutrina Espírita”. Seguindo o mesmo princípio, entre 1857 e 1869, ano de sua desencarnação, Allan Kardec completou “O Livro dos Espíritos” por outras obras, que são:
- “O Livro dos Médiuns”, precisando a teoria dos fenômenos e das manifestações;
- “O Evangelho segundo o Espiritismo”, dando a explicação das máximas morais do Cristo de acordo com o Espiritismo, explorando suas repercussões filosóficas e éticas;
- “O Céu e o Inferno” ou a justiça divina segundo o Espiritismo, que explora igualmente as repercussões filosóficas do Espiritismo no domínio da ética, e completa a base experimental;
- “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”, aprofundando vários pontos da teoria.
Voltaremos sobre as idéias de Kardec no desenvolvimento dessa exposição.
Outros homens de ciência igualmente estudaram esta fenomenologia, desafiando, por vezes, a conspiração do silêncio e mesmo o descrédito das ciências “oficiais” e suas academias.
Em 1853, Robert Hare, professor de química na Universidade de Pensilvânia, quis desmascarar “a ilusão dos fenômenos de Hydesville”. Em 1855, após numerosas e meticulosas experiências, ele reconheceu sua autenticidade, publicando o livro “Experimental Investigation of the Spirit Manifestation”.
A Sociedade Dialética de Londres nomeou uma comissão em 1869 para fazer a verificação dos fenômenos espíritas. Dezoito meses mais tarde, esta comissão reconheceu sua autenticidade.
Alfred Russel Wallace, colaborador de Charles Darwin, afirmou em 1874: “Os fatos são coisas teimosas, dos quais não podemos nos desembaraçar segundo a nossa vontade. Não é exagero afirmar que os fatos principais estão hoje tão bem caracterizados e são também tão facilmente verificáveis quanto quaisquer outros fenômenos excepcionais da Natureza, ainda não reduzidos a uma lei”.
William Crookes, prêmio Nobel de física, conduziu pesquisas intensas entre 1870 e 1876, notadamente sobre os fenômenos de ectoplasmia, obtendo a materialização completa do espírito de Kate King. Ele afirmou, na academia de Londres, diante dos sorrisos maliciosos de seus colegas: “Eu não disse que isso é possível, disse que é”. Mais tarde, descobriu o Tálio, inventou o tubo de Crookes, o que levou à descoberta do elétron, dos raios X e do tubo catódico…
Em 1877, Zöllner, professor de Física e de Astronomia na Universidade de Leipzig, ao lado de William Edward Weber, professor de Física, de Scheibner, professor de matemática e de Gustave Theodore Fechner, professor de Física e filosofia naturalista, se declararam “perfeitamente convencidos da realidade dos fatos observados (com o médium Slade), e de que aí não havia nem impostura nem prestidigitação”.
Depois, em 1882, a Sociedade de Pesquisas Psíquicas (S.P.R.) de Cambridge estudou numerosos fenômenos, entre os quais várias centenas de casos de aparições, publicando regularmente o relatório de suas atividades (proceedings). Frederic Myers, psicólogo, aí participa no estudo do fenômeno da telepatia, qualificada de “fato incontestável“.
O Doutor Gustave Geley, professor da Faculdade de Medicina de Lyon, estudou o ectoplasma e os fenômenos de materializações. Obteve moldagens de cera, impossíveis de serem reproduzidas por outro processo e que estão conservadas no Instituto Metapsíquico International em Paris.
Por causa da intolerância das academias oficiais, o Doutor Paul Gibier, membro da S.P.R., teve de abandonar sua pátria, e se tornou diretor do Instituto Pasteur em New York.
Charles Richet, professor da Faculdade de Medicina de Paris, prêmio Nobel de Fisiologia e autor do “Tratado de Metapsíquica”, participou nas experiências de Geley e naquelas da Comissão de Milão em 1892, com Cesare Lombroso, antropologista professor na Faculdade de Medicina de Turin, Alexander Aksakof, sábio russo conselheiro do tzar, e Carl du Prel, filósofo de Munich. Trouxe com ele, em 1894, a médium Eusapia Paladino, em companhia de Oliver Lodge, médico inglês, e de Frederic Myers. Este último chegou à conclusão de que a hipótese espírita era a única capaz de dar conta de todos os fenômenos que havia observado. Oliver Lodge afirmou que “a sobrevivência está cientificamente provada por meio da investigação científica”.
Charles Richet igualmente participou nos trabalhos da comissão de estudos científicos em 1898, com Camille Flammarion, astrônomo francês, e o Coronel Albert de Rochas, diplomata e administrador da Escola Politécnica. Este último realizou numerosas experiências sobre o magnetismo, o sonambulismo, a exteriorização da sensibilidade (desdobramento) e a motricidade assim como a levitação. Deve-se a ele a afirmação seguinte: “Esses fenômenos extraordinários (exteriorização da sensibilidade), dos quais o simples enunciado basta para exasperar aqueles que se consideram cientistas… não são para nós senão uma extensão do que temos observado, e sobre os quais, hoje, a dúvida não é mais possível”.
Camille Flammarion por muito tempo estudou e contribuiu para vulgarizar os fenômenos espíritas, escrevendo várias obras. Estabeleceu a existência da telepatia no momento da morte. Deve-se a ele a citação seguinte: “Não hesito em dizer que aquele que declara os fenômenos Espíritas contrários à ciência, não sabe do que fala. Com efeito, na natureza, não há nada de sobrenatural; há o desconhecido, mas o desconhecido de ontem torna-se a realidade de amanhã”.
Gabriel Delanne, engenheiro formado pela Escola Central das Artes e Manufaturas, estudou os fenômenos entre 1874 e 1926. Pesquisador infatigável merece um lugar de honra em razão de sua impressionante bibliografia de oito obras muito precisas e detalhadas sobre o Espiritismo científico e experimental.
Por sua parte, Léon Denis, orador incomparável e grande estudioso da fenomenologia, desenvolveu consideravelmente as conseqüências no plano filosófico e ético.
Citamos igualmente Ernesto Bozzano, etnólogo, Sir Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes e autor de “The History of Spiritualism” (A História do Espiritismo), etc.
Precisaríamos de várias páginas para dar uma lista completa de todos os intelectuais que se têm debruçado sobre as relações entre os vivos e os chamados mortos. Todos esses pesquisadores eminentes da fenomenologia espírita teriam sido alvo de zombarias?
É mais fácil falar do que demonstrar, levando-se em conta a riqueza, a extensão e a força das mensagens que nos legaram. “Seu caráter e seu saber são tão valiosos que se pode dizer: depois de tudo que tais homens afirmaram, é possível que realmente haja alguma coisa. É preciso primeiramente ter em conta o caráter das pessoas e o interesse que elas poderiam ter em ludibriar. Seria isso então uma diversão? Pode-se até se divertir por um instante, mas uma diversão indefinidamente prolongada seria tão fastidiosa para o mistificador quanto para o mistificado. Teríamos, além disso, uma mistificação que se propaga de uma extremidade do mundo à outra, e entre as pessoas mais sérias, mais honoráveis e mais esclarecidas; algo que seria pelo menos tão extraordinário quanto o próprio fenômeno”4. Onde há fumaça, há fogo…
Por outro lado, tiveram os críticos o trabalho de estudar os fatos aparentemente estranhos e de uma ordem nova? Se esses fatos se produzem, seguem forçosamente uma lei natural, e segundo a metodologia moderna, as atitudes ou precauções sistemáticas são recomendadas.
A História das Ciências nos dá numerosos exemplos de descobertas que necessitaram de um longo período de lutas para vencer a resistência e mesmo a oposição da maioria ancorada às idéias em vigor.
No século XX, o Espiritismo conheceu um desenvolvimento importante no Brasil onde hoje mais de uma dezena de milhões de Espíritas freqüentam mais de 5500 associações. Os Espíritas pertencem a todas as classes sociais, dos mais modestos aos mais intelectuais. Há associações espíritas nas favelas, no meio dos operários, nas universidades, entre os médicos, psicólogos, psiquiatras, profissionais da comunicação, filósofos, militares, etc. Numerosas obras complementares cobrindo todos os aspectos da pesquisa e das aplicações da doutrina espírita têm sido publicadas.
Certamente o Espiritismo conheceu um desenvolvimento mais lento nos países industrializados, onde as tradições religiosas, a indiferença dos homens e seu apego às coisas materiais são mais fortes.
Os Espíritos o haviam pressentido afirmando que « Seria conhecer bem pouco os homens, pensar que uma causa qualquer pudesse transformá-los como por encanto. As idéias modificam-se pouco a pouco, conforme os indivíduos, e são necessárias gerações para apagar completamente traços de velhos hábitos. A transformação pode operar-se então apenas a longo prazo, gradualmente e passo a passo; em cada geração, uma parte do véu se dissipa; o Espiritismo o vem romper completamente; mas no entanto, se tivesse por efeito corrigir um só defeito que fosse em um homem, isso já seria um passo que teria dado, e por isso mesmo um grande bem, porque esse primeiro passo tornaria os outros mais fáceis. »
Na Europa e nos Estados Unidos, o longo período de desenvolvimento industrial desemboca atualmente em uma espécie de desencantamento e em um período de crise e se denota uma recuperação do interesse para as questões espirituais. Nos meios científicos, a Nova Gnose (Princeton), nascida nos anos 70, se vê religiosa no seu espírito, de resto estritamente científico.
No meio médico, o magnetismo animal retorna com força, como também as experiências de morte iminente, a acupuntura, a hipnose, etc.
Todavia, é imperativo distinguir os trabalhos sérios daqueles com fins comerciais, sensacionalistas, sectários, esotéricos ou provenientes de autores sem conhecimento de causa ou navegando em meio a sofismas.
Entre as diversas atividades da União Espírita Francesa, o Grupo Espírita Amor e Paz e o Centro de Hénin Beaumont realizam atualmente pesquisas sobre a Transcomunicação Instrumental, que serão objeto de uma apresentação específica.
Outros centros realizam experiências de fotografia transcendental.
O ESPIRITISMO FACE AOS CONCEITOS CLÁSSICOS E MODERNOS DA CIÊNCIA
A Ciência é geralmente definida como “um conjunto de conhecimentos sobre um determinado objeto, obtido por certos critérios metódicos e sistemáticos, em um sistema construído logicamente”. A física é o exemplo típico.
Não desejamos entrar aqui nos debates filosóficos sobre a validade dos conceitos e dos métodos científicos, o que está longe de ter unanimidade. Com efeito, “este ramo da filosofia tem evoluído bastante nos quatro últimos decênios, nos oferecendo hoje uma concepção da ciência muito mais fiel à sua história”6.
Limitar-nos-emos a apresentar sumariamente certos conceitos e depois examinaremos suas relações com o Espiritismo.
CONCEITOS CLÁSSICOS
Entre o século XVI e meados do século XX, a Ciência estava caracterizada pela adoção do “método racional” ou “método científico”. Leonard da Vinci, Pascal, Bacon, Lavoisier, Descartes e Newton sublinharam a regra fundamental da experiência e da observação nas ciências da natureza. Nenhuma hipótese deveria intervir durante a observação, as leis eram deduzidas a posteriori. O método experimental tem sido estendido a diversos setores, desde a biologia à fisiologia. Estes conceitos clássicos predominam ainda em nossos dias no público e subsistem mesmo entre os cientistas.
Allan KARDEC afirma que “o Espiritismo não coloca como princípio absoluto senão o que está demonstrado como uma evidência, ou o que ressalta logicamente da observação”7. “Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma maneira que as ciências positivas, isto é, aplica o método experimental. Fatos de uma ordem nova se apresentaram que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele as observa, compara, analisa, e, dos efeitos remonta às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz as conseqüências e busca aplicações úteis “8.
Kardec emprega a expressão “ciência positiva“, mas isso não significa que o Espiritismo aceite a metodologia e a ideologia positivista de Auguste Comte.
Com efeito, nesta época, a Ciência estava se impondo no centro do conhecimento humano. As leis novas não podiam ser incompatíveis com as leis estabelecidas. Estavam presas nas verdades absolutas, inquebrantáveis, que não se tinha mais necessidade de questionar: segundo o positivismo de Auguste Comte, uma vez o conhecimento tivesse sido estabelecido, apenas teria que progredir. O determinismo de Laplace, o atomismo, o cientificismo estava florescendo, e pretendia-se que a ciência poderia explicar e prever todos os fenômenos naturais. Não havia mais necessidade de se considerar a noção de divindade. Tinha-se mesmo chegado a invocar a idéia de que “a ciência tinha chegado ao seu fim” (Marcelin Berthelot).
Allan Kardec soube evitar este escolho, perguntando humildemente àqueles que pretendiam deter o privilégio da verdade: “Qual é o homem que pode gabar-se de possuir tudo, quando o círculo dos conhecimentos cresce sem cessar, e as idéias se retificam a cada dia?“9
Entrevendo no Espiritismo uma nova ordem de fatos e idéias, Kardec abriu uma nova via. Ele soube comparar, refletir, aplicar o método experimental e estruturar um pensamento progressista sobre a questão espiritual: “O objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual, (…) uma das forças da natureza, que reage incessante e reciprocamente sobre o princípio material.”10
Mas os fatos espíritas “têm por agentes inteligências que têm sua independência, seu livre-arbítrio e escapam por isso aos nossos procedimentos de laboratório e aos nossos cálculos, e assim não são mais da alçada da ciência propriamente dita.”11
Reconhecendo as qualidades da Ciência como escola de abertura e de humildade, e consciente da falibilidade do conhecimento humano, Kardec afirma todavia que “o Espiritismo e a Ciência se completam um ao outro: a Ciência, sem o Espiritismo, se encontra impotente para explicar certos fenômenos somente pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltaria o apoio e o controle.”12
CONCEITOS MODERNOS
No século XX, a Mecânica Relativista e a Física Quântica balançaram as teorias clássicas, que passaram a ser vistas como idealizações que só podem ser aplicadas dentro de certos limites. O espaço e o tempo perderam seu caráter absoluto. Com o advento do Princípio da Incerteza de Heisenberg, os raciocínios clássicos, baseados na exatidão, pouco a pouco cederam terreno aos raciocínios probabilísticos. Esta época marca então um giro na história das ciências. A revisão radical dos conceitos fundamentais recolocou em pauta um bom número de princípios filosóficos ligados à ciência e à metodologia, acarretando as crises do positivismo e do determinismo. “Nenhuma lei teórica pode sair de um conjunto de fatos de maneira lógica e infalível”.
Segundo Paul Langevin, “os físicos têm sido obrigados a refletir de forma mais precisa na maneira como trabalham e na filosofia de sua ciência”. Assim, houve uma reaproximação entre a ciência e a filosofia. Isoladamente, ninguém pode reivindicar a hegemonia no domínio do conhecimento. No livro “A lógica da descoberta científica”, de Karl Popper, filósofo britânico, foi introduzido em 1934 ocritério da falibilidade: uma lei científica é válida até que os fatos provem onde e como ela é falsa. Ela então não tem mais necessidade de ser inquebrantável para ser científica (o que está conforme ao princípio da humildade).
Em 1962, Thomas Kuhn, professor de Física do MIT (Universidade de Massachusetts), apaixonado pela história e filosofia da Ciência, publicou “A Estrutura das Revoluções Científicas”. Ele introduziu o conceito de paradigma (modelo). “Os paradigmas são descobertas científicas universalmente reconhecidas que, por um tempo, fornecem a uma comunidade de pesquisadores problemas típicos e soluções”. A ciência progride por revoluções, onde as certezas científicas e os paradigmas devem ser revistos e numerosos fundamentos perdem sua validade.
As idéias de Imre Lakatos caminham no mesmo sentido. Segundo ele, a ciência se desenvolve segundo um programa científico de pesquisa, que consiste em um núcleo rígido de hipóteses fundamentais, envolvidas por hipóteses auxiliares, ajustando o núcleo central. Esse programa científico evolui, e é dito progressivo se permite explicar novos fatos, e degenerativo no caso contrário. Neste último caso, é preciso elaborar um novo programa de pesquisa.
A ciência moderna tem então evoluído para “um clima de inexatidão racional, compatível com o livre-exame e incompatível com todo princípio que se pretenda absoluto”. 13
Ela reconhece mesmo as hipóteses à priori para preservar as leis em vigor, e a história mostra que isso é produtivo. Foi o caso na hipótese da existência de um corpo celeste influenciando a trajetória de Urano, tendo acelerado a descoberta de Netuno.
Certos cientistas, como Fritjof Capra, são mesmo abertos “ao misticismo, capaz de lhes fornecer a matéria prima para a elaboração de hipóteses experimentais”.14 Professor de Física na Universidade de Berkeley na Califórnia, Capra declarou em 1975, em seu livro “O Tao da Física”, que “o método científico de abstração é muito eficaz e possante, mas não devemos lhe pagar o preço. À medida que definimos mais precisamente nossos sistemas conceituais, que traçamos um perfil e elaboramos relações mais e mais rigorosas, cada vez mais eles se desligam do mundo real.” Dito de outra forma, os cientistas, para manipular a Natureza das coisas, devem utilizar modelos tão complexos que não são mais acessíveis senão à uma elite, se afastando então do mundo dos sentidos comuns…
Capra afirma que existem outras aproximações possíveis da realidade. Cita o misticismo oriental: com a intuição liberada e isenta do conservadorismo da linguagem e das percepções restritas dos sentidos, o homem oriental percebe a verdadeira natureza das coisas. Segundo Capra, a Física moderna se aproxima desse estado de espírito.
Paul K. Feyerabend, físico ensinando na Universidade de Berkeley na Califórnia e na Universidade de Zurich, colaborador de Thomas Kuhn, sublinha as restrições da metodologia científica, e toma mesmo posição contrária em seu livro “Contra o método”. A Ciência não seria senão uma ideologia, pura formalização de conceitos simbólicos aceitos por uma comunidade para propor e abordar uma certa ordem de fatos. Afirma, também, “que é preciso em nossas invenções um novo sistema conceitual, que suspenda os resultados já cuidadosamente estabelecidos das observações, ou que com eles se choquem; um sistema que confunda os princípios teóricos mais plausíveis, e que introduza percepções que podem não fazer parte do mundo percebido já existente”.Dito de outra forma, a multiplicidade das aproximações metodológicas é a melhor maneira de produzir um conhecimento científico; “O único princípio que não inibe o progresso é: tudo é permitido”.Entendamos por isso que os preconceitos e a dificuldade em se colocar algo em questão são um freio ao progresso científico.
Enfim, notemos que essas idéias são próximas daquelas na base das técnicas criativas modernas, chamadas “brain storming” nos países de influência inglesa (remue méninges). Seu princípio de ação está longe de ser elucidado, mas dão resultados e já são largamente utilizados. Os participantes das seções de criatividade recusam a censura, devem fazer abstração dos bloqueios (culturais, perceptivos, etc.), tabus e idéias já recebidas, afim de se colocar em um estado mais favorável possível à inspiração e à produção de idéias. As seções são por vezes organizadas após uma noite de incubação do problema a ser tratado (a noite então traria efetivamente conselhos…).
As concepções modernas sobre a metodologia tendem então à relativizar e à desmistificar o conhecimento científico, considerado como uma aproximação, entre outros utilizados pelo homem para representar e manipular o universo onde ele vive. Certamente, o conhecimento científico é reconhecido e respeitado sob numerosos aspectos, mas sem o espírito de sistema que pretende, de forma absoluta, submeter tudo à estreiteza analítica de uma metodologia.
O objeto dos estudos do Espiritismo sendo diferente daquele das ciências materialistas, não há lugar para os comparar diretamente, salvo nas interfaces ou nos pontos comuns. A coerência de conjunto entre a Doutrina Espírita e as outras ciências permanece intacta, mesmo após este período de revolução científica, tanto pelo conteúdo dos princípios quanto pela metodologia.
Certas revelações dos Espíritos, anteriores a 1857, parecem mesmo estar ainda mais adiante. Por exemplo, à questão n°22 do Livro dos Espíritos:
“Define-se geralmente a matéria como: o que se ouve, o que pode causar impressão sobre nossos sentidos e o que é impenetrável; essas definições são exatas?”
Os espíritos respondem:
«No seu ponto de vista, isso é exato porque vocês falam apenas daquilo que conhecem, mas a matéria existe em estados que são desconhecidos para vocês; ela pode ser, por exemplo, de tal forma etérea e sutil, que não faça nenhuma impressão sobre os sentidos, entretanto é sempre matéria, embora para vocês assim não seja. »
Da mesma forma, respondendo à questão n°27, os espíritos revelam a existência de um fluido universal, cujas modificações seriam a origem da matéria tangível, de sua massa, das forças de gravitação e das interações, assim como de outras propriedades físicas. Essas revelações não estão em contradição com as leis físicas conhecidas, como a lei da relatividade (a célebre fórmula E=mc2), enunciada 50 anos mais tarde. Elas poderiam simplesmente sugerir que esta lei não se aplica senão à matéria sob a forma que conhecemos, mas não, por exemplo, ao pensamento ou à matéria que reveste os espíritos. Esses últimos afirmam poder percorrer, quase instantaneamente, grandes distâncias e ter uma noção do tempo diferente da nossa.
Por outro lado, os pesquisadores estão sempre em busca da Teoria da Grande Unificação, da massa faltante do Universo, da explicação da gravidade, da estrutura íntima da matéria, da significação intrínseca das constantes como a da gravitação (G), a constante de ação de Plank (h), a velocidade da luz no vácuo (c), a temperatura do zero absoluto, etc. É pena que explorem muito pouco o filão das idéias reveladas pelos espíritos e conhecidas por outras religiões orientais.
No que concerne à metodologia, Kardec tinha sublinhado, desde 1857, a necessidade de desmistificar o saber totalitário das corporações científicas afirmando que, para muita gente, a oposição do corpo de sábios é, se não uma prova, pelo menos uma forte pretensão contrariada. Não somos daqueles que criam um reboliço contra os sábios, porque não queremos que digam de nós que damos coices: ao contrário, os temos em grande estima, e ficaremos fortemente honrados em contá-los entre nós; mas sua opinião não poderia ser, em todas as circunstâncias, um julgamento irrevogável. (…)
Para coisas de notoriedade, a opinião dos sábios fazem fé, com justiça, porque que eles sabem mais e melhor do que o vulgo; mas tratando-se de princípios novos, de coisas desconhecidas, sua maneira de ver é sempre apenas hipotética, porque eles não estão, mais que os outros, isentos de preconceitos.”15
Por outro lado, sublinhando o caráter progressista do pensamento espírita, Kardec se separa do positivismo. Ele entreviu a idéia do critério da falibilidade de Popper, como o princípio das hipóteses auxiliares ajustando o núcleo central estável, segundo as concepções de Lakatos, acrescentando:
“O Espiritismo, caminhando com o progresso, não será jamais ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro sobre um ponto, ele se modificará sobre esse ponto; se uma nova verdade se revelar, ele a aceitará.“16
Os fatos espíritas existiram em todos os tempos, mas Allan Kardec os codificou com precisão, estabelecendo princípios teóricos, métodos, critérios e valores para as pesquisas e mesmo vários exemplos concretos de problemas resolvidos pela teoria espírita. Uma análise mais detalhada17 permite afirmar que ele nos legou, assim, um verdadeiro paradigma científico, no sentido dado por Kuhn, que não deixa nada a invejar aos outros paradigmas científicos como a termodinâmica, a mecânica relativística, etc.
Da mesma forma, o Espiritismo tem todas as características de um programa científico de pesquisa progressiva, constituindo uma ciência legítima segundo Lakatos. “Seu núcleo de princípios fundamentais está ligado à existência, à preexistência e à sobrevivência do espírito, sua evolução, seu livre arbítrio, à lei de causalidade, etc.”18 Os princípios auxiliares concernem à natureza do perispírito, à reencarnação, à condição do espírito após a morte e religam os princípios fundamentais aos fenômenos.
Todavia, o paradigma espírita não sofre de nenhuma acumulação de anomalias, e apresenta uma grande estabilidade. Ele é mesmo um núcleo de princípios fundamentais, que não é degenerativo. Pode-se tentar explicar pelas seguintes razões:
- A maior parte dos princípios espíritas é deduzida de uma multiplicidade de fenômenos por uma observação empírica direta. Eles não necessitam de teorias ou de aparelhagens complexas para uma observação indireta, como é o caso da Física que é mais vulnerável. A Doutrina Espírita foi expressa em termos simples, acessíveis à maioria.
- Inspirado pela espiritualidade, Kardec possuía um sentido científico e filosófico avançado para sua época, como o demonstram sua obra e a pertinência de certas dissertações explícitas sobre o método científico19, mesmo após quase 140 anos.
- O Espiritismo constitui uma revelação cujo caráter está claramente definido por Kardec20:
“Por sua natureza, a revelação espírita tem um duplo caráter: consiste ao mesmo tempo da revelação divina e da revelação científica. O primeiro, porque seu advento é providencial, e não o resultado da iniciativa ou de um propósito premeditado pelo homem; porque os pontos fundamentais da doutrina são de fato o ensinamento dado pelos Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens sobre as coisas que ignoram, que não poderiam aprender por si mesmos, e que lhes importa conhecer, hoje que já estão maduros para os compreender. O segundo, porque este ensinamento não é o privilégio de nenhum indivíduo, mas é dado a todos da mesma forma; porque aqueles que o transmitem e os recebem não são absolutamente seres passivos, dispensados do trabalho de observação e de pesquisa; porque não devem abnegar de seu julgamento e de seu livre arbítrio; porque o controle não lhes está interdito mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a doutrina não foi de forma alguma ditada integralmente, nem impõe a crença cega; porque ela é deduzida pelo trabalho do homem, pela observação dos fatos que os Espíritos colocaram sob seus olhos, e pelas instruções que lhes deram. Essas instruções ele estuda, comenta, compara, tirando então, por si mesmo, suas conseqüências e aplicações. Em uma palavra, o que caracteriza a revelação espírita, é que a fonte é divina, a iniciativapertence aos Espíritos, e sua elaboração vem do trabalho do homem.”
Dizendo que os fundamentos de base do Espiritismo são revelados pelos Espíritos, Kardec os coloca além da percepção humana, em um nível de percepção mais extenso que é aquele dos Espíritos liberados do corpo físico. Isto é confirmado pela afirmação seguinte de Feyerabend: “Não podemos descobrir o mundo interior. Falta-nos uma norma crítica externa; um jogo de hipóteses sobressalentes; mas, como estas hipóteses seriam muito gerais e constituiriam, por assim dizer, um universo inteiro de trocas, nos falta um mundo onírico para descobrir as características do mundo real em que acreditamos habitar”.
Todavia, o modelo enunciado pelos Espíritos e codificado por Kardec não provém de um mundo onírico, mas de um mundo bem real. Submetendo-se a conceitos externos, fora do mundo material, os homens podem se informar sobre “coisas que ignoram, que não poderiam aprender por si mesmos, e que importa conhecerem, hoje que estão maduros para os compreender“: essas são as coisas espirituais.
Kardec diz igualmente que “até que surja um fato novo que não ressalte de nenhuma ciência conhecida, o sábio, para estudá-lo, deve fazer abstração de sua ciência e reconhecer que é para ele um estudo novo que não pode ser feito com idéias preconcebidas. “21
Não estaria isso de acordo com um dos princípios de base das técnicas de ‘brain storming’, onde se liberam idéias preconcebidas para resolver problemas difíceis?
ASPECTOS DO CONHECIMENTO
CIÊNCIA
O Espiritismo possui então certas características da ciência: ele aplica o método experimental, vai às causas e às leis que regem os fenômenos, encoraja a objetividade, o espírito crítico e o desinteresse.
“Certamente, se dirá que os seres são um pouco especiais e os eventos mais que insólitos. A isto, é fácil responder. O estudo dos desencarnados não pode ser do domínio da biologia ou das ciências naturais. Quanto aos eventos (as relações dos humanos com os Espíritos), eles não são do domínio da história ou da sociologia. E, contudo, esses seres e eventos existem” 22. “E, contudo, se movem?” acrescenta Kardec ao assunto das mesas, parafraseando Galileu. “Os fatos não cessam de existir porque se os ignora” acrescenta Aldous Huxley.
Kardec “antecipou a pós-modernidade científica”, tratando os temas espirituais com a mesma razão que se aplica às questões materiais, demonstrando experimentalmente a existência do espírito, sua natureza, sua evolução contínua ao curso das reencarnações sucessivas, etc.
A metapsíquica e as diversas correntes da parapsicologia estudam em parte os mesmos fenômenos que o Espiritismo, e certamente com outro tanto de rigor por seu aspecto tangível. Todavia, essas disciplinas têm apresentado falhas das quais citamos aqui alguns exemplos 23:
- elas acumulam os fatos, segundo as antigas concepções clássicas, sem elaborar um corpo teórico diretor;
- limitam-se, voluntariamente, à seu aspecto externo e à hipótese materialista, mas as explicações, quando fornecidas, são freqüentemente isoladas, formando um conjunto amorfo. Por vezes, são puramente nominais;
- as hipóteses são, por vezes, muito abstratas e ainda mais fantásticas que os fatos que elas procuram explicar24;
- não levam sempre em conta todos os fenômenos; freqüentemente, fatos importantes não são reconhecidos, seja pela ausência de teoria diretriz, seja pelas idéias preconcebidas ou pela negação a priori da sobrevivência do ser;
- privilegiam por vezes o aspecto quantitativo, pelo viés dos equipamentos, sem se assegurar previamente de sua validade para o aspecto qualitativo;
- numerosas obras sobre essas questões demonstram, da parte de seus autores, um certo menosprezo pelo passado, e uma tendência à retomar as pesquisas à partir do zero;
- enfim, os fatores de ordem moral ou ética são raramente levados em consideração.
O Espiritismo demonstra que, devido à independência dos espíritos, o meio e a harmonia dos pensamentos têm uma enorme influência sobre a natureza das manifestações inteligentes, e o experimentador deve levar isso em conta.
FILOSOFIA
Vimos que as descobertas do início do século XX tiveram conseqüências filosóficas, causando assim uma reaproximação entre a ciência e a filosofia. O Espiritismo é bem uma ciência, segundo os critérios modernos da metodologia, o que mostra que o sentido filosófico de Allan Kardec era muito avançado para seu tempo.
Pelo diálogo ou pelas trocas mediúnicas entre o mundo espiritual e o mundo corporal, o Espiritismo “explica, em virtude de uma lei, certos efeitos reputados até hoje como milagres e prodígios, e dessa forma demonstra sua possibilidade. Alarga assim o domínio da ciência, por isso que ele mesmo é uma ciência; mas a descoberta desta nova lei acarreta conseqüências morais e, simultaneamente, o código dessas conseqüências constitui de fato uma doutrina filosófica”. 25 Ele “responde às aspirações do homem no que toca ao porvir, sobre bases positivas e racionais, e isso convém ao espírito positivo do século”.
Allan Kardec levou então a reflexão lógica a fundo, para daí deduzir a existência de leis naturais concernentes à natureza do homem, à vida, ao universo, à evolução, etc., codificando assim as bases de uma verdadeira FILOSOFIA.
A cientificidade do Espiritismo e os princípios de base de seu núcleo central residem justamente nesta parte filosófica, que permite explicar os fenômenos e torná-los inteligíveis.
RELIGIÃO / ÉTICA
Além disso, do ponto de vista filosófico, o Espiritismo explica e desenvolve, de maneira simples, clara e lógica, a noção de divindade, os evangelhos e as leis morais.
O movimento atual de certos cientistas em direção aos princípios religiosos e éticos confirma sua necessidade de integrar este aspecto do conhecimento às suas reflexões.
Foi a posteriori que o Espiritismo reconheceu o valor das duas primeiras grandes revelações, de Moisés e de Cristo, demonstrando que elas estão em conformidade com a ciência espírita e as novas revelações dos Espíritos. A revelação espírita é mesmo considerada como a terceira revelação, presidida pelo Consolador, o Espírito de Verdade anunciado por Cristo. Ela confirma e completa as revelações anteriores, “restabelecendo todas as coisas” por uma fé raciocinada, satisfazendo as capacidades intelectuais do ser humano contemporâneo.
“Não há fé inquebrantável senão aquela que pode enfrentar a razão face a face em todas as épocas da humanidade” (Allan Kardec).
“O Espiritismo toca então domínios até agora reservados às religiões. Mas em metodologia, o Espiritismo difere radicalmente das religiões tradicionais, porque rejeita a fé dogmática, a crença cega, as práticas rituais, o culto exterior ou esotérico e o misticismo. “A crise religiosa de nossa época é, de início e sobretudo, uma crise de todos os mitos que contradizem o conhecimento científico” 26.
O Espiritismo reaproxima a Ciência e a Religião, descartando-se primeiramente do espírito de sistema, e em seguida desembaraçando-se dos dogmas e superstições de origem humana para reter apenas a essência. Em conseqüência, o verdadeiro Espírita não se reconhece unicamente por seu conhecimento racional da doutrina Espírita. Sua certeza positiva sobre o porvir, desapegando-se dos fenômenos que atingem seus sentidos, fazem com que se comporte conforme a ética e a moral ensinada por Cristo. Sua máxima é aquela de Allan Kardec:
Fora da caridade, não há salvação !“
porque sabe que seu interesse pessoal não seria servir senão em função de seu ardor pelo interesse coletivo.
CONCLUSÃO
Inquieto quanto ao controle das aplicações militares do átomo, ameaçando a sobrevivência do homem, Einstein sentiu que o conhecimento científico apenas não poderia bastar ao homem, afirmando que: “A Ciência sem a religião é cega; e a Religião sem a Ciência é manca.”
A força do Espiritismo está na integração lógica e racional dos três aspectos do conhecimento: os aspectos científico, filosófico e ético ou religioso.
Allan Kardec teve então a missão “de apresentar uma nova aproximação do conhecimento humano, considerando o homem além dos limites do corpo e deixando entrever o conhecimento sob o ponto de vista do Espírito.”27
A rejeição sem provas ou a recusa em examinar racionalmente o mundo espiritual apresenta o inconveniente de deixar o campo livre ao abuso de todo gênero, geralmente de ordem financeira, e por vezes de forma dramática, explorando a credulidade das pessoas, por práticas sectárias, rituais, místicas ou outras. O Espiritismo traz os elementos lógicos que permitem refutar esses abusos de maneira formal, oferecendo respostas claras e consoladoras à maioria das questões existenciais, tão freqüentes na origem do desespero humano.
O Espiritismo não faz nenhum proselitismo, e não pretende deter a exclusividade da Verdade. Proclama a liberdade de consciência e o direito de livre exame em matéria de fé. Recebe aqueles que vêem a ele voluntariamente, e não procura demover ninguém de suas crenças ou de sua religião. A crença de uma pessoa pouco importa, desde o momento em que ela obre para o bem de seu próximo.
O Espiritismo se dirige àqueles que, estando perdidos ou não estando satisfeitos, procuram algo melhor. Não diz: “Creiam de início, e vocês compreenderão em seguida se puderem”, mas sim:“Compreendam de início, e vocês crerão em seguida se o quiserem”.
O Espiritismo expõe sua doutrina e “se dirige àqueles que são bastante sábios para duvidar daquilo que vêem, e que julgam o porvir pelo passado, não acreditando que o homem tenha chegado ao seu apogeu, nem que a natureza tenha virado a última página de seu livro”. 28
O Espiritismo convida essas pessoas de boa fé a estudá-lo e, conhecendo a causa, criticá-lo procurando as falhas lógicas, comparando, distinguindo, analisando, e submetendo-o ao exame dos fatos e das conquistas das outras ciências. Ele lhes diz, com justiça: “Não se contentem em dizer que isso não é assim, pois seria muito fácil; provem, não pela negação, mas pelos fatos, que isso não existe, que nunca foi e não PODE ser; se não existe, digam, sobretudo, o que haveria em seu lugar; provem, enfim, que as conseqüências do Espiritismo não tornam os homens melhores e, portanto, mais felizes pela prática da mais pura moral evangélica.” 29
Encorajamos essas pessoas, desejosas de se esclarecer, a ler e meditar, não mais que as trinta páginas da Introdução do Livro dos Espíritos, o que lhes confirmará que o objetivo essencial do Espiritismo: não é senão procurar o que pode ajudar ao progresso moral e intelectual dos homens.