No século XIX o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) criou
o super-homem e tentou matar Deus e desencarnou louco. No séc. XX (final do século)
o biólogo Edward O. Wilson em seu livro Consiliência – A Unidade do Conhecimento
(Editora Campus), baseado em novas descobertas da neurobiologia, chegou à conclusão
que a busca de Deus é fruto de uma herança genética dos nossos antepassados.
No início do séc. XX a psiquiatria e a psicologia viam os estudos com as experiências
religiosas com indiferença e remeteram as experiências místicas para o quarto escuro
do inconsciente, isto é, experiência mística seria o mesmo que desvio mental ou
doença mental. Hoje, com as descobertas da neuroteologia, a religião e a fé deixam
o quarto escuro do inconsciente preconceituoso de outrora para fazer parte das experiências
neurológicas e psicológicas, que apontam para uma interação entre espiritualidade
e o cérebro, daí podermos considerar a neuroteologia como uma aproximação da biologia
com a fé.
Na década de 90 foi feita uma pesquisa pelo Instituto Gallup, que apurou o seguinte:
53% dos americanos adultos admitiram terem vivenciado um momento súbito de despertar
espiritual. No Brasil, o Instituto Vox Populi apurou em uma pesquisa que 99% da
população compartilham a crença em Deus. Pelos resultados podemos concluir que as
experiências transcendentais não se limitam apenas aos círculos religiosos.
As pesquisas neuroteológicas foram iniciadas nos anos 70 pelo psiquiatra e antropólogo
Eugene d’Aquili (já desencarnado). No início da década de 90 d’Aquili se juntou
ao radiologista Andrew Newberg, da Universidade da Pensilvânia, que aos 35 anos
tornou-se uma das principais figuras da emergente ciência da neuroteologia, que
explora as ligações entre espiritualidade e o cérebro.
O radiologista Andrew Newberg submeteu a exames tomográficos o cérebro de budistas
tibetanos mergulhados em profunda meditação e um grupo de freiras franciscanas,
que rezavam fervorosamente durante 45 minutos.
O resultado da pesquisa mostrou que as imagens do lobo parietal superior acusavam
uma queda na atividade dessa região, que chegava a ficar bloqueada no momento mais
intenso, isto é, no momento que o meditador experimenta a sensação de iluminação
religiosa. O mais interessante é que essa área do cérebro proporciona ao homem o
senso de orientação no espaço e no tempo. Isso levou os pesquisadores a concluírem
que, privados de impulsos elétricos, os neurônios do lobo parietal desligariam os
mecanismos das funções visuais e motoras do organismo. Isso levou Newberg a dizer:
“O sentimento de unicidade parece paralisar os receptores sensórios da região parietal”.
Exatamente por isso, o cérebro não consegue traçar fronteiras e por isso percebe
o “eu” como um ente expandido, ilimitado e unido a todas as coisas. As imagens dos
lobos temporais, na região do “cérebro emocional”, também conhecida como sistema
límbico, indicam uma atividade intensa dessas áreas durante as experiências contemplativas.
Para ratificar essas experiências Michael Persinger, da Universidade Laurentian,
em Sudbury, no Canadá, inventou uma engenhoca (um capacete) que, através de estímulos
elétricos na base do sistema límbico, pode provocar alucinações ou a sensação de
estar fora do corpo e o senso do divino.
Os resultados dos testes foram apresentados no livro “Why God Won’t Go Away:
Brain Science and the Biology of Belief” (Por que Deus não vai embora: a ciência
do cérebro e a biologia da fé”), ainda sem tradução no Brasil.
Allan Kardec esclarece que “a Ciência e a Religião são duas alavancas da inteligência
humana” porque “uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral.”
Daí conclui que: “Tendo, no entanto, essas leis o mesmo princípio que é Deus,
não podem contradizer-se. Se fossem a negação uma da outra, uma necessariamente
estaria em erro e a outra com a verdade, porquanto Deus não pode pretender a destruição
de sua própria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas
ordens de idéias provém apenas de uma observação defeituosa e de excesso de exclusivismo,
de um lado e de outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância.”
Entre as causas de conflito está o reducionismo (“tendência que consiste em reduzir
os fenômenos complexos a seus componentes mais simples e a considerar estes últimos
como mais importantes que o fenômenos observados”) que é um dos principais argumentos
do materialismo; ora, o Espiritismo é o antípoda do materialismo.
O Livro dos Espíritos na questão 367 aborda o tema materialismo e mostra o erro
do reducionismo científico:
“Unindo-se ao corpo, o Espírito se identifica com a matéria?
– A matéria é apenas o envoltório do Espírito, como o vestuário o é do corpo.
Unindo-se a este, o Espírito conserva os atributos da natureza espiritual.”
O atributo essencial do ser humano é sem dúvida a inteligência, mas a causa da
inteligência não reside no cérebro humano, mas sim no ser espiritual que sobrevive
ao corpo físico.
A neuroteologia na verdade levantou apenas uma ponta do véu, pois a matéria é
como um “vidro muito opaco” que embaça a visão dos cientistas reducionistas. Kardec,
comentando a questão 368, esclarece que: “Pode-se comparar a ação que a matéria
grosseira exerce sobre o Espírito a de um charco lodoso sobre um corpo nele mergulhado,
ao qual tira a liberdade dos movimentos.”
Na questão 369 Kardec pergunta: “O livre exercício das faculdades da alma
está subordinado ao desenvolvimento dos órgãos?” E os Espíritos respondem com
sabedoria: “Os órgãos são os instrumentos da manifestação das faculdades da alma,
manifestação que se acha subordinação ao desenvolvimento e ao grau de perfeição
dos órgãos, como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta própria à sua
execução.”
Bem sabemos que a ciência sempre tentou encerrar o Espírito no cérebro, como
se ele fosse um prisioneiro, para dissecá-lo e provar que o cérebro é a causa de
tudo, mas o Espírito sempre escapa do reducionismo cientificista ileso.
Kardec, conhecedor das idéias de Franz Josef Gall (1758-1828), médico alemão
e anatomista renomado e também fundador da frenologia (“que liga cada função mental
a uma zona do cérebro”), pergunta aos Espíritos: “Da influência dos órgãos se
pode inferir a existência de uma relação entre o desenvolvimento dos do cérebro
e o das faculdades morais e intelectuais?” A resposta não deixa margens para
dúvidas: “Não confundais o efeito com a causa. O Espírito dispõe sempre das faculdades
que lhe são próprias. Ora, não são os órgãos que dão as faculdades, e sim estas
que impulsionam o desenvolvimento dos órgãos.”
Não devemos confundir “alhos com bugalhos!” O Espírito é a causa e o cérebro
a conseqüência.
Bibliografia:
- Revista Superinteressante, edição 168, setembro de 2001, págs 98 e 99)
- Revista Superinteressante, edição 179, agosto de 2002, págs. 58, 59, 60 e
62 - O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec, 110ª edição, tradução de
Guillon Ribeiro, 3/1995, FEB, cap. I, págs. 57 e 58, Aliança da Ciência e da Religião. - Grande Enciclopédia Larousse Cultural, Nova Cultural, 1998, volume 20, pág.
4952. - O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, 30ª edição, tradução de Guillon Ribeiro,
1967, FEB, questões 367, 368, 369 e 370. - Grande Enciclopédia Larousse Cultural, Nova Cultural, 1998, Volume 11, págs.
2572 e 2629.
(Publicado na REVISTA INTERNACIONAL DE ESPIRITISMO, Ano LXXVIII, Nº 02, pág.
89, Março de 2003).