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Para uma manhã de domingo

Luiz Carlos D. Formiga

Antes de entrar no âmago da questão gostaria de deixar algumas premissas:

1. A experimentação é o método ideal de aquisição de conhecimentos positivos.
Obs: Considera-se a experimentação uma observação provocada em condições controladas sob vários conjuntos de fatores.

2. Em ciência o fenômeno deve repetir-se tantas vezes quantas forem necessárias para a verificação do fato. Essa regra geral, no entanto, não é observada nas ciências sociais, nem muito menos podemos reproduzir à vontade os fenômenos astronômicos e meteorológicos.

3. Em ciência usa-se a expressão, até certo ponto estranha, “os resultados sugerem que “. Porque o fornecimento de uma PROVA científica, de uma hipótese, esbarra num número apreciável de outras hipóteses, que também poderiam explicar o fato investigado. É necessário depurar variáveis para chegar-se à hipótese mais provável, aquela capaz de melhor explicar o fenômeno.

4. A ciência é feita com o uso autoconsciente de nossas faculdades mentais, mas o homem não possui uma medida absoluta da verdade, daí a sua relatividade. Assim a ciência é um conjunto de declarações ou afirmações que são assumidas como verdades sobre a realidade.

Os Postulados de Koch (observação ao microscópio, isolamento microbiano em cultura pura, reprodução da doença em modelo animal e reisolamento do mesmo microorganismo, a partir do animal doente) permitiram-lhe confiar nos seus resultados, uma vez que sua conclusão (etiologia bacteriana da tuberculose) era altamente provável e sua negação era altamente improvável. Estava demonstrada a micobacteriose.

Vamos repetir?

Uma PROVA em termos científicos, significa portanto, o processo global através do qual NÓS concluímos que uma declaração é mais aceitável do que sua negação.

Quais as hipóteses do caso SHANTI DEVI (uma investigação sobre reencarnação na Índia)?(*)

1. artifícios hipnóticos, telepáticos ou sugestão; 2. anormalidade mental; 3. hipersensibilidade; 4. fraude, trapaça infantil; 5. chantagem ou 6. reencarnação.

Qual a hipótese mais provável?

Sabemos que para a vida científica é necessária a presença de aptidão para a pesquisa. Por isso nos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado) temos que ser rigorosos na seleção, uma vez que o objetivo é a qualidade, o preparo de investigadores independentes em condições de utilizar a metodologia científica. A falta de orientadores de teses é, ainda hoje, um problema difícil no Brasil.

Observamos que após a realização dos cursos (créditos), na hora de preparar a tese, muitos alunos ainda não perceberam que a pergunta é o mais importante.

Em Doutrina Espírita não podia ser diferente. Por que será que Kardec colocou aquela em primeiro lugar?

Outras questões foram feitas pela banca examinadora, de críticos, incrédulos ou sacerdotes. Mesmo assim houve critério na escolha da ordem das respostas.

Veja como as questões se tornam importantes quando tentamos respondê-las honesta e adequadamente. Aí vai a primeira seguida de umas tantas outras.

Dizem que o Espiritismo como ciência abóia-se nos fatos. A opinião dos cientistas opõe-se a essa afirmação. Por que os homens de ciência não se dedicaram à observação do fenômeno? Se tivessem visto alguma coisa de sério, não se teriam descuidado destes fatos. Não era dever dos cientistas a propagação das luzes, principalmente, naquele momento, quando se lhes era apresentada uma grande oportunidade de oferecer ao mundo uma nova ordem de idéias, um novo poder?

O leitor já havia pensado nisso?

Retirando a suposição de charlatanismo (fraude) e admitindo a honestidade do médium, não se poderia supor que seja vítima de alucinação?

Os espíritas dizem: “se todo efeito tem uma causa, todo efeito inteligente tem uma causa inteligente”. Mas se há uma força inteligente, esta não será apenas reflexo da inteligência do médium ou dos assistentes?

Vamos a outra! Os incrédulos desejam fatos positivos. Como é que tantas pessoas, apesar da sua boa vontade, nada puderam observar? Certamente os espíritos desejam fazer adeptos. Porque não se dedicam a convencer pessoas cuja opinião seria de grande influência? E nestas, o leitor, já havia pensado?

Antes de iniciar estudo mais aprofundado, certas pessoas desejariam ter a certeza de não estarem perdendo tempo. Contra fatos não existem argumentos, por isso pedem um fato concludente, que não se importariam de constatar “a peso de ouro”. Você pode ser o meu intermediário na obtenção deste fato? Você alguma vez já negou antes de examinar?

Kardec fala de espíritos bons e maus, sérios e levianos, e eu confesso que não entendo essa diferenciação. Não é mais lógico que, ao abandonar seus corpos, estes espíritos deveriam perder as imperfeições e adquirir luzes, sobre conhecimentos que lhes estavam ocultos ao se livrarem das preocupações terrenas?

Certas pessoas consideram as idéias espíritas capazes de perturbar as faculdades mentais. Não é mais prudente sustar a sua propagação? Como você responderia essas questões?

Não entendo como pode o homem aproveitar a experiência adquirida nas vidas anteriores, se não se lembra de nada. Afinal de contas, se não as recorda, cada vez que reencarna é como se fosse a primeira. Isto não equivale a começar sempre? Reencarnação existe mesmo?

O espiritismo defende certos conceitos combatidos pela Igreja, como a reencarnação, a presença do homem na Terra antes de Adão, nega a eternidade das penas, a existência do demônio, do purgatório e do fogo do Inferno. O Espiritismo tem seus dogmas?

O Evangelho diz que o anjo das trevas se transforma em anjo de luz, para seduzir os homens. O Espiritismo é um produto do demônio? A Igreja não nega as manifestações dos santos. Entretanto, proíbe as comunicações com os espíritos dos mortos porque são contrárias à religião e porque estão formalmente condenadas pelo Evangelho e por Moisés, que nestes casos defendia a pena de morte. Por que os espíritas não obedecem?

Será que são perguntas capciosas?

O Evangelho diz aquelas “coisas acima” mesmo?

Você agüenta mais um pouco? Então vamos lá!

Os espíritos só ensinam princípios que são encontrados no Evangelho. Qual a sua utilidade uma vez que antes dele já podíamos alcançar a salvação e mesmo sem ele podemos ainda conseguí-la? Se a religião até o presente foi suficiente, que necessidade há de uma nova doutrina?

Por essa você não esperava! Não é?

Nesta ordem de idéias com auxílio do raciocínio e de assunções auxiliares, deduzimos, explicamos, diversos fenômenos.

Vamos a um exemplo:

A alma (espírito) é criada no momento da concepção?

Se você responder afirmativamente eu posso deduzir:

1. Deus está subordinado às criaturas humanas. Deus depende da disposição de um casal para criar.

2. A alma (espírito) fica a mercê dos pais para nascer, mesmo que sejam inconseqüentes, usem drogas e tornem-se portadores do HIV. É criada no momento exato em que seus pais são menos experientes.

3. Se morrem cedo vão “chegar do outro lado” sem nenhuma experiência e ficamos sem entender o objetivo desta vida.

4. Se morrem tarde e o conhecimento “do outro lado” se iguala, pelo retorno ao todo, a alma adquire cultura inútil. Conhecimentos específicos da Terra de nada valerão do lado de lá, se não vão voltar.

5. As famílias pobres, porque são pobres, tendem a ter filhos numerosos e Deus fica à mercê das famílias mais pobres.

6. A alma dos natimortos voltam sem nenhuma experiência.

Quando dizem que Jesus veio para salvar as almas deduzimos que quem veio antes dele “se deu mal”. Quem veio antes de Jesus foi injustiçado pelo Deus Justo?

Questões que costumam atrapalhar espíritas são aquelas que dão trabalho na hora de procurar as referências bibliográficas. As que os articulistas recomendam e que exigem toda uma manhã de domingo, trancado, estudando o artigo.

Realmente o espírita não deve poder ter preguiça mental.

Existem questões que parecem ter a propriedade de nos angustiar. Principalmente aquelas que colocam o Espiritismo perante a ciência. Como:

O que é uma teoria científica? Uma teoria científica é um somatório de Leis? Como ficaria HOJE o Espiritismo (que é do século passado) analisado à luz de Lakatos (**)?

O Espiritismo pertence ao domínio da Ciência?

A Psicologia cumpre os requisitos mínimos de uma verdadeira Ciência?

Pode-se fazer um curso de Espiritismo experimental?

Espiritismo entrou em descompasso com o processo científico?

Está em concordância com as novas descobertas?

Deve o Espiritismo ajustar-se à Ciência?

Existe algum princípio científico estável que o Espiritismo não tenha assimilado?

Fiquemos por aqui. Afinal já temos muito o que pensar e perguntar! No domingo, claro!

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(*) FEB. 1988. O extraordinário caso de Shanti. Reformador, novembro, p. 344-348. transcrito de “Reformador”, junho de 1958.

Comentário – Com esse título a famosa revista italiana “L’Europeo”, em seus números de janeiro/fevereiro de 1958, publicou, ilustrada com inúmeras fotografias coloridas, uma longa reportagem do sueco Sture Lönnerstrand, sobre um caso comprovado de reencarnação ocorrido na Índia.

(**) LAKATOS, I. 1970. “Falsification and the methodology of scientific research programmes”. IN Lakatos, I. & Musgrave, A. eds. Criticism and the growth of knowledge. Cambridge University Press, Pp. 91-195.,
Chibene, S.S. 1988. A excelência metodológica do Espiritismo. Reformador, novembro, p. 328-333.
Comentário – O autor analisa a metodologia de Kardec. Relembra que só podemos considerar como crítico sério aquele que tenha examinado e estudado o Espiritismo em profundidade, com a mesma paciência e a perseverança de um observador consciencioso; aquele a quem não se possa opor algum fato que lhe seja desconhecido, nenhum argumento de que já não tenha cogitado e cuja refutação seja apoiada por outros argumentos mais adequados. Este pesquisador deverá poder indicar, para os fatos investigados, causa mais lógica do que a que lhe apresenta o Espiritismo.
Tal crítico, mesmo hoje “ainda está por aparecer.”
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Capítulo do Livro “Dores, Valores, Tabus e Preconceitos”.
E-mail: editora@celd.org.br
site: http://www.celd.org

Sobre o livro veja notícia abaixo encontrada em um jornal técnico.
“Dores, Valores, Tabus e Preconceitos”. É mais um livro da CELD Editora. Rua Abílio dos Santos, 137. RJ. CEP: 21331-290, tel (021)452-1846, onde o Professor Doutor Luiz Carlos Formiga, discute a existência ou não da vida após a morte, a doutrina das vidas sucessivas, tendo como pano de fundo doenças cármicas estigmatizantes. O docente-pesquisador comenta a posição da Doutrina dos Espíritos diante da Universidade dominada pelas teorias materialistas, tendo como credo que a academia não resistirá à democracia no mundo ( e as necessidades de cooperação econômica), que desembocará na manifestação livre das diversas culturas, induzindo a universidade ocidental a ampliar o seu universo cultural.

Havendo uma revalorização da religião, enquanto agente de movimentação social, o autor acredita estar surgindo a necessidade de um ponto de equilíbrio diante dos efeitos ocasionados pelas transformações geopolíticas, ponto que se coloca numa linha de pensamento que valorize a Ciência, a Filosofia e a Religião em seus pontos de interseção, respeitando as diversas manifestações culturais.

O Professor, entendendo que somos todos, sem exceção, pacientes terminais “sem hora marcada”, inicia uma discussão sobre a eutanásia, resgatando idéias para uma declaração dos direitos do paciente terminal.

A aparente injustiça da Justiça Divina com as crianças, que já nascem portadoras do vírus da Aids, fez com que o autor estudasse a questão do “Sexo Seguro”, as chamadas “Opções Sexuais”e a melhor maneira de se prevenir doenças sexualmente transmissíveis.

Obs: O capítulo do livro intitulado “O Que Espero dos Meus Médicos” foi publicado na íntegra na Revista de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Os direitos autorais foram cedidos gratuitamente.

O Jornal Brasileiro de Enfermagem”, dezembro de 1996.


Luiz Carlos D. Formiga
neufundao@hotmail.com