Filhos Nossos
O poeta Vinícius de Moraes eternizou em um de seus poemas a frase:
“Filhos? Melhor não tê-los.”
Enquanto uns são partidários do amor a dois, exclusivista, e que não se
deseja perpetuar na descendência, temerosos de dividir, partilhar, outros
desejam filhos com o só objetivo de auto – realização, concretização de um ideal
pessoal.
Há poucos dias, a imprensa se preocupou em alardear pelos seus vários canais,
a gravidez de uma celebridade do panorama artístico nacional.
Sua vontade de gerar um filho não é segredo para ninguém, pois que o vem
afirmando de há muito. O que espantou foi, contudo, a forma com que foi
apresentada a gravidez e o futuro filho.
Algo essencialmente seu, pessoal. Alguém que lhe completaria os dias, que a
fariam jamais voltar a se sentir só.
Ao mesmo tempo, em um programa televisivo, apresentou-se o drama de uma mãe
que descobre que sua filha, mãe pela primeira vez, não poderia voltar a
engravidar e o filhinho, de poucas horas, morre. Em nome de um pretenso amor,
pois que o verdadeiro amor é sábio e ponderado, essa mulher toma do próprio
filho, nascido no mesmo dia que o neto e, auxiliada pelo médico de plantão,
realiza a troca das crianças, deixando o sadio com a filha.
Em todo o diálogo, apresentado pela programação, o que a personagem que assim
agiu deixou evidente era de que o filho lhe pertencia e dele poderia dispor. Em
momento algum, recordou o marido e pai da criança, a dor que lhe estaria
causando e de que, ele igualmente, era parte interessada e extremamente
envolvida no processo.
As duas situações nos levam a reflexionar a respeito de como consideramos os
seres que geramos.
Espantamo-nos com as manchetes que nos informam acerca da venda de seres
humanos, como escravos, de pais que, em países orientais oferecem seus filhos
como pagamento de dívidas contraídas e não pagas. Crianças de tenra idade que
são encaminhadas para o mercado de trabalho, em regime de escravidão, expostas a
contágio de enfermidades, na manipulação de material hospitalar ou expostas a
desenvolver deformidades físicas, face a posições viciosas de horas
intermináveis que devem permanecer.
Ao tempo que isso nos horroriza, aceitamos e até aplaudimos as chamadas
produções independentes em que o homem funciona como um simples objeto para a
reprodução, descartável a qualquer momento, desde que cumpriu o seu papel.
De forma semelhante agem algumas espécies animais, como a abelha rainha e
algumas aranhas. E, nesses casos, o que a natureza está prescrevendo é a
continuidade da espécie.
Entretanto, ao se falar de seres humanos, dotados de razão e de senso moral,
é inconcebível que assim procedamos. O que nos preocupa é o exemplo, apresentado
e alardeado como algo positivo.
Não há, desta forma, porque se conceber que as produções independentes sejam
excelente opção. A mulher que busca, na maternidade, sua auto-realização,
demonstra egoísmo, eis que não está a seu preocupar com o bem estar do filho que
está gerando.
Tanto quanto não está se recordando de que o fato de gestar um corpo para um
espírito, na experiência da maternidade, não lhe confere direitos sobre ele.
Os filhos vêm através de nós, como dizia o poeta Kalil Gibran, mas não nos
pertencem. Abrigamos os seus corpos, mas não as suas almas, porque elas vêm de
Deus e para Ele deverão retornar, no incessante processo evolutivo.
Bem nos ensinam os espíritos do Senhor, na questão de número 582 de O Livro
dos Espíritos, de que a paternidade é uma missão. “E, ao mesmo tempo um dever
muito grande, que implica, mais do que o homem pensa, sua responsabilidade para
o futuro. Deus põe a criança sob a tutela dos pais para que a dirijam no
caminho do bem, e lhes facilitou a tarefa, dando à criança uma organização débil
e delicada, que a torna acessível a todas as impressões. Mas há os que mais se
ocupam de endireitar as árvores do pomar e fazê-las carregar de bons frutos, do
que de endireitar o caráter do filho. Se este sucumbir por sua culpa, terão de
sofrer a pena, e os sofrimentos da criança na vida futura recairão sobre eles,
porque não fizeram o que lhes competia para o seu adiantamento nas vias do bem.”
Os filhos vêm através de nós, mas não nos pertencem.
(Jornal Mundo Espírita de Janeiro de 1998)