Filosofia da Ciência Espírita – II – A Filosofia
Como vimos no estudo anterior, o ser humano desenvolveu vários meios de
alcançar a Verdade Real para compreender melhor a própria situação. A primeira
grande tentativa ocorrida no livro da História foram as religiões, cujos objetos
de estudo essenciais são Deus e a Imortalidade da Alma, possibilitando o
encontro dos homens com o Criador. No entanto, observamos a deturpação da
doutrinas religiosas detentoras de poder político e psicológico sobre a
sociedade. Daí surgirem novas tentativas das pessoas desejosas de produzir o
próprio conhecimento, sem depender totalmente da revelação passiva, mas avançar
no campo da racionalidade.
Foi assim que, no ideal de derrubar o comodismo mental e elevar-se à
responsabilidade e à liberdade, desenvolveu-se a Filosofia, estudo que se
caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade,
no sentido de apreendê-la na sua totalidade, quer pela busca da realidade capaz
de abranger todas as outras, quer pela definição do instrumento capaz de
apreender a realidade, o pensamento, tornando-se o homem tema inevitável de
consideração. Foge aos nossos objetivos aqui, enunciarmos definições e
conceitos, bem como descrever suas diversas escolas orientais e ocidentais.
Dentro da idéia da “Filosofia da Ciência Espírita”, não podemos esquecer
Pitágoras (segunda metade do século VI a.C.) A palavra “filosofia”foi por ele
usada inicialmente. Reconhecendo-se longe de toda sabedoria, mas com o desejo
imenso de alcançá-la, autodenominou-se praticante de “filo-sofia” (filo: amigo;
sofia: saber). Porém, sua maior contribuição foi considerar que todos os
fenômenos da natureza refletem a perfeição da Matemática. Esta, deixou de ser
uma técnica de agrimensura – como entre os egípcios – para constituir um
conceito filosófico.
Entretanto, o pensamento filosófico consolida-se com Sócrates (c. 469 ou 470
a.C.- 399 a.C.). Muitos consideram que a Filosofia verdadeira inicia-se com ele,
separando os pensadores em pré-socráticos e pós-socráticos.
Na sua época, grande número de pessoas afirmava que Sócrates era sábio.
Querefonte, seu amigo, foi perguntar aos “deuses” do Santuário de Delfos se
havia alguém mais sábio que Sócrates. A resposta foi negativa. Surpreendido,
Sócrates começa a conversar com vários indivíduos considerados sábios. Nota que
esses sábios não o eram na realidade, pois diziam conhecer um assunto que
desconheciam. Desse modo, inicia seu trabalho em diálogo desenvolvendo-os de tal
forma que levava as pessoas a descobrirem a essência das coisas não desviando do
problema em respostas superficiais. Sócrates considerava-se com a tarefa de uma
parteira, trazendo à tona um conhecimento já existente, mas latente em cada um.
Confirmava os objetivos da filosofia, a produção do saber parte integramente do
ser, segundo a célebre frase do mesmo santuário: “Conhece-te a ti mesmo”.
Mais tarde, múltiplas escolas aparecem, mas uma muito expressiva, norteadora
do pensamento ocidental por vários séculos e que lançou os germens da Ciência,
foi a de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.). Com o objetivo de gerar explicações
para fenômenos de diferentes ordens, cria métodos e definições básicas para
interpretá-los. A produção do saber deve ser fruto de uma reflexão, em que o
pensador, mais uma vez, participa ativamente. Daí chamar-se esse método,
praticamente em todo pensamento filosófico, de “especulativo” (especulum,
espelho, de reflexão). Para ele, a investigação filosófica baseia-se numa
progressão das observações até princípios gerais e daí de volta às observações.
Afirmava que o pensador deve induzir princípios explanatórios dos próprios
fenômenos observados, e, em seguida, deduzir afirmações a partir de premissas
que incluem estes princípios.
Dessa forma, o filósofo precisa, primeiramente, ser “surpreendido” pelos
fatos (Observações). A seguir, faz generalizações criando princípios
explanatórios para todo o gênero (Indução). Finalmente, gera explicações a
respeito dos acontecimentos e de suas propriedades a partir das premissas
organizadas silogicamente (Dedução).
Tomemos um exemplo. Um filósofo poderia aplicar o processo indutivo-dedutivo
a um eclipse lunar da seguinte maneira:
- Ele começa pela OBSERVAÇÃO do escurecimento progressivo da superfície
lunar; - Em seguida, INDUZ desta observação (e outras), alguns princípios gerais: a
luz caminha em linha reta, corpos opacos projetam sombras e uma configuração
particular de dois corpos opacos perto de um corpo luminoso coloca um destes
corpos na sombra do outro; - Destes princípios gerais, e da condição de que a terra e a lua são corpos
opacos, ele DEDUZ uma afirmativa sobre o eclipse lunar.
Assim, progrediu-se do conhecimento do fato de que a superfície da lua
escureceu a uma compreensão do que se passou.
Através desse método indutivo-dedutivo de Aristóteles muitas explicações
foram geradas, contribuindo como premissas de outras explicações. Notamos desse
modo, intensa produção de conhecimento humano, verdadeiro ou não.
Notemos que as induções são generalizações sobre as qualidades do objeto
considerado. Aristóteles usava largamente a idéia de que todos os corpos possuem
qualidades intrínsecas e estas classificam aqueles em grupos. Desse modo,
qualquer gato é mamífero porque ele possui qualidades próprias, do grupo dos
mamíferos. Aristóteles considerava também a existência de dois tipos de
qualidades: as primárias e as secundárias. As primárias podem ser medidas, e as
secundárias não podem ser medidas e devem ser tomadas sem precisar deduzi-las (a
priori). Ou seja, não haveria explicações razoáveis para algumas qualidades de
certos corpos, mas, mesmo assim, podem ser usadas como premissas do método
indutivo-dedutivo.
O maior exemplo de qualidades secundárias, estão nos quatro elementos que,
segundo Aristóteles, compunham toda a matéria no planeta: terra, água, ar e
fogo. Cada uma dessas substâncias possui qualidades secundárias próprias,
tomadas a priori:
TERRA | ÁGUA | AR | FOGO | |
PESO | Grave | Grave | Leve | Leve |
TEMPERATURA | Quente | Fria | Frio | Quente |
UMIDADE | Seco | Úmida | Úmido | Seco |
Os outros corpos são formados pela “mistura” de porções variáveis dessas
substâncias primitivas, originando composições dessas qualidades. E é assim que,
de um modo geral, Aristóteles e a maior parte das correntes filosóficas até
então, explicava a Natureza. Um corpo era pesado (grave) por possuir maior
porção de terra. E a “gravidade” de um corpo impõe-lhe a posição no Universo
(mais ou menos próximo do centro da terra).
No tempo, novas escolas aparecem, mas as mudanças econômicas, políticas e
sociais no Ocidente abalaram a história da filosofia. Quando o Império Romano
foi invadido pelos bárbaros, o povo passa a viver num clima de guerra, medo e
reclusão. Na Europa Ocidental plenamente rural, o Cristianismo, a filosofia da
vida, atrela-se ao Estado e transforma-se em uma religião comum, dogmática e
impositiva, tal qual àquelas estudas anteriormente. O contato posterior com
árabes e judeus, abriu novos horizontes para esse mundo de retraimento. A
Escolástica, doutrina teológico-filosófica dominante na Idade Média dos séculos
IX ao XVII caracterizadas sobretudo pelo problema da relação entre a fé e a
razão, foi um novo movimento de produção do saber segundo as diretrizes de
Aristóteles, todavia, sob os olhos da Inquisição, antigo tribunal eclesiástico
instituído com o fim de investigar e punir os crimes contra a fé católica.
Com Robert Grosseteste (1168-1253) e Roger Bacon (1214-1292), o método
indutivo-dedutivo de Aristóteles, nesse momento chamado de
“resolução-composição”, foi intensamente expandido e aplicado.
Contudo, no final da Idade Média, a Filosofia também foi deturpada. O método
aristotélico acima explicado era usado de forma excessiva mas incompleta,
viciosa. O termo “especulativo” recebeu uma conotação de artificial e
superficial, uma vez que os pensadores não induziam nenhuma premissa nova, mas
construíam explicações (deduções) a partir de princípios estabelecidos pelo
próprio Aristóteles. Ademais, tanto as explicações finais, quanto as premissas
de Aristóteles deveriam girar em torno dos conceitos indiscutíveis (dogmas) da
Igreja.
Assim, a filosofia representa o encontro da criatura humana consigo, abrindo
novos horizontes de liberdade e razão. Mas novas tentativas deveriam estabelecer
um método mais rigoroso de investigação, que não possibilite viciações. Qual
será esse método? Veremos nos próximos estudos.
Referências Bibliográficas:
- Abbagnano, Nicola (2000). Dicionário de Filosofia, 4a Edição.
Martins Fontes. Verbete Aristotelismo: página 79. - Abrão, Bernadette Siqueira (1999). História da Filosofia. Nova Cultura.
Capítulo 3: p. 41-44. - Durozoi, Gerard & Boussel, André. Dicionário de Filosofia, 2a
Edição. Papirus. Verbete Filosofia: p. 190. - Losee, John (1979). Filosofia da Ciência. Itatiaia. Capítulo 1: p.
15-26. - Kardec, Allan (1999). A Gênese, 19a Edição. LAKE.
Capítulo 1: item 7 e 8.
Agosto / 2001