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Ler, mas ler o que?

Uma das características do método de ensino de Jesus é levar a criatura a
profundas reflexões, ao auto-conhecimento e, conseqüentemente, promover ela
mesma o seu próprio esclarecimento.

Não Lhe passava desapercebido o detalhe da baixa estatura intelectual de Seus
interlocutores, e a resposta-ensino era dosado de acordo com a capacidade de
percepção de quantos Lhe recebiam a luz.

Estava o Mestre ciente de que a luz por demais intensa deslumbra e não
clareia. Chegou mesmo a declarar que tinha muitas outras coisas para dizer mas
que não podíamos ainda suportar, deixando para o futuro “Consolador” a revelação
e lembrança dessas coisas…

Em muitas ocasiões repetiu: “Ouça quem tem ouvidos de ouvir; veja quem tem
olhos de ver” e equivocam-se os analistas perfunctórios se apenas vêem nessas
palavras meros pleonasmos. Jesus apenas queria aguçar a atenção das criaturas
para as nuanças mais delicadas do ensino.

Certa feita, para O tentar, um doutor da lei perguntou:

“Mestre, que preciso fazer para possuir a Vida Eterna?” (Lc., 1:25 a 37.)

Jesus responde perguntando:

“Que é o que está escrito na lei?”

“Que é o que lês lá?”

Observemos o duplo questionamento de Jesus sem dar ao menos tempo para a
resposta entre um e outro.

Todas as Suas atitudes refletiam um propósito…

O único título que Ele admitiu receber foi o de Mestre. Assim, Suas palavras,
repassadas de ternura e lucidez, embora muitas vezes graves, estavam sempre
onustas de ensinamentos.

Com duas perguntas rápidas e simultâneas, Ele levou o doutor da lei a fazer
uma análise de sua própria capacidade de apreensão. Em seguida, deu-lhe uma
lição sobre quem é o nosso próximo e acerca da superioridade moral de um simples
samaritano sobre o levita e o sacerdote negligentes, orgulhosos e desalmados
(que liam mas não entendiam e muito menos atendiam.)

Não basta, portanto, ler, é preciso entender e atender.

Afirma Emmanuel:

“Raríssimos são os leitores que buscam a realidade da Vida. O próprio
Evangelho tem sido para os imprevidentes e levianos vasto campo de observações
pouco dignas.

Quantos olhos passam por ele, apressados e inquietos, anotando deficiências
da letra ou catalogando possíveis equívocos, a fim de espalharem sensacionalismo
e perturbação? Alinham, com avidez, as contradições aparentes e tocam a
malbaratar, com enorme desprezo pelo trabalho alheio, as plantas tenras e
dadivosas da fé renovadora.

A recomendação de Jesus, no entanto, é infinitamente expressiva.

É razoável que a leitura do homem ignorante e animalizado represente conjunto
de ignominiosas brincadeiras, mas o espírito de religiosidade precisa penetrar a
leitura séria, com real atitude de elevação.

O problema do discípulo do Evangelho não é o de ler para alcançar novidades
emotivas ou conhecer a Escritura para transformá-la em arena de esgrima
intelectual, mas o de ler para atender a Deus, cumprindo-Lhe a Divina Vontade.”

(Publicado no Boletim GEAE Número 323 de 15 de dezembro de 1998)