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Lições de Cidadania

Lições de Cidadania

Há dez anos Edson Nascimento vem
navegando outra realidade. Morador do Jardim Ingá, ele trocou as peladas com os
amigos e horas em frente a TV pelas aulas de natação e navegação do mestre
Fernandes, como é conhecido o suboficial da Marinha de Guerra, Manoel Fernandes
Vieira, hoje na reserva. Aos 26 anos, Edson Nascimento é funcionário da TBA
Informática, foi aprovado no concurso da Rede Sarah de Hospitais para marinheiro
regional de convés e ainda dá aulas práticas de vela para outros meninos,
voluntariamente.

Edson é apenas um dos mais de 160 meninos que já passaram pelo Programa
Mentalidade Marítima, criado pelo Mestre Fernandes. O Programa surgiu em 1985,
na casa do Suboficial Fernandes, uma chácara no Jardim Ingá. “Eu via esses
meninos aí, sem visão de futuro e comecei a pensar o que poderia fazer para
ajudar, para dar uma profissão para eles. Navegar é o que mais sei e o que posso
ensinar”, conta Fernandes.

Para que os meninos tirassem a carta para pilotar embarcações marítimas,
Fernandes começou a dar aulas de natação, vela, meio ambiente e cidadania e
também aulas teóricas sobre o Regulamento Internacional Para Evitar Abalroamento
no Mar (Repiam) e a segurança na navegação.

A parte prática do curso era dada no Clube Naval. Por conta própria,
Fernandes levava os meninos no fim de semana para o clube. O trabalho começou a
chamar atenção do Distrito Naval, pela disciplina e profissionalismo dos alunos.

Oportunidade para crescer

Em 1998, o programa foi oficializado com
o patrocínio do Comando do 7ª Distrito Naval e da Secretaria da Comissão
Interministerial para os Recursos do Mar. A ajuda foi mais que bem-vinda. “O que
todas essas crianças precisam é de uma oportunidade. Com esse auxílio da
marinha, podemos dar uma oportunidade mais concreta”, afirma o Suboficial.

Com os recursos da marinha, Mestre Fernandes paga o transporte durante os
quatro meses do programa, os uniformes – inclusive sapatos – e paga, também, um
pró-labore para os monitores, como forma de incentivo.

Ainda assim, as aulas iniciais do Programa são dadas na chácara do mestre.
Lá, cerca de 100 crianças, todas de família carente, tem aulas de natação, meio
ambiente e teoria de regulamentos para segurança no mar. Dos 100 garotos que
começam o curso, apenas 20 são escolhidos para passar os fins de semana no Clube
Naval, onde acontece o treinamento prático e as aulas de educação sexual,
higiene, moral e cívica e outros temas. “Para conseguir uma vaga, a criança tem
que mostrar muito interesse e disposição, estar na escola e ter boas notas”,
garante Fernandes.

Triângulo da vida

Uma das lições do Programa, que todos os garotos têm na ponta da língua é o
triângulo da vida: lealdade, humildade e honestidade. “Aqui, além de velejar,
nós aprendemos que o mais importante é ter amor ao próximo, ser leal e honesto.
Nunca mentir”, conta Francisco Abimael Pereira, 14 anos, ex-aluno do curso, que
trabalha como instrutor no Clube do Exército, durante a semana e como voluntário
no Mentalidade Marítima aos sábados e domingos.

A outra, não é lição. E não tem preço: a disciplina. “Uma coisa
importantíssima nesse programa é a disciplina que eles adquirem. Com a
disciplina, conseguimos mostrar o que é bom e o que é ruim e elevar a
auto-estima da criança e isso, querendo ou não querendo ela nunca vai
esquecer.”, afirma Adryani Fernandes Lobo, professora voluntária do projeto.

Corrente de Cidadania

O Programa dura quatro meses e vários dos
alunos formados nas cinco turmas do curso trabalham em clubes e empresas de
Brasília. “O alcance do projeto é enorme. Além do caráter social, de cidadania,
os participantes saem com perspectivas de emprego e, o que é melhor, uma
profissão”, diz o Diretor de Programas Especiais do Instituto Nacional de
Desenvolvimento do Desporto (Indesp), o iatista Lars Grael.

O exemplo de cidadania fica tão marcado que a maioria dos alunos continua no
projeto como voluntário. É o caso de Allan Moreira, de 16 anos. Atualmente,
Allan trabalha no Clube do Exército durante a semana, mas seus fins de semana
tem rumo certo: aulas voluntárias no Mentalidade Marítima. “Eu faço questão de
ensinar tudo o que eu sei para quem for determinado. Do mesmo jeito que eu
gostei de estar aqui, aprendendo com o Mestre Fernandes, eu acho que os outros
também gostariam de ter essa oportunidade, “conta.

Além de ser instrutor voluntário, Allan Moreira vai pessoalmente recrutar
novos alunos entre a vizinhança. “Eu quero subir e levar sempre alguém comigo.
Igual ao que “seu” Fernandes faz por todos nós, ensina.

Fernandes se emociona ao ver sua lição tão bem aprendida. “O meu objetivo não
é só ensinar esses meninos. O que eu quero é isso mesmo: que eles levem esse
conhecimento, essa disciplina para outras pessoas, que eles lancem essa semente
na vida,” diz.

Projeto Navegar

Allan Moreira: ex-aluno do MentalidadeMarítima, trabalha como voluntário nos fins de semanaAllan
Moreira: ex-aluno do Mentalidade Marítima, trabalha como voluntário nos fins de
semana.

A semente vem dando frutos. O programa Mentalidade Marítima está sendo
implementado em Pernambuco e no Pará com apoio do Governo Federal. Além disso, o
programa foi adaptado para ser implementado em todo o interior do País pelo
Indesp, com o nome de Projeto Navegar.

O Projeto Navegar, que visa a inserção social através da prática de esportes
marítimos, não tem fim profissionalizante. Segundo Lars Grael, a idéia é ajudar
na criação de uma consciência ambiental correta. “Por falta de cultura náutica,
muitas besteiras já foram feitas no meio ambiente. Nosso objetivo é evitar que
isso aconteça novamente, além de divulgar o esporte náutico”, afirma.

O Projeto muda conforme as caraterísticas de cada região. “Em cada estado, o
projeto tem características próprias. No DF, temos aula de canoagem e barco a
vela, no Pará só damos aulas de canoagem. Depende da realidade e necessidade de
cada região”, explica o diretor.

E em cada região, os parceiros são diferentes. O governo federal entra com o
material e os professores e cada estado com a infra-estrutura. Em menos de um
ano, 120 adolescentes já foram beneficiados. Mas, segundo Lars Grael, “Os
projetos sociais só dão certo quando realmente alguém se envolve emocionalmente
naquilo, que tenha competência e conhecimento. Temos vários programas sociais no
Indesp e vemos que as boas parcerias são aquelas que são dirigidas por pessoas
do padrão do Mestre Fernandes”, revela.

Rumo à Cidadania

 Judô é um dos esportes praticados pelos meninos do Varjão
Judô é um dos esportes praticados pelos meninos do Varjão.

Outro programa que mostra que é possível fazer algo por quem necessita, com o
mínimo de recursos financeiros, é o Programa Rumo à Cidadania, desenvolvido pelo
Grupamento dos Fuzileiros Navais de Brasília.

Iniciado em 98, o programa é voltado para meninos de 8 a 14 anos do Varjão,
periferia de Brasília. Com muita disciplina, aulas de natação, judô, atletismo,
vela, futebol, moral e cívica, música e reforço escolar, os meninos vão
aprendendo que têm capacidade. “A gente procura mostrar que a vida não é fácil,
mas que existe toda uma perspectiva para aqueles que lutarem, respeitarem e
batalharem. Se eles agirem corretamente, forem disciplinados e lutarem pelas
coisas vão conseguir tudo o que quiserem”, afirma o comandante do Grupamento,
Rui Gutierrez.

De segunda a sexta-feira, de março a dezembro, os 40 meninos pegam o ônibus
no Varjão e chegam ao grupamento às 7h00. Tomam café, trocam de roupa, fazem o
hasteamento da bandeira e começam o treinamento. Às 11h15, eles almoçam e voltam
para casa.

O sucesso é tão grande, que já tem fila de espera de pais querendo colocar os
filhos no Programa. Não era para menos. As notas dos alunos vêm melhorando
consideravelmente, isso sem falar na alteração do comportamento. Os meninos
confirmam. “Aqui eu aprendi a não mexer com as drogas, respeitar os mais velhos,
a ser humilde e companheiro. Agora eu ajudo muito em casa, e quando eu venho pra
cá minha mãe fica mais despreocupada. Eu melhorei muito, fiquei mais interessado
nos estudos”, revela Leandro Ribeiro, 13 anos, há três anos no Programa.

Estar na escola é uma das condições para entrar no Programa. Tirar notas
boas, nem tanto. “A gente pede que eles tragam também o boletim, mas não podemos
exigir nada em termos de escola. O que nós fazemos é aumentar o tempo de reforço
quando as notas começam a baixar, e mostrar que sem o estudo a gente não
consegue nada na vida”, conta o comandante.

A resposta não podia ser mais positiva. Os meninos acabam se espelhando no
exemplo dos próprios fuzileiros que tem de estudar muito para crescerem na
carreira. “Sem o estudo a gente não é nada, se não fosse o estudo, o cabo e
sargento não estariam onde estão. Eu quero ser fuzileiro naval, como eles,
porque eles são os melhores”, anuncia Aclésio Reis Macedo, 13 anos.

O trabalho dos soldados é voluntário, eles ficam metade do expediente com as
crianças. Mas é tão compensador que muitas vezes, perdem fins de semana para
levar os meninos a passeios. “É muito bacana de ver como esse garotos quando
tratados com respeito passam a tratar as pessoas dessa mesma maneira”, conta
Gutierrez.

Segundo ele, o propósito do programa é formar cidadãos mais educados, mais
parte da sociedade, que se façam respeitar e respeitem.

Curso Mentalidade Marítima Programação
básica – Duração: 4 semanas

  1. Aulas de Boas Maneiras, Higiene e Valorização do Idoso
  2. Aula de Veleiro Amador e Disciplina
  3. Aula de Proteção ao Meio Ambiente
  4. Aula de Moral e Cívica e Direito do Código da Criança e do Adolescente
  5. Aula de Boas Maneiras, Higiene e Socialização
  6. Aula de Educação Sexual e Higiene
  7. Aula “A Marinha do Brasil”
  8. Aula de Meteorologia
  9. Aula de Primeiros Socorros
  10. Aula de Relação Pessoal e Vida Moderna
  11. Aula de Adestramento Naval (Infantaria)
  12. Aula de Navegação
  13. Aula de manobras com embarcação a motor
  14. Aula de “O mar e o Brasil”
  15. Aula de Marinharia
  16. Aula de Pintura Especial
  17. Prova final

 

Mais informações:
Manoel Fernandes – Projeto Mentalidade Marítima: (61) 623-1098
Projeto Navegar: (61) 321-8218 e 226-7254
Programa Rumo à Cidadania: (61) 306-1773 R. 103

 

(Folha do Meio Ambiente – Ano 11 – Edição 107 – Brasília/DF, agosto-2000 )

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