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Literatos e Mediunidade

Literatos e Mediunidade

Trata-se de assunto, freqüentemente abordado a interferência da mediunidade
em trabalhos literários. Existem em nosso meio espírita tantas conversações
sobre isso que é muito natural aparecerem opiniões divergentes e contraditórias
acerca da matéria. Parece-nos, entretanto, que juízos a respeito não devem ser
generalizados, havendo mesmo a conveniência de analisar cada caso isoladamente.
É, por certo, grande a influência dos Espíritos na vida corpórea, mas ficando
sempre respeitados o livre arbítrio e o valor pessoal de cada um, até porque, se
assim não fosse, reduzidos à simples condição de marionetes da Espiritualidade,
os encarnados não teriam culpa de seus erros e nenhum mérito seria atribuído às
suas boas ações.

No caso específico das produções literárias, como em tantos outros, pode
mesmo haver influências mediúnicas, mas, na maioria das vezes, ela existe apenas
como indução, sugestão. Por exemplo, um Espírito que simpatize com o escritor,
até seu Guia, sabendo de um concurso que tem por tema, determinado poeta, pode
estimular o amigo encarnado a participar do certame, fazer que ele compre o
jornal onde se achem as bases, ou impulsionar alguém de seu circulo a levar-lhe
o recorte. Daí em diante, é tarefa do escritor terreno estudar profundamente a
obra e o autor, visitar bibliotecas, fazer uma série de consultas e anotações,
formular conceitos pessoais no que concerne ao assunto, planejar seu trabalho,
rascunhá-lo, retocá-lo, etc., até dá-lo por pronto, atividades inteiramente
desnecessárias quando se trata de obra psicografada. Nessa última hipótese, o
Espírito escritor utiliza o aparelho apenas como uma espécie de taquígrafo, por
assim dizer, ditando-lhe trabalhos já prontos, quase sempre com tamanha rapidez
que seria impossível ao médium pensar aquelas coisas e escrevê-las, no mesmo
es­paço de tempo. E tanto é assim que pode o psicógrafo nem sequer conhecer a
obra deixada pelo escritor quando de sua passagem por este planeta. Quando um
Espírito sugere ao literato, não faz mais do que seus parentes e amigos que agem
tantas vezes de modo idêntico.

Estilo, palavra derivada do latim, era o nome dado ao ponteiro com que os
romanos escreviam sobre a cera. Como cada pessoa tem sua maneira bem definida de
traçar na cera e expressar-se, o sentido do vocábulo foi ampliado, servindo
agora para designar as características dos escritores e, por analogia, também a
dos compositores, pintores e outros elementos que têm a capacidade, o dom de
criar. Pode-se dizer que o estilo mostra quem é o autor da obra, da mesma forma
que a impressão digital identifica o corpo. Basta lembrar que mediante sé­rios
estudos estatísticos, nos quais foram levados em conta os tamanhos dos períodos,
pontuação, freqüência de repetições, tornou-se possível determinar o real autor
do livro católico “Imitação de Cristo”, esclarecendo o assunto de uma vez, pois
até então havia duas correntes, uma que o atribuía a Gerson, outra a Kempis,
verdadeiro autor.

Praticamente, todo espírita brasileiro conhece a antologia de belos trabalhos
mediúnicos “Parnaso do Além-Túmulo”. Numerosos poetas nossos ali estão
incluídos, cada qual com seu estilo tão perfeitamente bem caracterizado que a
leitura causa espanto e impacto nas pessoas versadas em letras, mas ainda não
iniciadas no Espiritismo. Vê-se, pelo exposto, que quando encarnados eles
próprios criaram suas obras, não as recebendo de ninguém, tanto que ago­ra
voltam para ditá-las, fiéis às mesmas técnicas e conservando, naturalmente, os
estilos respectivos.

Dentre os nomes que se destacam na literatura dos Estados Unidos da América
do Norte está o de Harriet Beecher Stowe, nascida em 1819 e desencarnada em
1896. Publicou o célebre romance “A Cabana do Pai Tomás” que na época repercutiu
em todo o mundo e teve a sagrada missão de contribuir para que se libertassem os
escravos norte-americanos. Fiel seguidora da religião metodista e esposa de um
pastor, Harriet sempre frisou que considerava aquele livro como escrito por
ordem e indicação extraterrena, pois o escreveu como a ouvir uma voz que lhe
ditava, ficando muitas vezes sem saber o seguimento da história, fenômenos não
observados quando da confecção de outros trabalhos de menor fôlego. Este é um
caso evidente de obra literária com as mais autênticas características de
atuação mediúnica.

Apesar de já não ser pequeno o número de pessoas cultas espíritas, levando-se
em conta ser nossa Doutrina revelação relativamente nova e tendo em vista a
cultura terrena, ainda é maior o número das que não o são, pois ninguém pode
negar, de boa fé, a existência de verdadeiras potências intelectuais fiéis
seguidoras da religião católica ou de seitas protestantes, no próprio clero, ou
até sem religião nenhuma, como acontece na Rússia Soviética. Por isso mesmo, não
existe propriamente o preconceito de que nenhum escritor pode ser médium, e sim
o reverso da medalha: alguns espíritas, mas não to­dos, pensam que ninguém pode
ser escritor sem ser médium, o que já é tão diferente.

Na maioria das vezes, tal concepção se origina de um sentimento religioso
exagerado. Embora isso seja um erro, é um erro perdoável, pelo menos tolerável,
pois tem a circunstância atenuante de ser puro nas suas raízes. Em tais casos, o
espírita conheceu uma verdade boa e quer propagá-la de qual­quer jeito, a fim de
que outros também se beneficiem dela e, com o objetivo de dar mais força ao que
diz, vê mediunidade e influências espirituais em tudo que o rodeia. Tal atitude
é desaconselhável e perigosa, quer seja por dar visão falsa da verdade, quer
seja porque só muito raramente os fins justifiquem os meios.

Ora, muitos espíritas de hoje foram contemporâneos de escritores que
atualmente nos brindam com suas obras, valendo-se da psicografia, como Humberto
de Campos e vários dos que estão no já citado “Parnaso de Além-Túmulo”. Então,
como é isso? Ainda outro dia mesmo eles estavam aqui e eram apenas médiuns?
Porque agora ditam, usando o mesmo estilo que os caracterizou na Terra? E como?
Há casos em que a mesma pessoa pode ser escritor e médium, simultaneamente. Um
exemplo concreto disso é o Raul de Carvalho, residente em Antônio Dias, Minas
Gerais, que escreve seus contos, quando muito bem quer e entende, e já recebeu
dois livros, sem contar mensagens de menor porte.

É preciso, aprendendo a dar valor a quem tem, compreender que existem
escritores encarnados, em grande quantidade, dotados de talento, autênticos
criadores das obras que eles próprios escrevem e não recebem do outro mundo, até
mesmo porque, uma vez desencarnados, poderão vir ditá-las.

(Reformador de agosto de 1964)