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Massificar a Doutrina

Massificar a Doutrina

 

A Doutrina Espírita é intimista. Ela se dirige a cada criatura, em
particular, revolvendo o mais íntimo de seus sentimentos, fazendo germinar as
sementes do homem-espiritual que dormem em cada coração.

Todas as características da ação espírita, no campo de sua expansão – já
temos repetido, escapam aos padrões religiosos a que nos viciamos, no curso de
milênios.

Fala-nos de hierarquia, mas noutro conceito.

Aqui, ninguém é diretor de alma alheia.

Cada um toma a sua própria rédea e dirige a si mesmo.

Kardec não criou um tipo ideal de homem-moral.

Apontou Jesus por modelo, destacando, ao longo de sua obra, que, dentro de
nossa relatividade evolutiva, marcharemos gradativamente para o centro desse
fulcro radiante e de atração magnética irresistível, porque seu pensamento nos
envolve a todos.

Evoluímos sem saltos, superando deficiências.

A conquista de nosso mundo interior, com o despertar das qualidades inatas
através da prática do amor ao próximo, é a maneira segura, natural, de nos
definirmos como indivíduos diante da Vida.

Não somos conclamados a anular-nos.

A conscientização espiritual é o objetivo.

Sublimar a personalidade, sem empaná-la, o propósito.

Toda e qualquer tentativa de massificar a Doutrina, colocando-se alguém na
posição de condutor e os demais na de adeptos passivos, amorfos, redundará em
clamoroso fracasso, desiludindo-se os que buscarem inspirar-se na técnica de
massas de correntes religiosas diversas.

Dois fatores determinam essa frustração maravilhosa:

1 – por querer, o massificador, colocar-se por cima das demais criaturas,
reencenando um poder sacerdotal e de liderança que reaparece com outras
roupagens, mas que, fundamentalmente, nasce do mesmo ímpeto de querer gerir
vidas alheias pelas idéias que se alastram em seu coração;

2 – pelo conflito que se abre contra o gênio da Doutrina Espírita, cujas
induções são libertadoras e fraternalistas, num rompimento ostensivo com as
carcomidas fórmulas da tradicional hierarquia sacerdotal.

Na massificação, os Espíritos omitem-se.

Eles se negam a colaborar na realização de um programa que repelem pela base.
Mesmo que argumentássemos sobre a urgência ou a tendência da massificação
doutrinária, pela explosão numérica de prosélitos, a nossa ação não deixaria de
ser de caráter salvacionista. Apenas estaríamos inscrevendo mais uma forma de
salvação de almas, à semelhança das existentes noutras províncias de fé: umas
salvam pelos dogmas, outras pela crença e, na área espírita, poderíamos querer
conduzir por um simulacro de raciocínio.

Atualmente se cogita muito de massificação.

Segundo os que lhe esposam os princípios, o nível de cultura tende a baixar
na mesma proporção em que se amplia o número de educandos.

É um barateamento de cultura.

Um pouco para muitos e não muito para poucos.

Na contingência atual, não poderemos vencer, no campo da instrução
não-doutrinária, esse nivelamento circunstancial. Há de convir-se, contudo, que
essa contingência é circunstancial e não o ideal, o ponto de chegada.

A deformação da instrução, sob pressão da tecnologia, quando o homem está
sendo examinado como um elemento do Estado, desconsiderado em seu valor
individual, não pode ser transferida para a Doutrina. Nesta há uma valorização
efetiva do homem como indivíduo, como mundo definido em si mesmo, dentro dos
princípios gerais de intimidade que Jesus enunciou com justeza no: “O Reino de
Deus está dentro de vós”.

Cada um somos um mundo.

O princípio de massificação, para apropriar o homem a determinados padrões de
reação e conduta, é artificioso. Cada um há de crescer individualmente e
individualmente há de definir-se como co-herdeiro da criação divina.

Agir em contrário é chocar-se contra a Lei Natural.

O respeito ao degrau evolutivo, ao modo de enfocar a parcela da verdade pelo
poliedro da visão pessoal, tem sido a tônica predominante nos Espíritos elevados
que se comunicam conosco, desde Kardec. Se popularizam noções maiores, não o
fazem no sentido de encantar, agregar cegamente, impor suas soluções aos nossos
problemas.

É bem verdade que eles, por vezes, nos criam apreensões, com vistas ao
aceleramento da difusão dos princípios doutrinários. É verdade que a questão de
entender tais impactos, reservando as entrelinhas para nossas opções, poderá
esmagar nossa alma com temores.

É que eles objetivam o indivíduo.

O reerguimento de alma por alma, com conhecimento claro e respeito profundo
ao que cada uma sente e pensa, é tão importante para os lídimos Mentores
Espirituais, e contraria tanto a nossa ânsia de predomínio ou de imposição de
soluções padronizadas, que só podemos atribuir a essa queda de nosso padrão de
preferências a origem do receio e da apreensão que nos dominam.

Classificamos de corajosa a manifestação de Emmanuel.

Quando, em janeiro, se reuniu o Conselho Federativo Nacional da FEB, em
Brasília, no encerramento, através do médium Francisco Cândido Xavier, esse
Espírito asseverou: “Faze-nos observar, por misericórdia, que Deus não nos cria
pelo sistema de produção em massa e que por isto mesmo cada qual de nós enxerga
a vida e os processos da evolução de maneira diferente. Ainda assim, induze-nos
a registrar que, embora as nossas disparidades de interpretação diante dos
fenômenos que nos cercam, todos podemos e devemos ser cada vez mais irmãos uns
dos outros nas áreas de vivência e solidariedade, ação e tolerância”.

Isso define o intimismo espírita.

Se ajustar-nos a tal conceito (que não é inovação de Emmanuel, mas uma
síntese da própria Codificação), concluiremos que é de renunciar ao desejo de
padronização de conduta, de nivelação de conhecimentos, da invasão do domicílio
psíquico de nosso companheiro, para impor-lhe a nossa visão da verdade, e de
reconhecer que, se a Doutrina Espírita tivesse vindo para criar uma nova casta
sacerdotal, com criaturas autorizadas à massificação dos demais irmãos de
caminhada, não valeria emprestar-lhe colaboração porque, a breve tempo, seria
mais um covil de raposas.

Espiritismo é valorização do homem.

É um dialogo do mundo maior com Você, conosco, com cada um de nós em
particular, porque somos filhos do Pai e não simples conglomerado informe e
inconsciente a entregar, de novo, as rédeas de nosso destino a tutores de nossa
evolução.

(da revista O Reformador de abril de 1973)