Morte: Uma Janela para a Vida
Na Terra, a morte ainda é um fenômeno inexplicável e chocante e difícil de ser
aceito. Por mais que se estude ou trabalhe com esse fenômeno, no fundo o homem tem
medo dele e deseja vê-lo o mais longe possível. A não certeza do que vem depois
da morte é que atemoriza os candidatos à ela, que somos todos nós, os encarnados.
Até mesmo as pessoas mais treinadas para enfrentar esse fenômeno preferem adiá-la
enquanto podem. Chico Xavier, que convive com os mortos há mais de 70 anos e tem
certeza de que do outro lado da morte existe um mundo vivo, dinâmico, vibrante na
medida em que é mais descortinado pelo cidadão que já fez sua passagem deixa transparecer
que não tem medo da morte, mas também não faz questão de morrer. certa vez, alguém
lhe disse: – “Dizem que no mundo espiritual existe uma casinha azul, muito linda
e aconchegante. O que você acha dessa idéia?” Em tom de brincadeira ele comentou
– “Eu prefiro continuar por aqui numa casinha amarela mesmo”. Com a bagagem de conhecimento
doutrinário espírita e a ampla experiência que o CHICO tem, o indagador talvez esperasse
que ele respondesse: – “tudo bem, se assim é, eu estou pronto para partir rumo a
Pátria Espiritual. Mas a incerteza que ele também tem, como todos nós temos é que
faz ele fincar o pé da Terra. Lembro-me de uma outra personagem de destaque que
nunca escondeu o seu medo da morte: O ex-deputado Federal Ulisses Guimarães, baluarte
da Democracia Brasileira dizia: – “Se um dia você testemunhar o meu enterro, pode
dizer: Ali vai um homem inconformado.” O ilustre homem público parece ter profetizado
o seu trágico desencarne quando o helicóptero em que viajava foi tragado pelo oceano
onde Ulisses jaz, em paz. Poucos são os homens que confessam esse medo publicamente,
mas que a maioria da Humanidade encarnada treme diante da possibilidade de ter de
deixar este mundo, apesar de todos os seus problemas, não há dúvida. Contudo, nada
disso adianta, pois sabemos que quando a hora chega não tem barriga me dói, o fato
acontece a pronto…
A História, entretanto, nos dá conta de que alguns povos se preparavam melhor
para enfrentar o fenômeno morte. Eis, por exemplo, o que diz Leon Denis em seu livro
“O Gênio Céltico e o Mundo Invisível”, pág. 177, Edição CELD:
“Uma das características da filosofia céltica, é a indiferença pela morte. Sob
esse ponto de vista a Gália era um objeto de admiração para os povos pagãos, os
quais não possuíam, no mesmo grau, a noção da imortalidade. Nossos antepassados,
não receando a morte, certos de viver no além-túmulo, estavam libertos de todo temor.
“Em nenhuma crença encontra-se um sentimento tão intenso do invisível e da solidariedade
que une o mundo dos vivos ao dos espíritos. Todos aqueles que deixaram a Terra eram
carregados de mensagens destinadas aos mortos. Diodoro de Sicília nos deixou esta
passagem preciosa: “Nos funerais, eles depositavam as cartas escritas aos mortos,
pelos seus parentes, para que elas lhes fossem transmitidas”. A comunicação dos
dois mundos era coisa comum. Pompônio Mela, Valério Máximo e todos os autores latinos
que nós citamos dizem que entre os gauleses “emprestava-se o dinheiro para ser reembolsado
no outro mundo”.
Curiosidades em torno da morte
Valmiro Rodrigues Vidal, autor de quase 30 livros, recolheu na História universal
interessantes casos relacionados com o fenômeno chamado morte. Selecionamos alguns
deles, narrados por esse autor para que os leitores do Correio também os conheçam.
Morte é tema árido e até indesejável. Mas bem urdido também pode ser cultura. Senão
vejamos o que Valmiro tem para nos contar:
- Maomé enriqueceu pelo casamento com a viúva Kadidja. Aos 25 anos de idade,
era seguido por grande massa humana. Depois de uma meditação de mais de 15 anos
nas florestas da Arábia, Maomé fugiu para não ser assassinado (ano 622, data que
narra o começo da Era Muçulmana). Faleceu de uma febre maligna, na cidade de Medina,
onde se acha sepultado. - O poderoso Dario, rei dos Persas, morreu de ódio. Por haver Atenas ajudado
seus inimigos. Dario durante 10 anos teve um criado cuja obrigação principal era
dizer-lhe três vezes por dia: “Lembra-te dos Atenienses”. Reinou com grande influência
na Ásia, onde se apoderou de Babilônia (558-485 a.C.) Era conhecido como “Reis
dos Reis”. - Marco Túlio Cícero foi um dos maiores oradores da Antiguidade. Condenaram-no
à morte por ordem de Marco Antônio porque escreveu um livro (suas celebres Filípicias).
Foi degolado perto de Fórmias, sendo depois expostas ao público sua cabeça e sua
mão direita. Cícero viveu nos anos 106-43 antes de Cristo. - Caio Júlio César, no ápice das glórias, tombou nas escadarias do Fórum, no
dia 15 de março do ano 44 da Era Romana, abatido com 23 punhaladas, junto da estátua
de Pompeu. Uma das armas assassinas fora um lápis de aço, dos que se usavam para
escrever sobre papel encerado. Foram suas últimas palavras”: Tu quoque, fili me
Brute” (Também tu, Bruto, meu filho!) César referia-se a Bruto (Marco Júnio Bruto,
que morreu no ano 42 a.C., perseguido por Antônio e Otávio, suicidando-se na cidade
de Filipes, Macedônia). - Alexandre, O Grande (também conhecido por Alexandre Magno), expirou em conseqüência
de violenta febre, na cidade de Babilônia, onde se deteve para consolidar o seu
vasto Império. A morte surpreendeu-o em meio de uma festa. Dois dias antes de
seu desaparecimento, uma cigana fora condenada à morte por ter-lhe previsto o
desenlace. Nasceu em 356 a.C., na Macedônia (Grécia). Aos 18 anos, com a morte
de seu pai, subiu ao trono. Chegou a conquistar ¾ da Terra. Com 20 anos apenas,
à testa da Cavalaria, lançou-se às maiores conquistas de que há notícia na História.
Atravessou a Ásia e conquistou a Ásia Menor. Marchando ao longo do mar Cáspio,
apossou-se de Turquestão ocidental, e invadiu a Índia. Derrotou o exército de
Dario III. Apossou-se do Egito e dominou os persas. Conquistou Babilônia e aí
numa orgia, pôs fogo ao palácio do poderoso Dario. - Aristóteles, condenado à morte, morreu antes de ser executada a sentença,
no ano 322 a.C. Escreveu 400 obras, entre as quais: Órganon, Metafísica, História
dos Animais, Da Geração e da Corrupção. Nasceu em Estagura, na antiga Grécia,
no ano 384 a.C. Teve a honra de educar Alexandre, o Grande. - Arquimedes, um dos maiores geômetras de todas as épocas, morreu assassinado.
Absorto na resolução de um problema, nem dera pela vitória do inimigo, e foi morto
por não receber respostas às perguntas que lhe fazia. Nasceu esse gênio em Siracusa,
no ano 287 a.C. Inventou as roldanas, o parafuso sem fim, as rodas dentadas. Descobriu
o princípio da alavanca. Com o auxílio de espelhos parabólicos, refletindo e concentrando
a luz solar, incendiou a esquadra do general Marcelo, que mesmo assim ordenou
fosse poupada a sua vida; pois necessitava do cérebro desse geômetra. - Aníbal, o Cartagnês (247-183 a.C.), não querendo se render a Cipião, o Africano,
e sabendo que estava perdido, envenenou-se com um tóxico que sempre trazia oculto
num anel. - Carlos I, rei da Inglaterra, três minutos antes de morrer no cadafalso, dirigindo-se
ao bispo Juxon, disse: “Remember!”(Lembra-te). - Abraão Lincoln sucumbiu com um tiro à altura da nuca, disparado pelo ator
John Wilkes Booth, no dia 14 de abril de 1965, durante um espetáculo no Teatro
Ford, nos Estados Unidos. Morreu às 7 horas da manhã do dia 15. Ao exalar o último
suspiro. Lincoln exclamou: “Deixe-me que vou morrer”. - Beethoven morreu de tristeza, por não poder mais ouvir. Acabou surdo. Foram
suas últimas palavras: “É já tarde; não posso ouvir…” - O sábio francês Lavoisier foi levado à guilhotina durante a Revolução Francesa,
em 1794. Os carrascos o guilhotinaram exclamando: “A França não precisa de sábios”. - Luís XVI também foi guilhotinado, com sua esposa Maria Antonieta. Antes que
a Lâmina caísse sobre o pescoço, Luís XVI exclamou: “Franceses! Morro inocente
e não quero que o meu sangue recaia sobre vós!”. - Victor Hugo viveu 20 anos exilado e morreu de tristeza. Ao expirar, balbuciou:
“Adeus, Jeanne” (sua neta de estimação). - Liszt não esqueceu o piano amigo: “Adeus, meu piano adorado”.
- Elizabeth da Inglaterra não queria morrer: “Todo o meu reino, Senhor, por
mais um minuto de vida”. - Guilherme de Nassau morreu pensando no seu povo: “Meu Deus! Tende piedade
de mim e do meu povo; estou mortalmente ferido”. - Bocage pensou um minuto em Deus e dissera ao partir para o Além: “Rasga meus
versos. Crê na Eternidade”. - Frederico I, da Prússia, foi realista na hora da morte, exclamando: “Nu vim
ao mundo e nu partirei. Não quero vestir o meu uniforme”. - Frederico, O grande, não acreditava nos homens, e dissera: “Enterre-me junto
ao meu cão”. - Richard Wagner expirou subitamente de emoção, em 1883. Ao acabar de tocar
a mais bela de suas óperas (Ouro do Reino), caiu junto ao piano dizendo: “No céu
ainda poderei compor as minhas músicas!”. - Ricardo III, da Inglaterra, exclamara, mortalmente ferido: : A horse! A horse!
My kington for a horse! (Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!). - Antônio Carlos Gomes levou para o túmulo alguma mágoa. No seu testamento,
deixou escrito: “Antônio Carlos Gomes, brasileiro e patriota”. Morreu na cidade
de Belém do Pará, em 1896. - Augusto Comte, ao expirar exclamou: “Que perda irreparável!”.
- Jorge IV, da Inglaterra, dissera: “É só isso a morte?”
- Tiradentes, o mártir da Independência: “Cumpri minha palavra. Morro com a
Liberdade!” - Estando Jesus já cravado na cruz, nos últimos instantes de sua agonia, olhando
para baixo viu ao pé da cruz Maria de Magdala, Maria de Cleophas, Maria, sua genitora,
e João, um de seus discípulos, então disse, dirigindo-se à sua mãe: “Mulher, eis
aí o teu filho, referindo-se a João. Em seguida, ele acrescentou, olhando nos
olhos de João e de sua mãe: “Eis aí tua mãe”. Instantes depois Ele disse: “tenho
sede”. Os carrascos lhe deram vinagre para saciar a sede> Ele tomou o vinagre
e disse: “Está consumado”. E aí inclinou a cabeça para um lado e expirou pela
última vez no seu corpo físico. ( João de 25 a 30).
Para que não se diga que não falamos de flores, como bem lembrou, um dia, um
poeta dos Festivais da Música Popular Brasileira, encerro este mosaico póstumo com
algumas pinceladas doutrinárias, procurando, com isso, desmistificar o fenômeno
que erradamente chamamos de morte. Melhor seria que hoje, com tão amplo cabedal
de conhecimento, tivéssemos a coragem de rebatizá-lo como “Uma Janela para a Vida”.
Na essência, não finamos. Apenas ressurgimos num mundo novo, onde novas experiências
nos aguardam.
O desaparecimento físico dá-se pela transformação de nossa massa corpórea em
água, sais, oxigênio, azoto e outros gazes, mas jamais significa a extinção da personalidade,
entendida como a essência espiritual,. Esta se reveste imediatamente, falando em
termos relativos, com um outro corpo menos denso e transporta-se, ou é transportado,
para o ambiente espiritual que lhe é próprio. Continua ali detentor de seus atributos
como a inteligência, a memória, o pensamento, as virtudes, as mazelas. Continua
enxergando, articulando palavras, isto, agora, por um mecanismo específico e muito
mais perfeito do que se conhece na Terra, continua locomovendo- se, sentindo, como
antes, ama, odeia, emociona- se, tudo como dantes, e busca estar junto daqueles
que sempre lhe foram afins. Não há, portanto, como querem alguns, o esfacelamento
dos círculos de amizades e nem dos círculos familiares. Pelo contrário, conforme
ensinam nossos Instrutores Maiores diretamente à nossa consciência, ou através de
mentes intermediárias: a partir da ausência de qualquer um de nós na Terra, as afinidades
tornam-se ainda mais coesas e os laços que às vezes se tornaram frouxos se refazem
com muito mais responsabilidade.
Assim sendo, não há porque desatarmos em desespero ante a convocação inexorável
de um irmão. Cantemos hosanas a Deus por tê-lo libertado do jugo da carne mais cedo
do que nós e encaremos a morte como uma necessidade da vida. Nada se acaba, tudo
se transforma, diz o aforismo científico, indicando-nos uma das verdades que compõem
o mecanismo da evolução.
Diante da morte, depositemos buquês feitos com nossas preces. Esta é a melhor
homenagem que se pode prestar a alguém que viaja para o mundo espiritual.
(Publicado no Correio Fraterno do ABC Nº 370 de Novembro de 2001)