Noeval de Quadros
Todos reclamamos da falta de tempo. Parece que o dia encurtou, não tem mais 24 horas. Ou então, que essas 24 horas já não são mais suficientes.
Há aquele brocardo segundo o qual `se queres que alguma coisa seja feita, peça a alguém que não tenha tempo’. Ou seja: quanto mais ocupada a pessoa, mais tempo ela arranja para fazer as coisas. Como se explica esse milagre?
Normalmente, a modorra é contagiante. Basta que fiquemos algumas horas ou alguns dias sem fazer nada, para dar ainda mais vontade de nada fazer. Daí é um passo para a depressão e para os males que provém do ócio e da cabeça vazia.
Domenico de Masi, educador italiano, que esteve recentemente no Brasil, até recomenda o ócio. Ócio criativo, segundo ele. Na verdade, ócio é nada fazer e, todavia, no caso, o que ele propõe é fazer algo: é parar para criar, para permitir-se os vôos da alma, para aprender a pensar.
Um dos grandes males da atualidade é o enfado.
As pessoas procuram encher sua vida com bastantes afazeres porque sentem um grande enfado quando têm algum tempo disponível. Na verdade, não sabem como aproveitá-lo.
Estamos desaprendendo o pensar criativamente, o pensar retamente, o sentir prazer em aprender ouvindo nosso interior.
O enfado é ainda maior quando a pessoa se aposenta ou diminui repentinamente o seu ritmo de trabalho e constata que não se preparou convenientemente para ocupar de forma útil o seu tempo.
Tem sentido, portanto, a afirmativa de que “o ócio feliz não é o permanente e final, mas sim aquele que se desfruta nos intervalos da luta pela vida e que valoriza o dolce far niente“.
Em O HOMEM INTEGRAL, Joanna de Ângelis, pela psicografia de Divaldo Franco, analisa _ pelo lado da vida profissional – a questão do homem imprescindível, do homem do primeiro lugar, daquele que se julga o todo poderoso e que, mais cedo ou mais tarde, se vê desbancado por outro mais jovem, mais preparado, mais estudioso e que o passa para trás.
Decorre daí a importância de diversificarmos bem as nossas atividades, de não nos considerarmos `insubstituíveis’, de procurarmos `abrir espaços’ para aqueles que estão chegando e que _ de uma forma ou de outra – irão ocupar o nosso lugar. Prepararmo-nos para que isto não nos traga grandes seqüelas psicológicas.
Esta recomendação vale não apenas para os cargos e funções exercidos na vida profissional, como também para os cargos de direção e de colaboração nas casas espíritas.
Muitos de nós dizemos que é preciso renovação, mas na hora de cedermos o nosso lugar ficamos intimamente vibrando _ até inconscientemente – para que o outro não se dê tão bem naquele lugar que era nosso. Pobre vaidade humana, que ainda precisa desse tipo de emulação!
Alguns dizem que o sentido da vida é fazer o que se gosta. Poucos já pararam para refletir em que é mesmo que gostariam de ocupar o seu tempo, se pudessem dele dispor de forma integral.
Muitos alegam não ter tempo, mas em verdade não querem verdadeiramente ter tempo, porque não saberiam o que fazer com ele. Como não treinamos simplificar a existência, vamos entulhando a nossa vida com coisas que exigem ser mantidas. Como afirma Lia Diskin, na revista Planeta Meditação nº 11 p.21, “quanto mais coisas tenho, mais tempo tenho de dedicar a elas. As coisas se tornam usurpadoras do meu tempo!”.
Ainda segundo Joanna de Ângelis, no livro `VIDA:DESAFIOS E SOLUÇÕES’, “o ser humano experimenta sessenta mil pensamentos por dia, em média, o que demonstra a grandeza, a majestade da sua organização mental”. Como o homem é resultado do que pensa, temos sessenta mil oportunidades diárias de nos organizarmos melhor, de nos aperfeiçoarmos, de aproveitarmos melhor o tempo.
Quantos de nós, porém, ainda pensamos em matar o tempo e, assim, esquecidos de que a vida se escoa lenta mas inexoravelmente, vamos gastando os minutos, as horas e os dias, sempre distraídos com coisas menos importantes e deixando para amanhã o que gostaríamos de fazer. Ou o que é pior: aquilo que a voz da consciência diz que viemos comprometidos a fazer, nesta encarnação.
Joanna ensina – agora no livro AUTODESCOBRIMENTO – que quando queremos realmente alguma coisa devemos marcar dia e hora. Desse modo, a mensagem fica gravada no subconsciente e acaba ocorrendo. Quando não queremos que aconteça, dizemos amanhã, talvez, provavelmente e essa oportunidade certamente não acontecerá, porque não estamos certos de que queremos que ela aconteça.
Sempre que queremos algo, nós achamos tempo, porque `tempo é prioridade’ e se queremos realmente alguma coisa, nós a colocamos como prioridade.
O colunista Dino Almeida escreveu:
“Qual a reclamação mais ouvida atualmente? Falta de tempo. Homens e mulheres, tão envolvidos com a luta diária pela sobrevivência, reclamam que a vida moderna lhes exige tempo demais.
Na verdade, boa parte dos conflitos pessoais _ pais e filhos, marido e mulher, patrão e funcionários _ acontece pela falta de tempo. Desentendimentos, discussões e mal-entendidos poderiam ser evitados com alguns minutos a mais de diálogo.
Mas não dá tempo. O pai passa um sermão na filha, mas não ouve a sua (dela) versão dos fatos. O marido discute com a mulher e bate a porta, o patrão humilha o empregado sem que ele sequer tenha cinco minutos para explicar o que deu errado.
Ouvir as pessoas é fascinante. Ouvir atentamente, olhando nos olhos, esperando o momento certo para falar com calma e ponderação, sem querer se impor ao interlocutor, já ajudaria muito. Pense nisso!” (jornal Gazeta do Povo de 22-3-00).”
Zilda Arns, da Pastoral da Criança, na sua longa vida dedicada à caridade, constatou que as pessoas andam com a auto-estima cada vez mais baixa. Por isso, a partir do segundo semestre deste ano, a Pastoral pretende desenvolver um programa, sobretudo com a população mais carente, que se chama “reaprendendo a conversar”¸ para que as pessoas redescubram o prazer do diálogo, da troca, de encontrar tempo para ouvir e para falar.
Assim, é importante que nos disciplinemos e que passemos a organizar melhor a vida, procurando administrar sabiamente o nosso tempo, para fazer não apenas as coisas urgentes como também as importantes e não perder, jamais, a perspectiva de que há que existir um equilíbrio entre as quatro necessidades humanas fundamentais (físicas, sociais, mentais e espirituais), merecendo, todavia, maior atenção aquela que trata do nosso ser imortal.
Importante, também, lembrarmos de ocupar o nosso tempo com o `trabalho-abnegação’ ao invés do `trabalho-remuneração’. Há tantas maneiras de ajudarmos alguém ou alguma instituição…
E, como nos ensina a Doutrina, quando o servidor está pronto, o trabalho aparece.
Com o pretexto de que estamos sempre precisando aumentar a nossa renda, vivemos cumulando afazeres para ganhar mais; para possuir mais; para nos preocupar mais; e tudo isso para quê?
Alexandre, o Grande, foi visitar o pensador grego Diógenes, de quem era fã. Diógenes perguntou-lhe os planos para o futuro. Alexandre disse que queria conquistar a Grécia.
“- E depois disso?” perguntou-lhe Diógenes.
Alexandre disse que iria conquistar a Ásia Menor.
“-E depois disso?”
Alexandre disse que pretendia conquistar o mundo.
“- E depois disso?”
Alexandre disse que então pretendia descansar e se divertir.
Diógenes então lhe falou:
“- Então, porque não se poupa esse trabalho todo e não começa a descansar e a se divertir desde agora?”
…Para os que desejam se aprofundar um tanto mais na difícil tarefa de lidar com o tempo, recomendamos o livro “First Things First – Como definir prioridades num mundo sem tempo”, de Stephen Covey, lançado no Brasil pela Editora Campus.
Nele, entre outras coisas, o autor nos ensina que
“a administração tradicional do tempo lida com o cronos, palavra grega que significa o tempo medido pelo relógio. Cronos é o tempo linear e em seqüência é ele quem dita o ritmo de nossas vidas. Mas existe outra maneira de abordar a vida: kairos. Aqui o tempo passa a ser algo que é vivido, algo do qual se tira valor. Quando perguntamos “você passou bem o seu dia?” não estamos nos referindo ao tempo linear daquele dia, mas à qualidade desse tempo. Ou seja: kairos é o tempo qualitativo”.
Outro autor, o filósofo Jacob Needleman, na sua interessante obra “O tempo e a alma”, da Ediouro, mostra que o tempo é a maior carência do homem moderno. Somos escravos do tempo e, ao mesmo tempo, pobres dele. `Coisas que se costumava considerar como sinais de sucesso _ ser ocupado, ter muitas responsabilidades, estar envolvido em muitos projetos ou atividades _ hoje representam aflições’, diz ele.
É preciso encontrar a medida certa. O homem comum só a encontra depois de muito penar e refletir. O homem de senso moral mais amadurecido a encontra por intuição.
Alguém disse como era interessante observar a saída dos metalúrgicos da fábrica de automóveis, da Grande ABC, na sexta-feira à tarde. Quando abriam os portões, pareciam pássaros soltos da gaiola, correndo para a liberdade. Sentimento oposto, de verdadeira prisão, se observava no rosto de cada um, quando retornavam na segunda-feira de manhã.
Poderia alguém perguntar: `mas como ser feliz, tendo de trabalhar feito um escravo, a maior parte do tempo?’
Talvez este seja um dos males da cultura ocidental: ainda não conseguimos encontrar prazer _ e não enfado _ na atividade que desenvolvemos de segunda a sexta-feira.
Ainda somos criaturas muito imperfeitas, querendo sorver a vida de um gole só, nesse espaço que medeia entre a sexta e a segunda-feira.
Ainda não descobrimos o prazer da atividade diária bem dosada, com pausa para a reflexão, para observar as nossas atitudes diante da vida, procurando melhorar a qualidade do nosso tempo, para `ficar com a melhor parte’, como recomendou Jesus, na passagem registrada por Lucas, no seu Evangelho:
“Marta, Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas; entretanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada.”
Chico Xavier certa feita foi consultado sobre como é que ele conseguia autografar mais de 2000 livros por noite, depois das sessões habituais no Centro Espírita em que atuava, em Uberaba.
Com naturalidade, ele respondeu:
“- Simplesmente vou autografando, de um em um…”
Preciosa lição: nem desespero, nem indiferença. Simplesmente, ele ia autografando, de um em um. Nesse espaço de tempo, ia atendendo e conversando com várias pessoas, numa prosa agradável, bem-humorada e repleta de ensinamentos. Sempre, todavia, dando atenção máxima àquela pessoa a quem se dirigia.
Lição preciosa para nós que vivemos reclamando da falta de tempo, atropelando compromissos e superlotando cada vez mais as nossas agendas, sem a preocupação de estabelecer prioridades e de viver com intensidade aquilo que estamos a fazer no momento.
Cuidemos dos nossos afazeres, um a um, cuidemos melhor da qualidade do nosso tempo, deixemos de ficar tanto tempo hipnotizados em frente da TV, de engolir tanta informação sem conseguir analisar, de ler tantas coisas absolutamente inúteis, de viver sem selecionar os nossos pensamentos, apenas porque a maioria das pessoas `normais’ também faz isso.
Se conseguirmos fazer essa mudança, o tempo terá aumentado significativamente. Ou, pelo menos, não mais seremos seus escravos.
(Jornal Mundo Espírita de Outubro de 2000)