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O corpo e os membros

Vanda Maria Simões

“Mas Deus dispôs os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve.
E, se todos fossem um só membro, onde estaria o corpo? O certo é que há muitos membros, mas um só corpo (…).
“De maneira que, se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um membro é honrado, com ele todos se regozijam.
“Ora, vós sois corpo de Cristo, e individualmente seus membros.
“E a uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente apóstolos, em segundo lugar profetas, em terceiro mestres, depois operadores de milagres, depois dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.
“Porventura são todos apóstolos? São todos profetas? São todos mestres? São todos operadores de milagres?
“Todos têm dons de curar? Falam todos em línguas? Interpretam-nas todos? Mas procurai com zelo os maiores dons.”
(Coríntios 12 – 12 a 31)

Paulo de Tarso, o apóstolo que teve a coragem de sair dos limites judaicos e espalhar ao mundo a doutrina cristã, deixou em suas cartas um verdadeiro manancial de conhecimento sobre a mensagem de Deus aos homens. Através de instruções aos seus discípulos, tratou de falar do que era coerente com o que pregava. Nota-se em seus escritos que ora falava coisas saídas dele mesmo, ora falava com inspiração divina. Ora instruía os daquela época, ora ensinava para toda a humanidade. Apesar disso, muitos espíritas julgando tudo saber, desprezam o exame desses documentos, com o argumento de que a Bíblia nada tem a ver com o Espiritismo e que são fanáticos os que se detém no exame de sua sabedoria.

Diferenças à parte, o fato é que ainda temos muito a aprender nos textos dos grandes mestres do passado. Na verdade foi para isso que eles vieram ao mundo. Para com seu exemplo orientar a humanidade, ser um farol onde pudesse o homem iluminar-se, instruir-se e seguir mais seguro em direção à perfeição. Seremos tolos desprezando esses admiráveis missionários que deram testemunho de seu amor à causa do Bem muitas vezes com a própria vida.

No texto do Apóstolo, vê-se a preocupação com a formação dos núcleos dentro de um sentido de unidade do homem com o todo universal. Embora falasse dentro da ótica universalista, considerando a criatura e seu Criador, dava também uma conotação mais particularizada para os núcleos recém formados, instruindo no verdadeiro espírito de servir a Deus, na experiência abençoada da vida.

Particularizando mais ainda o ensinamento, aplicando-o nas lidas diárias das atividades espíritas, pode-se afirmar que as palavras de Paulo caem como uma luva no cerne do grave problema existente no Movimento Espírita, que é a desorganização dos centros e a falta de compreensão dos espíritas em relação às suas tarefas dentro dos grupos. Parece impossível, mas hoje vê-se os centros funcionando de forma desorganizada, sem métodos que possam delinear seus trabalhos, com trabalhadores sem o devido entendimento sobre o papel que podem exercer nas comunidades onde atuam.

A doença, porém, é conhecida e tem etiologia, diagnóstico e tratamento. A enfermidade chama-se Desorganização. A etiologia dela é a Falta de Conhecimento da Doutrina Espírita. O tratamento é a Instrução dos espíritas.

O Movimento Espírita brasileiro formou-se embalado por falsas idéias de que bastava a boa vontade para fundar uma casa espírita. Sem orientar-se por coisa alguma que pudesse nortear seus ideais de amor ao próximo, as pessoas introjetaram a idéia divulgada pelos administradores oficiais de que o centro podia ser criado de qualquer jeito, bastando que se iniciasse um trabalho social com os pobres, esperando com isso que mais pessoas se associassem ao plano que, segundo acreditavam, era programado pelos iluminados do Alto. Esta mentalidade infelizmente ainda predomina e os núcleos espíritas estão, por isso, entregues à desordem e, conseqüentemente, ao domínio dos Espíritos que se afinizam com esse estado de coisas.

Como Paulo fazia, os dirigentes espíritas têm o dever de cuidar dos grupos sob suas responsabilidades. Não podem descansar enquanto não puder vê-los caminhar com segurança no estudo e no desenvolvimento do trabalho de forma ordeira, disciplinada e sobretudo pautado nos ensinos de Jesus. Evidente que para isso terá o dirigente que ser instruído na letra e no Espírito, como diz o apóstolo. De outra forma não terá condições de exemplificar. E sabe-se que o exemplo é força moral. O grupo devidamente instruído e amadurecido na tarefa, compreenderá bem o que o mestre de Tarso quis dizer quando instrui sobre o corpo e seus membros. Saberá colocar-se como membro necessário ao bom funcionamento do corpo, entendendo que sua doença poderá afetar a estrutura do todo.

E as doenças dos membros deste corpo que mais afeta seu perfeito funcionamento são a indisciplina, a falta de dedicação e principalmente o orgulho traduzido pelo famoso melindre que tantos estragos já fez nos agrupamentos espíritas. Soubesse o trabalhador a raiz desse mal teria vergonha de admiti-se como portador dele. Sem noção da gravidade da tarefa que empreende certamente as pessoas deixam que seus problemas pessoais interfiram no equilíbrio do todo, trazendo para os núcleos as perturbações de toda ordem. Orgulhosos, não admitem que precisam de ajuda, instruindo-se ou mesmo submetendo-se a tratamentos de ordem espiritual na casa, pois acham a situação humilhante. Enfim, o desconhecimento da doutrina que professam realizando os estragos comuns aos centros espíritas, que não conseguem realizar seu papel de agente modificador nem mesmo com seus próprios associados.

Com a idéia de que a boa vontade é a chave para este grave empreendimento, os centros vão se estruturando em cima de frágeis alicerces. Os pilares, de areia, erguem-se rapidamente e bem rápido também implodem, no sentido da assistência espiritual, evidentemente. Bem fácil é identificar essas casas. Geralmente são núcleos onde todos podem fazer tudo. E fazem mesmo. Todos fazem palestra, todos podem receber Espíritos, todos podem dar passes, todos podem evangelizar etc, afinal isso é caridade para com todos. E depois tem a modernidade dos sistemas democráticos que tanto defendemos. Agir ao contrário disso é autoritarismo sem cabimento, dizem. Entretanto o bom senso ensina que a cada um é dado segundo suas potencialidades. A cada um a sua tarefa, dentro de suas limitações. Como diz nosso amado Paulo, “até entre estrela e estrela há diferenças de esplendor” . Diz mais: “Não são todos apóstolos, não são todos operadores de milagres, não têm todos o dom de curar”. Todavia, são todos membros do mesmo corpo.

Depois de analisar esta realidade, resta saber como fazer para resolver tanta desordem. Certamente que não há outro caminho a não ser o estudo. E não basta estudar devorando as leituras. Necessário que se tenha o entendimento para bem interpretar o ensino. É o amadurecimento do senso moral do qual fala Allan Kardec no Evangelho Segundo o Espiritismo e que é conquista pessoal de cada um, através das múltiplas vidas, no trabalho incessante do auto conhecimento. De outro modo, estaremos correndo sem saber para onde, lendo sem saber pra quê, falando sem semear nada, e o que é pior, trabalhando em centro espírita sem crescer. E sem dúvida, aumentando os débitos com a Lei, pois a quem muito foi dado, muito também será pedido.

09/04/99

E-mail: vanda@elo.com.br