Tamanho
do Texto

O Crepúsculo e a Aurora

O Crepúsculo e a Aurora

Tudo se renova na natureza. As gerações se sucedem, a noite sucede o dia e
vice-versa, numa interminável seqüência a formar os séculos, os milênios.

O pensamento também se renova, inclusive o pensamento religioso. De uma fase
puramente material, passando pela idolatria, pelo animismo, mitologia, a
religião se espiritualizou, e dos deuses bárbaros chegamos ao Deus único,
criador do princípio espiritual e do princípio material.

No ocidente, a mais pura expressão desta religiosidade espiritual é o
cristianismo. Por muitos séculos, ou quase dois milênios, a poética emanada do
Cristianismo, dominou os corações e aproximou o homem de Deus, mas também
cometeu erros bárbaros, como as cruzadas e a inquisição, quando milhares de
vidas foram destruídas, reputações abaladas, famílias desestruturadas.

O materialismo e a hipocrisia se desenvolveram grandemente. Os versos
cristãos já não eram os mesmos. A pompa ritual continuou, o poder diminuiu, a
reação causada pela reforma atingiu parcialmente os resultados esperados, mas
libertar a letra das escrituras foi a sua maior vitória.

Alguns dogmas também foram derrubados, mas outros foram criados, e um
excessivo formalismo apareceu no culto. Pensar e crer se tornaram coisas quase
antagônicas.

O crer, mesmo que se lhe pareça absurdo, passou a ser a tônica das religiões.
Foi neste ambiente conturbado e triste, onde sacerdotes se tornaram capatazes de
Deus, que surgiu o Espiritismo, revestido com a capa da simplicidade, e
convidando o homem a pensar, o que no Espiritismo não é proibido, e sim
obrigatório.

O Espiritismo assentou-se em base cristã, e dos mensageiros de Deus, que se
encarregaram de implantá-lo no mundo, muitos estiveram ligados à história da
igreja católica em particular e do cristianismo em geral.

Com a liberdade de pensar e agir de acordo com a sua consciência, o homem
espírita respirou a grandes haustos. O Espiritismo nasceu como uma frágil
criança.O próprio Kardec se referiu a isso, mas pouco a pouco foi superando a
timidez da infância para tornar-se forte, viril.

Mas nem todos espíritas compreenderam isso, e quiseram fazer do Espiritismo,
uma amálgama de crenças, ou uma variante do Cristianismo oficial.

Uma igreja sem sacerdotes paramentados, sem a comunhão, sem a salvação
eterna, porém, acrescentando a mediunidade, a lei de causa e efeito, a
reencarnação, mas seria quase uma igreja. Muitos tentaram um diálogo.

O Espiritismo ofereceu-se para fazer com que o homem que abandonara a
religião, a ela retornasse. Não fez proselitismo para engrossar o número de
adeptos, mas a ruptura tornou-se inevitável, e a igreja acusou a novel doutrina
de demoníaca.

Mesmo assim parte dos Espíritas continua desejando um espiritismo místico,
igreijeiro, com fortes cores dos modelos católico e evangélico. Alguns tem se
recusado a exercer o seu direito de pensar livremente, e só pensam pensamentos
já pensados.

Dizem que temos muito a aprender com as religiões envelhecidas, por isso
reproduzimos um diálogo que encontramos num livro sobre a vida de Aleijadinho e
da inconfidência mineira, quando, Cláudio Manoel da Costa, diz sobre Tomaz
Antônio Gonzaga, chegado recentemente à Vila Rica, que chegara o momento do seu
declínio, para que Tomaz brilhasse.

Este protesta e diz que Cláudio é o mestre da poesia, e ele veio à Vila Rica
para aprender com o Mestre. Nesse instante Cláudio exclama: Pode o crepúsculo
ensinar alguma coisa à aurora?

Perguntamos: podem as religiões peremptas, envelhecidas, anquilosadas,
ensinar alguma coisa à juvenil Doutrina Espírita? Pode as coisas vencidas,
superadas na esteira do tempo, ditar regras para o pensamento moderno, o
progresso?

Os conceitos espíritas são suficientes para deflagrar uma revolução interior
ao próprio homem e renovar a vida. Quando vier à sua mente aquele desejo de
submeter-se a dogmas, a sacramentos, à idéias salvacionistas sobre o sangue do
Cristo.

Quando você ficar tentado a percorrer trilhas já percorridas, faça essa
pergunta a você mesmo: Pode o crepúsculo ensinar alguma coisa à aurora?