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O Dogma da Reencarnação

Francisco Cajazeiras

Como resultado da meticulosa observação do fenômeno mediúnico, após a aplicação do método científico – obviamente adaptado às suas características específicas –, foram sendo acumulados por Allan Kardec, o insigne codificador da Doutrina Espírita, opiniões, conceituações e revelações emitidas pelos Espíritos componentes da luminosa falange do Espírito da Verdade.

A partir do desenvolvimento da Ciência Espírita, provinda da avaliação judiciosa dessa fenomenologia psíquica pelo Mestre Lionês, nasceu a Filosofia Espírita, fruto da dialética sobre as questões mais cruciantes e angustiantes para o ser humano, oferecida pelo intercâmbio bidimensional.

Dentre os inumeráveis ensinamentos libertadores e consoladores ministrados pelos mensageiros da Terceira Revelação, indiscutivelmente sobressai-se a reencarnação.

O Codificador, na elaboração da obra espírita basilar – “O Livro dos Espíritos” –, discutia e debatia exaustivamente todas as informações que ia recebendo e, semelhantemente, também procedeu, quando da introdução pelos Espíritos, dos conceitos palingenésicos.

De fato, a priori, houve mesmo de sua parte uma certa relutância, visto não constituir-se tal princípio em elemento da educação ocidental por ele recebida naquela existência e até haver, na sociedade de então, em decorrência da dominância religiosa contemporânea, verdadeira rejeição à idéia das vidas sucessivas. Nada obstante, Espírito dado à tolerância, dispôs-se ao diálogo com as Inteligências Desencarnadas e, somente quando vislumbrou racionalmente o fenômeno biológico da reencarnação como lei natural, traduzindo as necessidades evolutivas da Humanidade, alargando os horizontes para a devida compreensão e elucidação das aparentes injustiças divinas e, ao mesmo tempo, consolidando a ação do livre-arbítrio humano nos acontecimentos da existência planetária; somente então aceitou-a por melhor compreendê-la.

Observe-se, pois, não haver Allan Kardec aceito o princípio das vidas progressivas unicamente ao sabor da revelação mediúnica, de forma ingênua ou mística; antes, submeteu-o ao calor das reflexões mais profundas, expondo-o à prova da logicidade e da sensatez, como de resto costumava agir com todas as informações de caráter filosófico e moral.

A esse propósito, é o próprio Kardec quem afirma, primeiramente na “Revista Espírita”[1] e, depois, em “Obras Póstumas”[2]:

“Foi assim que procedemos com a doutrina da reencarnação, que não adotamos, embora vinda dos Espíritos, senão depois de havermos reconhecido que ela só, e só ela, podia resolver aquilo que nenhuma filosofia jamais havia resolvido (…)”.

“Agi, pois, com os Espíritos, como teria feito com os homens; foram, para mim, desde o menor ao maior, meios de informar e não reveladores predestinados”.

Isso, aliás, corrobora o conselho do Espírito Erasto[3], em “O Livro dos Médiuns”[4], no que tange à cautela e à credulidade devidas ao material veiculado através dos portais da mediunidade:

“Mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma única teoria falsa”.

Assim, o conceito da reencarnação foi introduzido em “O Livro dos Espíritos”, por Kardec e pelos Espíritos Reveladores como um dogma, abrangendo questões que vão desde a sua necessidade e limitação pelo Espírito até ao momento em que ele se desliga das experiências biossomáticas.

Há quem se inquiete com o uso desse vocábulo pelo Codificador, mas o Prof. J. Herculano Pires, em seu livro “Agonia das Religiões”[5], elucida-nos a este respeito, como vemos abaixo:

“A palavra dogma é grega e seu sentido original é opinião. Adquiriu em filosofia e religião o sentido de princípio doutrinário. (…) Entre o dogma religioso e o filosófico há uma diferença fundamental. O dogma religioso é de fé que não pode ser contraditado, pois provém da Revelação de Deus. O dogma filosófico é racional, dogma de razão, ou seja, princípio de uma doutrina racionalmente estruturada. (…) No Espiritismo, como em todas as doutrinas filosóficas, existem dogmas de razão, como o da existência de Deus…” (Grifos meus).

E arremata o saudoso Professor Herculano Pires, acerca daquelas inquietações sofridas por parte de alguns confrades espíritas:

“Muitos adeptos estranham a presença dessa palavra nos textos de uma doutrina que se afirma antidogmática, aberta ao livre exame de todos os seus princípios. São pessoas ainda apegadas ao sentido religioso da palavra. Não há nenhuma razão para essa estranheza, como já vimos, do ponto de vista cultural.”[6] (Grifo meu).

Diz-se, pois, dogma – e é Kardec mesmo quem usa este vocábulo –, no seu sentido filosófico e primevo de convicção, postulado, princípio, ancorado na razão e estribado no bom senso. E não com aquele sentido religioso adquirido, depois, de verdade indiscutível, inquestionável, intocável, objeto de fé irracional, surda e muda.

De outro modo não poderia dispô-lo o Mestre Lionês, posto não haver empreendido ele mesmo pesquisas científicas específicas nesse sentido, o que somente foi acontecer depois com o Cel. Albert de Rochas (1837 – 1914)[7].

Contemporaneamente, vários são os cientistas[8] no mundo inteiro que vêm realizando trabalhos de pesquisa sérios e conscienciosos nessa área, colecionando, a cada dia, a mancheias, fatos e evidências extremamente sugestivos de sua realidade, o que virá em breve certamente dar à reencarnação a cidadania de verdade científica, comprovando e consolidando o dogma (princípio) trazido pelos Espíritos amigos e defendido por Allan Kardec, filosófica e moralmente.

Será (se já não o é!) mais uma prova para os adversários do Espiritismo, de sua ampla veracidade doutrinária.

 


[1] KARDEC, Allan. – “Revista Espírita”, 1860. Trad. Júlio de Abreu Filho, pág.115. EDICEL. Sobradinho-DF.
[2] KARDEC, Allan. – “Obras Póstumas”. Trad. Salvador Gentile, 2ª parte, pág. 260, 1ª edição, 1993. IDE, Araras-SP.
[3] Erasto foi discípulo de Paulo de Tarso.
[4] ERASTO in “O Livro dos Médiuns”. Trad. J. Herculano Pires, 2ª parte, cap. XX. Ed. EME. Capivari-SP.
[5] PIRES, J. Herculano. – “Agonia das Religiões”, cap. III, pg. 27. Editora Paidéia: São Paulo-SP.
[6] PIRES, J. Herculano. – “Agonia das Religiões”, cap. III, pg. 28. Editora Paidéia: São Paulo-SP.
[7] ROCHAS, Albert de. – “Les Vies Successives”.
[8] Dentre eles, o Dr. Ian Stevenson que possui cerca de dois mil casos estudados, sob aplicação de metodologia científica, de crianças com lembranças espontâneas de outros momentos reencarnatórios.

Capítulo 12 do livro Elementos de Teologia Espírita, de Francisco Cajazeiras
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