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O Estranho Mundo dos Suicidas

Frequentemente somos procurados por iniciantes do Espiritismo, para
explicações sobre este ou aquele ponto da Doutrina. Tantas são as perguntas, e
tão variadas, que nos chegam, até mesmo através de cartas, que chegamos à
conclusão de que a dúvida e a desorientação que lavram entre os aprendizes da
Terceira Revelação partem do fato de eles ainda não terem percebido que, para
nos apossarmos dos seus legítimos ensinamentos, havemos de estabelecer um estudo
metódico, parcelado, partindo da base da Doutrina, ou exposição das leis, e não
do coroamento, exatamente como o aluno de uma escola iniciará o curso da
primeira série e não da quarta ou da quinta.

Desconhecendo a longa série dos clássicos que expuseram as leis
transcendentes em que se firmam os valores da mesma Doutrina, não somente nos
veremos contornados pela confusão, impossibilitados de um sadio discernimento
sobre o assunto, como também o sofisma, tão perigoso em assuntos de Espiritismo,
virá em nosso encalço, pois não saberemos raciocinar devidamente, uma vez que só
a exposição das leis da Doutrina nos habilitará ao verdadeiro raciocínio.

Procuraremos responder a uma dessas perguntas, de vez que nos chegou através
de uma carta, pergunta que nos afligiu profundamente, visto que fere assunto
melindroso, dos mais graves que a Doutrina Espírita costuma examinar. A dita
pergunta veio acompanhada de interpretações sofismadas, próprias daquele que
ainda não se deu ao trabalho de investigar o assunto para deduzir com a
segurança da lógica. Pergunta o missivista:

– Um suicida por motivos nobres sofre os mesmos tormentos que os demais
suicidas? Não haverá para ele uma misericórdia especial?

E então respondemos:

– De tudo quanto, até hoje, temos estudado, aprendido e observado em torno do
suicídio à luz da Doutrina Espírita, nada, absolutamente, nos tem conferido o
direito de crer que existam motivos nobres para justificar o suicídio perante as
leis de Deus. O que sabemos é que o suicídio é infração às leis de Deus,
considerada das mais graves que o ser humano poderia praticar ante o seu
Criador. Os próprios Espíritos de suicidas são unânimes em declarar a
intensidade dos sofrimentos que experimentam, a amargura da situação em que se
agitam, conseqüentes do seu impensado ato. Muitos deles, como o grande escritor
Camilo Castelo Branco, que advertiu os homens em termos veementes, em memorável
comunicação concedida ao antigo médium Fernando de Lacerda, afirmam que a fome,
a desilusão, a pobreza, a desonra, a doença, a cegueira, qualquer situação, por
mais angustiosa que seja,, sobre a Terra, ainda seria excelente condição
“comparada ao que de melhor se possa atingir pelos desvios do suicídio”.

Durante nosso longo tirocínio mediúnico, temos tratado com numerosos
Espíritos de suicidas, e todos eles se revelam e se confessam superlativamente
desgraçados no Além-Túmulo, lamentando o momento em que sucumbiram. Certamente
que não haverá regra geral para a situação dos suicidas. A situação de um
desencarnado, como também de um suicida, dependerá até mesmo do gênero de vida
que ele levou na Terra, do seu caráter pessoal, das ações praticadas antes de
morrer.

Num suicídio violento como, por exemplo, os ocasionados sob as rodas de um
trem de ferro, ou outro qualquer veículo, por uma queda de grande altura, pelo
fogo, etc., necessariamente haverá traumatismo perispiritual e mental muito mais
intenso e doloroso que nos demais. Mas a terrível situação de todos eles se
estenderá por uma rede de complexos desorientadores, implicando novas
reencarnações que poderão produzir até mesmo enfermidades insolúveis, como a
paralisia e a epilepsia, descontroles do sistema nervoso, retardamento mental,
etc. Um tiro no ouvido, por exemplo, segundo informações dos próprios Espíritos
de suicidas, em alguns casos poderá arrastar à surdez em encarnação posterior;
no coração, arrastará a enfermidades indefiníveis no próprio órgão, conseqÜência
essa que infelicitará toda uma existência, atormentando-a por indisposições e
desequilíbrios insolúveis.

Entretanto, tais conseqüências não decorrerão como castigo enviado por Deus
ao infrator, mas como efeito natural de uma causa desarmonizada com as leis da
vida e da morte, lei da Criação, portanto. E todo esse acervo de males será da
inteira responsabilidade do próprio suicida. Não era esse o seu destino,
previsto pelas leis divinas. Mas ele próprio o fabricou, tal como se apresenta,
com a infração àquelas leis. E assim sendo, tratando-se, tais sofrimentos, do
efeito natural de uma causa desarmonizada com leis invariáveis, qualquer suicida
há de suportar os mesmos efeitos, ao passo que estes seguirão seu próprio curso
até que causas reacionárias posteriores os anulem.

No caso proposto pelo nosso missivista, poderemos raciocinar, dentro dos
ensinamentos revelados pelos Espíritos, que o suicida poderia ser sincero ao
supor que seu suicídio se efetivasse por um motivo nobre. Os duelos também são
realizados por motivos que os homens supõem honrosos e nobres, assim como as
guerras, e ambos são infrações gravíssimas perante as leis divinas. O que um
suicida suporia motivo honroso ou nobre, poderia, em verdade, mais não ser do
que falso conceito, sofisma, a que se adaptou, resultado dos preconceitos
acatados pelos homens como princípios inabaláveis.

A honra espiritual se estriba em pontos bem diversos, porque nos induzirá,
acima de tudo, ao respeito das mesmas leis. Mas, sendo o suicida sincero no
julgar que motivos honrosos o impeliram ao fato, certamente haverá atenuantes,
mas não justificativa ou isenção de responsabilidades. Se assim não fosse, o
raciocínio indica que haveria derrogação das próprias leis de harmonia da
Criação, o que não se poderá admitir.

Quanto à misericórdia a que esse infrator teria direito como filho de Deus,
não se trataria, certamente, de uma “misericórdia especial”. A misericórdia de
Deus se estende tanto sobre esse suicida como sobre os demais, sem predileções
nem protecionismo. Ela se revela no concurso desvelado dos bons Espíritos, que
auxiliarão o soerguimento do culpado para a devida reabilitação, infundindo-lhe
ânimo e esperança e cercando-o de toda a caridade possível, inclusive com a
prece, exatamente como na Terra agimos com os doentes e sofredores a quem
socorremos. Estará também na possibilidade de o suicida se reabilitar para si
próprio, através de reencarnações futuras, para as duas sociedades, terrena e
invisível; as quais escandalizou com o seu gesto, e para as leis de Deus, sem se
perder irremissivelmente na condenação espiritual.

De qualquer forma, com atenuantes ou agravantes, o de que nenhum suicida se
isentará é da reparação do ato que praticou com o desrespeito às leis da
Criação, e uma nova existência o aguardará, certamente em condições mais
precárias do que aquela que destruiu, a si mesmo provando a honra espiritual que
infringira.

O suicídio é rodeado de complexos e sutilezas imprevisíveis, contornado por
situações e conseqüências delicadíssimas, que variam de grau e intensidade
diante das circunstâncias. As leis de Deus são profundas e sábias, requerendo de
nós outros o máximo equilíbrio para estudá-las e aprendê-las sem alterá-las com
os nossos gostos e paixões.

Assim sendo, que fique bem esclarecido que nenhum motivo neste mundo será
bastante honroso para justificar o suicídio diante das leis de Deus. O suicida é
que poderá ser sincero ao supor tal coisa, daí advindo então atenuantes a seu
favor. O melhor mesmo é seguirmos os conselhos dos próprios suicidas que se
comunicam com os médiuns: – Que os homens suportem todos os males que lhes
advenham da Terra, que suportem fome, desilusões, desonra, doenças, desgraças
sob qualquer aspecto, tudo quanto o mundo apresente como sofrimento e martírio,
porque tudo isso ainda será preferível ao que de melhor se possa atingir pelos
desvios do suicídio. E eles, os Espíritos dos suicidas, são, realmente, os mais
credenciados para tratar do assunto.

Revista Reformador de março de 1964

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