Um leitor comenta suas dúvidas sobre a vida além-túmulo:
“Tenho lido que a pessoa tende a ver-se envolvida com situações
relacionadas à sua maneira de ser. Fico imaginando o que verá a mãe de minha
mulher que, para minha desdita, mora comigo. Sempre me leva a imaginar que feliz
foi Adão – não tinha sogra.
Varre a casa várias vezes por dia; fica louca com pó nas estantes; tem que se
lavar a roupa só uma vez na semana; se vê faca no lugar dos garfos, na gaveta,
estraga o seu dia. Não se pode comprar mais de dez pães – é exagero, e pão
francês dos pequenos. Se for grande, ela briga, não come, e vai reclamar dois
dias.
Bate as portas, dá indiretas e vive me cutucando. Briga por qualquer motivo e
até sem motivo nenhum. Critica, bufa, suspira, faz ai-ai, embora viva a evocar
Deus, pedindo calma, paciência e resignação! Não pára por aí. São inúmeras as
regras e brigas por insignificâncias.
Um dia, para agradá-la, quis fazer surpresa. Varri a casa, passei pano
molhado no chão, depois pano seco para tirar o pó do pano molhado (obrigatório,
afirma). Tirei o pó dos móveis, arrumei a cama, limpei o vidro da mesa – Deus
nos acuda, se ficam marcas de dedos. Fiz o jantar, um espetáculo, por sinal,
pois adoro cozinhar. Lavei a louça e deixei tudo em ordem. A primeira coisa que
ela notou quando chegou foi o pano de prato embolado na pia. Foi a conta para
estragar o jantar e os próximos dias.
Reclama que vou muito ao Centro Espírita. Considera-me uma porcaria de
espírita, que não dá atenção à família, o que não é verdade.
Consola-me saber que é assim com outras pessoas. Não se dá com ninguém, nem
com a filha e netos. As vezes consigo que vá ao Centro. Toma passes, recebe
ajuda, melhora um pouco, por alguns dias… Logo voltam as impertinências.
Então, eu queria saber o que vai ser dela do outro lado. O que vai ver, se
aqui enxerga tudo torto, neurótica incorrigível…”
Li certa vez a história de um rabi que teve 13 filhos. Houve um acidente e,
tragédia inominável, todos morreram! Ante a esposa em desespero, disse-lhe,
fervoroso:
– Tenha paciência, minha querida. Vamos corresponder à confiança do Senhor.
Certamente, nos ofereceu essa experiência como consolo para pessoas que
enfrentam o drama da morte de um filho. Mirando-se em nosso exemplo, dirão: – Há
quem passe por transe muito pior e, ainda assim, não perde a fé.
Algo semelhante ocorre com você, meu caro missivista.
Observando sua experiência, genros atribulado hão de se animar:
– Aleluia! Não está tão mal… Há sogras piores que a minha!
Estou brincando… A avó de seus filhos há de ter virtudes, tanto quanto
defeitos, como todos os seres humanos. Não há perfeição na Terra.
No livro Boa Nova, do Espírito Humberto de Campos, psicografia de Chico
Xavier, Jesus diz algo que nos faz pensar:
– O ser humano é mais frágil que mau.
É a nossa fragilidade que nos leva a um comportamento desajustado. Não
percebemos que magoamos as pessoas e azedamos um relacionamento. Em última
instância, criamos embaraços para nós mesmos, porquanto, agindo de forma
desajustada, abrimos as portas às influências espirituais inferiores, que nos
impõem perturbações e enfermidades. Somos os primeiros a sofrer as conseqüências
das mazelas que extravasamos.
Por isso, o Espiritismo ensina que devemos ser indulgentes com os outros,
severos conosco. Que perdoemos as impertinências alheias, a fim de não
sintonizarmos com o mal, conservando a própria integridade. Mas jamais perdoemos
as nossas, aprendendo a superá-las.
Nosso futuro espiritual, o que enxergaremos e como viveremos, não se
subordina ao que vamos encontrar do outro lado da vida.
Depende de como iremos.
Há Espíritos que fazem estágios de trabalho no Umbral, o purgatório espírita,
aproveitando a oportunidade para servir, ajudando os infelizes que lá estagiam.
Acumulam créditos espirituais, habilitando-se à paz, mesmo em tão desolada
região.
E há os que, não obstante acolhidos por piedosas organizações socorristas
sentem-se infelizes e perturbados, em face das idéias negativas que asilaram em
sua mente e do comportamento desajustado.
Como ensinava Jesus – o Reino de Deus está dentro de nós.
O inferno também. Depende de como pensamos.
Insistir na bondade, respondendo sempre ao mal com o bem, à agressividade com
a mansidão, ao egoísmo com o altruísmo, é a melhor forma de conservarmos a
estabilidade física e psíquica, ajudando aqueles que nos aborrecem a superar
seus desajustes, com a força do exemplo.
Assim, quando a morte nos conduzir de retorno à pátria espiritual, estaremos
habilitados ao céu da consciência tranqüila, ainda que voltemos a conviver com
impertinente sogra.
Revista “Visão Espírita”, nº 23