O verdadeiro Mestre
Fernando Guedes de Mello
Vamos deixar combinado: toda vez que tratarmos da figura do “mestre”, fica subentendido que estamos nos referindo a ambos os sexos e, portanto, a mestres e mestras. Posto isto, retomemos a questão no ponto em que a deixamos no ensaio anterior: o objetivo último de qualquer mestre é fazer do discípulo um mestre também. Nunca foi tarefa de qualquer mestre garantir para nós cadeira cativa no céu, mas transformar-nos interiormente, servindo de espelho:
Em verdade vos digo: quem crê em mim fará as obras que faço. E as fará maiores… (Jo 14,12).
Já disse em outras oportunidades que, se morreu na cruz para nos salvar, Jesus foi o maior dos fracassados. Basta olhar o mundo ao nosso redor para constatar que o pecado está grassando solto por toda a parte, só que numa escala muito maior do que naquele tempo, na Judéia. Na realidade, Jesus Cristo veio fazer algo muito mais importante do que morrer por nós na cruz: ele veio proclamar o mistério do amor! De uma forma dramática e ao vivo, convidou-nos, pela sua crucificação, a crucificar o ego humano em nós.
O verdadeiro mestre é, portanto, aquele que se tornou senhor de si, vale dizer, mestre de si mesmo. É o que os orientais chamariam de “iluminado”, uma condição ao alcance de todos nós (Jo 10,34), já que fomos feitos à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). No dizer do Senhor Buda, “o que um homem pode, todos podem”, referindo-se ao seu próprio processo de auto-realização. E é isto que os mestres dignos desse nome devem almejar para os seus discípulos: chegar aonde eles mesmos chegaram e mais além… Nisso consiste a compaixão e o amor universal.
Embora possam lançar mão de poderes paranormais (siddhi dos yogues), inerentes à sua condição de maestria, eles não incentivam a sua busca como prioritária. A prioridade é o Reino.
Procurai em primeiro lugar o Reino e tudo mais vos será dado por acréscimo (Mt 6,33).
A obtenção dos siddhis não significa necessariamente santidade. Se sua busca galvanizar toda a nossa energia e atenção, isto poderá se constituir num obstáculo no nosso caminho espiritual. A literatura dos yogues, no Oriente, e dos espiritualistas, no Ocidente, está repleta de exemplos de pessoas detentoras de tais poderes que os empregaram para fins pessoais e que, por isso mesmo, os perderam ou tiveram mesmo um fim trágico. Eis aí, portanto, um critério válido para se saber se se trata de um mestre falso ou verdadeiro: como as árvores, eles serão conhecidos por seus frutos (Mt 7,15-20). Outros critérios:
O verdadeiro mestre jamais se proclama tal. Por seu exemplo de vida, aqueles que o cercam assim o chamarão.
O verdadeiro mestre nunca cria uma simbiose ou relação de dependência com os discípulos. Pelo contrário, incentiva-os a descobrir a verdade por si mesmos, em liberdade. Estimulará a autonomia, a iniciativa, a experiência de si, etc. Enfim, a independência. Não queremos dizer com isto que o mestre deve ser sempre “bonzinho”. Muitas vezes é severo e exigente para criar nos discípulos um senso de disciplina, sem o que todo o trabalho de crescimento espiritual ficará comprometido.
Se for autêntico, fará ver que a independência não tem sentido em si mesma. Ela só tem sentido se preparar o terreno para a interdependência, a comunhão entre os homens, quando então seremos “membros uns dos outros” (Ef 4,25). Parece ser esse o significado original de Igreja, não a organização religiosa com sua hierarquia, dogmas e interesses, como ficou conhecida depois.
O verdadeiro mestre também não é um doutor-sabe-tudo, que tem de dar resposta para tudo. Se alguém se apresentar como mestre e começar a responder a tudo que lhe perguntam, desconfiem! O mestre verdadeiro faz muito mais perguntas do que dá respostas. Ele nos questiona, lança-nos perguntas e nos desafia a procurar respostas por nós mesmos. É na busca da verdade que nós nos libertamos. Assim fazem os mestres no Zen ao propor um koan aos seus alunos, que é um enigma a ser resolvido pela mente desperta, parte do processo de iluminação.