Os Dez Mandamentos
Sem nos deixar levar pelo fanatismo cego, que infelizmente atinge a muitos,
entendemos que na Bíblia ao lado das ordenações divinas, Moisés ditou várias
outras leis, umas de cunho estritamente social, enquanto outras estavam
relacionadas aos rituais religiosos, mas que, para ficarem investidas de uma
maior autoridade, ele deixava-as passar como tendo sido provindas do próprio
Deus.
Neste estudo que ora estamos fazendo, iremos analisar todos os Dez
Mandamentos e demonstraremos que até neles existe algo que não podemos em sã
consciência atribuir como promanando da divindade.
Um problema que deparamos é realmente saber qual dos Dez Mandamentos estão de
acordo com a Bíblia, visto a divergência que existe sobre eles entre as
correntes religiosas. Por isso, iremos recorrer aos textos que constam da Bíblia
para saber exatamente como eles se encontram narrados no capítulo 20 de Êxodo,
versículos 2 a 13 (são repetidos em Deuteronômio 5, 6-21).
Entretanto, e para nossa maior surpresa, não é da forma que se encontram nas
passagens bíblicas que as correntes religiosas no-los passam. Nota-se claramente
que, em alguns casos, não são nem os mesmos termos que constam da Bíblia, apesar
de sempre afirmarem que não devemos mudar em nada os Textos Sagrados. Podem
alegar em sua própria defesa que o sentido é o que dizem, entretanto, podemos
também argumentar que quando citamos os Dez Mandamentos devemos enumerá-los tais
e quais os textos da Bíblia, já que não se trata de interpretação, mas apenas de
uma citação literal.
Devemos ter em mente que um mandamento, para ser divino, deverá atender a
pelo menos três requisitos básicos, quais sejam:
- Atemporal; que pode ser aplicado em todos os tempos, visto ser imutável;
- Universal; aplicação indistinta a todos os povos;
- Imparcial; atingir a todos da mesma maneira.
Assim, uma determinada lei que possa ir contra qualquer um desses requisitos,
não será nunca uma lei proveniente de Deus, mas apenas leis feitas pelas “mãos”
dos homens.
1º – Amar a Deus sobre todas as coisas.
Em Êxodo 20, 2-3: Eu sou o Senhor teu Deus, que te libertou do Egito, do
antro de escravidão. Não terás outros deuses além de mim.
É, sem dúvida alguma, uma Lei Divina, pois nós, seres humanos, sendo criados
por Deus, devemo-Lhe por gratidão todo o nosso amor. Essa Lei foi confirmada por
Jesus, como o primeiro mandamento a ser cumprido.
Só existimos por ato de sua vontade e amor.
E, pela ordem do Universo, não podemos admitir vários deuses, devemos somente
a Ele adorar.
2º – Não fazer imagens para adoração
Em Êxodo 20, 4-5: Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que
existe em cima, nos céus, nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas,
debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois
eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos
até à terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso de misericórdia por
mil gerações para com os que me amam e guardam meus mandamentos.
Percebe-se, claramente, que nem todas as correntes religiosas têm isso como
integrante dos Mandamentos, já que necessitam justificar os “ídolos” (imagens) a
que prestam culto, embora queiram dar outro nome para esse tipo de “adoração”.
E, assim, a questão das imagens, colocada no versículo 4, acabou tornando-se
um motivo de controvérsia religiosa, entre aqueles que veneram imagens e os que,
apoiados nesse versículo, não admitem de forma alguma tal veneração. Inclusive,
há pouco tempo atrás, num canal de TV, assistimos, constrangidos, a um
determinado líder religioso, numa atitude que demonstra uma completa falta de
respeito e caridade cristã, chutando uma imagem religiosa. Perguntamos se Jesus,
a quem dizem seguir, fez algo semelhante?
Respeitamos todos os pensamentos, mas a nosso ver, o Deus do Universo nunca
se preocuparia com uma coisa insignificante dessa. Achamos que o homem tem para
si que Deus é apenas o Deus da Terra e não de um Universo infinito. Se, por um
momento pararmos para analisar a nossa ignorância a respeito do Criador do
Universo, talvez não iríamos pensar que Ele iria ter uma atitude tão nesquinha
dessa. Ao contemplar o céu numa noite bem estrelada, diante dos bilhões de
astros, fora os que não se encontram no nosso campo de percepção, ficaremos
deslumbrados diante da extrema grandeza do Universo, e só após isso, é que
podemos mensurar sobre quem é o autor disso tudo. Aí, sim, é que teremos uma
tênue idéia da grandeza do autor. E, depois disso, pensarmos que Ele estaria
preocupado com imagens seria pura infantilidade.
Entretanto, cremos que, tudo isso tenha um motivo determinado. Ora, Moisés
querendo impor ao povo hebreu a idéia de um Deus único, necessitava afastar
daquele povo tudo o que poderia causar algum tipo de embaraço a tal idéia, e
assim, não teve outra alternativa, a não ser proibir a adoração das imagens, já
que isso era coisa muito comum naquela época, pois quase todos os deuses eram
representados por ídolos, para que o povo pudesse adorá-los. Devemos entender
que não tinham evolução espiritual suficiente para adorarem um Deus invisível.
Se admitirmos que isso seja realmente uma ordem divina, estaremos admitindo
que Deus é incoerente já que em outras oportunidades manda exatamente que se
façam imagens, senão vejamos:
1 – Êxodo 25, 18-19: “Farás dois querubins de ouro polido, nas duas
extremidades do propiciatório; um de um lado e outro do outro lado, de modo que
os querubins estejam nos dois extremos do propiciatório”.
Se formos consultar o “Aurélio” encontraremos que querubim é um ser da classe
dos anjos, entretanto, à época da narrativa bíblica, o seu significado consistia
de nada mais, nada menos, que um ser da mitologia babilônica, metade
homem e metade animal. Era, portanto, um ser misto, representado com rosto
humano e corpo de leão ou touro ou outros quadrúpedes com asas, vindo a ser,
portanto, uma espécie de esfinge.
Assim, fica também configurado um absurdo: que Deus contrariando sua
determinação anterior, tenha mandado fazer dois querubins, seres da mitologia
babilônica, e, não bastasse isso, tinha que ser de ouro puro.
2 – Números 21, 8-9: “O Senhor lhe respondeu: ‘Faze uma serpente venenosa
e coloca-a sobre um poste. Quem for mordido e olhar para ela, ficará curado’.
Moisés fez uma serpente de bronze e a colocou sobre um poste. Quando alguém era
mordido por uma serpente, olhava para a serpente de bronze e ficava curado”.
Sabemos que a serpente na Antigüidade, era o símbolo da divindade de cura.
Assim, mais uma vez, Deus, o contrário ao que havia dito antes, manda fazer uma
imagem. E, para piorar ainda mais as coisas, essa imagem era o símbolo de uma
divindade de cura. Talvez seja por isso que a medicina tenha tomado para seu
símbolo duas serpentes envoltas num poste. E,a respeito dessa serpente de bronze
que Moisés colocou num poste, o povo acabou por fazer dela um ídolo e por a
adorar por 700 anos.
E quanto ao versículo 5º, onde se diz que Deus castiga a culpa dos pais nos
filhos até à terceira ou quarta geração, é mais um outro absurdo. Uma vez que
disso somos forçados a supor que Deus não seja tão justo quanto o ser humano, já
que nossa justiça jamais admite que a culpa passe além de quem cometeu o delito.
Mas por outro lado, também, se torna incoerente com essa outra determinação
divina contida em Deuteronômio 24, 16: “Os pais não serão mortos pela culpa
dos filhos, nem os filhos pela culpa dos pais: cada um será morto por seu
próprio pecado”.
Somente por estas duas passagens já podemos questionar a tal de
“inerrância” da Bíblia, como querem alguns fanáticos cegos, que se apegam só
aos textos que lhes convêm, e passando a passos largos sobre os que não lhes
interessam.
Mas, talvez digam que são apenas duas passagens. Como, pois, ser tão radical
neste ponto? Entretanto, no conceito que temos de Deus, não podemos supô-Lo
mutável ou contraditório em qualquer uma das suas determinações, uma mínima que
seja, já que isso não se coaduna com a perfeição absoluta. E, além do mais,
essas duas estão entre várias outras que numa análise desapaixonada podemos
encontrar na Bíblia.
3º – Não tomar seu santo nome em vão.
Em Êxodo 20, 6: Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque
o Senhor não deixará impune quem pronunciar seu nome em vão.
Embora devemos ter todo o respeito ao nome de Deus, ficamos a pensar se
realmente isso poderia ser uma ordem divina ou se seria fruto do pensamento
cultural da época.
Lemos em Êxodo 3, 15: “Deus disse ainda a Moisés: ‘Assim falarás aos
israelitas: é Javé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o
Deus de Jacó, que me envia junto de vós. – Este é o meu nome para sempre, e é
assim que me chamarão de geração em geração’”. Diante disso, perguntamos: Se
Deus diz que seu nome é Javé, e que seria assim que deveríamos chamá-Lo, por que
motivo nós não o chamamos pelo seu nome? Ou as determinações divinas fora dos
Dez Mandamentos não devem ser cumpridas?
4º – Guardar o dia de sábado
Em Êxodo 20, 7:Lembra-te de santificar o dia do sábado. Trabalharás
durante seis dias e farás todos os trabalhos, mas o sétimo dia é sábado dedicado
ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua
filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que
vive em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez o céu e a terra, o mar e
tudo que neles há, mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia
do sábado e o santificou.
Ora, é comum vermos este Mandamento da seguinte forma: Guardar os domingos e
festas. Vejam que além de mudarem as determinações divinas (sábado para
domingo), acrescentam coisas que nem estavam lá, como é o caso das festas.
Aqui é necessário buscarmos o sentido da letra, para podermos entender esse
Mandamento. Existe uma necessidade fisiológica, tanto no homem quanto nos
animais, que é o descanso, de vital importância para se recomporem suas
energias, caso contrário, poderão morrer de esgotamento.
A inspiração divina foi captada com certeza. Entretanto, as palavras
utilizadas para registrarem-na podem não trazer o sentido exato dela, pois
correspondem à evolução cultural e espiritual de quem a recebeu.
Para o homem além da necessidade física, podemos também perceber uma outra de
natureza religiosa, ou seja, a importância de se reservar um dia para que as
pessoas pudessem se dedicar às suas atividades religiosas. Sem esse Mandamento,
fatalmente iria ocorrer que, além da exploração do trabalhador, haveria grande
dificuldade para que uma pessoa viesse a se aprimorar espiritualmente, já que
lhe faltaria tempo para se dedicar a isso.
5º – Honrar pai e mãe.
Êxodo 20, 8: Honra a teu pai e a tua mãe, para que vivas longos anos na
terra que o Senhor teu Deus te dá.
Podemos notar a importância desse Mandamento na recompensa prometida para
quem o cumprir. Os judeus imaginavam que uma vida longa aqui na Terra era
sinônimo de estar nas graças de Deus, pois nada sabiam ou compreendiam da
realidade espiritual. Como só aceitavam a vida física, nada mais lógico para
eles que viver muito tempo, o que lhes significava um prêmio. Podemos perceber
isso, claramente, na Bíblia, quando em suas narrativas encontramos pessoas tendo
um longo período de vida. Temos, por exemplo, os que viveram: 840 anos, 810
anos, 895 anos, 962 anos e 979 anos, o que, se entendermos na literalidade, iria
contrariar o que consta de Gêneses 6, 3: “E o Senhor disse: Meu Espírito não
ficará para sempre no homem, porque ele é apenas carne. Não viverá mais do que
120 anos”.
Sabemos também, que mesmo se não fosse uma Lei Divina, é nosso dever honrar
aos nossos pais, já que são eles que nos proporcionam essa nova reencarnação, ao
procriarem o nosso corpo físico. Vemos, neles, co-criadores, que “entregam” a
Deus um novo corpo físico para que um espírito venha a ter uma nova oportunidade
de crescimento e aprendizado, pela porta da reencarnação.
A eles devemos a nossa educação, principalmente a moral, e, se não puderam
dar mais deles para nós, é porque, muitas vezes, nós espíritos rebeldes, não
lhes damos ouvidos. Tudo que fazem a nosso favor, o fazem por amor. Quantas
vezes, nos revoltamos contra eles, quando éramos adolescentes, mas, ao nos
tornarmos maduros, não somente sermos adultos, compreendemos que tudo o que nos
fizeram não faltou o ingrediente do amor. Se voltarmos no tempo para lembrarmos
as vezes que passaram noites inteiras sem dormir, preocupados com nosso estado
de saúde, quando até mesmo uma simples gripe, para eles, era motivo de
preocupações, dar-lhes-íamos mais respeito e mais valor. Quanto é significativo
o carinho com que nossa mãe nos carregou no colo, oferecendo seu peito para que
sugássemos o leite materno de importância vital para o nosso desenvolvimento
físico e até mesmo emocional. São tantas coisas que devemos aos nossos pais, que
seremos totalmente ingratos, se não tivermos para com eles todo o respeito que
merecem.
6º – Não matar.
Em Êxodo 20, 9: Não matarás.
É exatamente neste mandamento que podemos confirmar que Moisés, ao lado das
Leis Divinas, colocou várias outras. Mas, para dar maior valor a elas de maneira
que o povo as seguissem cegamente utilizou, para isso, da estratégia de dizer
que eram provenientes de Deus. Não podemos condená-lo por isso, pois não havia
outro meio de moralizar um povo bruto e ignorante, como o de sua época.
Vejamos então, algumas citações bíblicas para confirmar isso. Recorremos ao
capítulo 21 de Êxodo:
12. Quem ferir mortalmente um homem, será punido de morte.
15. Quem ferir o pai ou mãe, será punido de morte.
16. Quem seqüestrar uma pessoa, quer a tenha vendido, ou ainda se encontre
em seu poder, será punido de morte.
17. Quem amaldiçoar o pai ou a mãe, será punido de morte.
E em Êxodo 22, encontramos mais ainda:
17. Não deixarás com vida uma feiticeira.
18. Quem tiver relações com um animal, será punido de morte.
19. Quem oferecer sacrifícios aos deuses, e não unicamente ao Senhor,
será condenado ao extermínio.
Bom, só por aí já podemos verificar que, se tudo isso for realmente
Mandamento Divino, onde fica o “Não matarás”? Seria, podemos admitir, Deus
agindo com incoerência, o que a nosso ver, repetimos, é inegavelmente um
absurdo.
Quem sabe se a vergonhosa Santa Inquisição, que de Santa não tinha nada, não
tenha se baseado nisso para levar à fogueira os hereges e as feiticeiras?
Mas, para uma compreensão mais racional da Bíblia, devemos levar em conta os
fatores culturais relativos ao povo e a época do acontecimento. Assim,
considerando que a legislação de Moisés foi ditada, quando o povo hebreu se
encontrava no deserto, e não os esqueçamos que nele permaneceram por 40 anos,
fica fácil entendermos que, como não havia construções em alvenaria, para se
colocar nelas, em reclusão, os criminosos e, nessa circunstância, não havia como
ficarem pessoas apenas vigiarem-nos, era mais cômodo, quem sabe até mesmo
recomendável, que a morte fosse a pena para todos os crimes, não é mesmo?
Entretanto, admitir que tais leis venham de Deus é que não seria racional e
lógico.
7º – Não adulterarás.
Em Êxodo 20, 10: Não cometerás adultério.
Esse Mandamento, algumas vezes, o encontramo-lo da seguinte forma: “Não pecar
contra a castidade”. Ora, castidade não tem o mesmo significado que adultério.
Sendo a castidade definida como abstinência total dos prazeres sexuais. E
pergunto se as pessoas casadas estariam infringindo tal lei? Ou não seria uma
lei para, de certa forma, justificar o celibato?
O significado de adulterar: 1. Falsificar, contrafazer: 2. Corromper, viciar,
deturpar, deformar. 3. Mudar, alterar, modificar, podendo ainda corresponder a
cometer adultério, ou seja, infidelidade conjugal.
Antigamente, poderiam vê-lo somente quanto à questão da infidelidade
conjugal, visto o machismo do povo hebreu. Mas, modernamente, poderemos
compreendê-lo também com um significado mais amplo, e o próprio Jesus o utilizou
dessa maneira (Marcos 16, 4: Uma geração má e adúltera pede um sinal, e
nenhum sinal lhe será dado, senão o sinal do profeta Jonas.). Quando
apresentaram a Ele a adúltera, pedindo-Lhe a opinião sobre o que deveriam fazer
a ela, sabiam que pela Lei Mosaica ela deveria ser apedrejada. Entretanto, por
que nada disseram sobre o adúltero, quando se sabe que não poderia uma mulher
cometer adultério sozinha? Isso, sem dúvida, reflete também a cultura da
sociedade machista da época
8º – Não furtar.
Êxodo 20, 11: Não furtarás.
A questão de se apropriar indevidamente do que não nos pertence faz parte do
respeito que devemos ter para com nosso próximo. Por outro lado, isso sanciona o
direito que cada um tem de possuir alguma coisa, desde que a obtenha por vias
legais e éticas.
Entretanto, cabe à sociedade como um todo a incumbência de levar a todos os
seus membros o ensino público, onde também os valores da ética e da moral
deverão fazer parte do programa de aprendizado do aluno. Falindo nesse aspecto,
a conseqüência é inevitável, já que indivíduos sem esses valores acabam por se
tornarem em delinqüentes de todas as espécies.
9º – Não levantar falso testemunho.
Em Êxodo 20, 12: Não levantarás falso testemunho contra o próximo.
Fundado principalmente numa questão de justiça, é inegável que se trata de um
preceito natural, portanto, divino.
Um pouco atrás, falamos do período da Inquisição, e sabemos que durante ela
esse Mandamento não era tido como divino, já que não faziam a menor questão de
aplicá-lo.
10º – Não desejar a mulher do próximo nem cobiçar nenhum de seus bens.
Em Êxodo 20, 13: Não cobiçarás a casa do próximo, nem a mulher do próximo,
nem o escravo, nem a escrava, nem o boi, nem o jumento, nem coisa alguma do que
lhe pertence.
É comum vermos esse Mandamento desmembrado em dois: Um como o nono
mandamento: Não desejar a mulher do próximo e o outro, como décimo: Não cobiçar
as coisas alheias.
Falamos um pouco atrás que as determinações de Deus devem ser atemporais,
universais e imparciais. Se formos fazer uma análise do texto bíblico,
utilizando desses critérios, chegaremos à conclusão que este não passa por esse
crivo.
A sociedade machista em que se constituía o povo hebreu é a única coisa que
encontramos para justificar a questão de “não cobiçar a mulher do próximo”. Veja
que seria um absurdo admitir que a mulher do próximo poderia desejar o marido da
outra, já que isso não está explicitamente proibido. E o que não é proibido é
permitido. Mas, se bem analisarmos a questão, o desejar a mulher do próximo ou o
marido da próxima, ela já estaria no contexto do “não adulterarás”, assim
ficaríamos com duas ordens divinas para a mesma situação. Voltando ao que já
dissemos anteriormente, devemos entender os fatores culturais da época. Assim,
podemos perceber que o que se encontra listado nessa passagem reflete apenas o
que, para época, era de suma importância para aquele povo. Veja, por exemplo a
questão do escravo. Qual o sentido de sua aplicação nos dias de hoje? Poderemos
cobiçar a “Mercedes” do próximo? O jumento era um meio de transporte muito
utilizado na época, entretanto, hoje utilizamos o carro, como ficaria, pois, a
aplicação literal desse Mandamento?
Quanto à questão da mulher, ela era tida como propriedade do homem, talvez,
assim considerada, por causa da narrativa bíblica de sua criação. Já que, pela
Bíblia, Deus criou o homem primeiro, para só depois resolver dar-lhe uma
companheira. Mas, ao invés de criá-la também do barro, donde veio o homem, como
consta da Bíblia, toma-a da costela do homem. O significado disso tudo realça
que a mulher não tinha valor algum, e até para ser criada, foi dependente do
homem. E será que isso foi orientado por Deus, ou Ele, também, era ainda muito
atrasado, como o era a Humanidade daquele época? É óbvio que tudo isso tem muito
a ver com o homem, e não com a Inspiração Divina, pois Deus é imutável, sendo
sempre o mesmo, ontem, hoje e sempre.
Outra conclusão interessante desse machismo hebreu daquela época vamos
encontrar em dois castigos para a mulher (Eva), registrados em Gêneses 3, 16:
“…e o teu desejo será para o teu marido”, e “…e ele te dominará”.
É desnecessário qualquer outro comentário.
Os Dez Mandamentos na codificação.
Kardec, pergunta aos Espíritos superiores, conforme consta do Livro dos
Espíritos (LE):
Perg. 614 – Que se deve entender por Lei Natural?
R – A Lei Natural é a Lei de Deus é a única verdadeira para a felicidade do
homem. Ela lhe indica o que deve fazer e o que não deve fazer, e ele não é
infeliz senão quando se afasta dela.
Perg. 615 – A Lei de Deus é eterna?
R – Ela é eterna e imutável quanto o próprio Deus.
Perg. 621 – Onde está escrita a Lei de Deus?
R – Na consciência.
No desenvolvimento das Leis Naturais (Leis Divinas), vemos uma certa
correspondência com os Dez Mandamentos. São também em número de dez, quais
sejam:
I – De Adoração
É a elevação do pensamento a Deus. Pela oração, a alma se aproxima dele (perg.
649 LE).
II – Do Trabalho
O trabalho é uma Lei Natural, por isso mesmo é uma necessidade e a
civilização obriga o homem a trabalhar mais porque aumenta suas necessidades e
seus prazeres (Perg. 674 LE).
III – Da Reprodução
Sem ela o mundo corporal pereceria (Perg. 686 LE).
IV – De Conservação
O instinto de conservação é dado a todos os seres vivos, qualquer que seja o
grau de sua inteligência. Em uns, ele é puramente maquinal, em outros ele é
racional (Perg. 702 LE).
V – De Destruição
É preciso que tudo se destrua para renascer e se regenerar, porque o que
chamais destruição não é senão uma transformação que tem por objetivo a
renovação e melhoramento dos seres vivos (Perg. 728 LE).
VI – De Sociedade
Deus fez o homem para viver em sociedade. Deus não deu inutilmente ao homem a
palavra e todas as outras faculdades necessárias à vida de relação (perg. 766
LE).
VII – Do Progresso
O progresso é lei natural, cuja ação se faz sentir em tudo no Universo, não
sendo admissível, por conseguinte, possa o homem frustrá-la ou contrapor-se-lhe.
VIII – De Igualdade
Todos os homens são iguais diante de Deus, todos tendem ao mesmo fim e Deus
fez suas Leis para todos (perg. 803).
IX – De Liberdade
O homem é, por natureza, dono de si mesmo, isto é, tem o direito de fazer
tudo quanto achar conveniente ou necessário à conservação e ao desenvolvimento
de sua vida. Essa liberdade, porém, não é absoluta, e nem poderia sê-lo, pela
simples razão de que, convivendo em sociedade, o homem tem o dever de respeitar
esse mesmo direito em cada um de seus semelhantes.
X – De Justiça, de Amor e de Caridade
A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um. Amai-vos uns aos
outros disse Jesus. Caridade é benevolência para com todos, indulgência para com
as imperfeições alheias e perdão das ofensas.
Conclusão
Pode alguém ficar escandalizado com algumas coisas que estamos dizendo,
entretanto, é bom que se diga que Jesus, de certa forma, modificou os Dez
Mandamentos. Fez uma síntese deles, que não há como contestá-los mais.
Encontramo-la em Mateus 22, 36-40: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?
Respondeu Jesus: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de
toda a tua alma e de todo teu espírito. Este é o maior e o primeiro
mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás teu próximo como
a ti mesmo. Nesse dois mandamentos se resumem toda a Lei e
os Profetas’”.
Quem ama verdadeiramente seu próximo, não mata, não rouba, não cobiça, enfim,
nada faz que seja contra este outro ensinamento de Jesus: Tudo o que quereis
que os homens vos façam, fazei-o vós a eles. Acrescentando: Esta é a Lei
e os Profetas. (Mateus 7, 12).
Paulo da Silva Neto Sobrinho
Jan/2002.
Bibliografia:
- Bíblia Sagrada, Edição Barsa, 1965.
- Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Sociedade Bíblica Católica Internacional
e Paulus, 14ª Impressão 1995 - O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, IDE, SP, 37ª edição 1987.
Publicado na edição de março de 2002 do Jornal “O Semeador”, da FEESP.