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Os Sonhos, no Espiritismo e na Psicanálise

Os Sonhos, no Espiritismo e na Psicanálise

João Alberto Vendrani Donha

Durante centenas de anos os sonhos foram encarados como portadores de vaticínios transmitidos por deuses ou forças superiores, e que, de alguma forma, poderiam ser interpretados, respondendo a necessidades imediatas de indivíduos ou grupos. Na filosofia, chegou a ser aceito como resultado da elevação da alma ou do desprendimento do espírito das amarras do corpo promovido pelo sono. Na ciência ocidental, a medicina cartesiana tentou reduzi-lo a manifestação inútil de grupos isolados de células do cérebro adormecido respondendo a estímulos externos casuais.

A psicanálise, apesar de confessadamente mecanicista, recuperou o sentido e o potencial significante dos sonhos, tornando-os passíveis de interpretação e conhecimento, o que, aliás , nunca fora renegado pela crença popular. Mas, manteve uma redução conceitual: sonhos são realizações de desejos.

O Espiritismo, com meio século de antecedência em relação à psicanálise, trouxe a primeira teoria realmente científica sobre o sonho. E, também, a mais completa, pois o admite como sendo desde uma simples manifestação puramente cerebral, passando pela identificação do sonho como realização do desejo e, ampliando sobremaneira o conceito, quando identifica o desprendimento do espírito e suas atividades extra-corpóreas como constituindo matéria dos sonhos.

Freud chegou muito perto disso, mas o enorme preconceito que ele e seus contemporâneos nutriam pelo ocultismo o impediu de ir além. É importante observar que em seu tempo, tanto quanto hoje em dia na Europa, o Espiritismo é apenas mais uma repartição na grande estante do ocultismo. Então, como hoje, os europeus empregavam amiúde o termo ocultismo como sinônimo de espiritismo. Freud declarou o ocultismo como inimigo da psicanálise! Ele relaciona a perda de valores pela guerra (1914/18) e a troca do paradigma mecanicista pelo relativista como facilitadores da expansão do ocultismo. (Exatamente os mesmo fatores que alguns antropólogos modernos relacionam como responsáveis pelo declínio do Espiritismo). Reconhece que há um parentesco aparente entre psicanálise e ocultismo – o inconsciente e seus mistérios, bem como o fato de a psicanálise ser encarada como “mística” – mas, diz, o ocultista não procura o conhecimento: ele é um crente buscando confirmação. Pode ser que o analista encontre confirmação para alguns fatos “ocultos”, mas o ocultista irá generalizar e proclamar o triunfo de suas opiniões. Por isso mesmo, segundo ele, “a aceitação geral do ocultismo provocaria um colapso do pensamento crítico, dos padrões deterministas e da ciência mecanicista”. Ele não deixa de ter razão, uma vez que a aceitação geral do Espiritismo provocará sim um colapso, não só na ciência, mas, também, na economia, na política, na sociedade enfim, pela substituição de paradigmas: o lucro, pelo desapego.

Quanto aos sonhos, ele reconhece que podem ser confundidos com “fantasias noturnas sem acréscimos”, “repetição de experiências reais do dia” e com “sonhos telepáticos”. Sua descrição destes últimos os deixa iguaizinhos aos sonhos espíritas, porém, ele os considera “uma percepção de algo externo perante o qual a mente permanece passiva e receptiva”. Mas ele prefere denominar tudo isto de “outros produtos mentais do estado de sono” e, não, como “sonhos”. Sonhos, dignos deste nome, seriam apenas quando há condensação, deformação, dramatização e, acima de tudo, realização de desejo.

Leon Denis divide os sonhos em três categorias: “Primeiramente, o sonho ordinário, puramente cerebral, simples repercussão de nossas disposições físicas ou de nossas preocupações morais”. A segunda categoria equivale ao “primeiro grau de desprendimento do Espírito”, quando este “flutua na atmosfera, sem se afastar muito do corpo; mergulha, por assim dizer, no oceano de pensamentos e imagens que de todos os lados rolam pelo espaço”. “Por último vêm os sonhos profundos, ou sonhos etéreos. O Espírito se subtrai à vida física, desprende-se da matéria, percorre a superfície da Terra e a imensidade…” Mas o grande escritor espírita não observou, ao contrário do que está em “O Livro dos Espíritos”, a categoria que mais impressionou Freud, justamente por fornecer maior quantidade de material para as análises.

Na questão 405 de “O Livro dos Espíritos”, Kardec pergunta sobre as coisas que parecem pressentimentos, nos sonhos, mas que não se confirmam, e a resposta é que “o Espírito viu aquilo que ele DESEJAVA…” E, mais: “as preocupações do estado de vigília podem dar ao que se VÊ a aparência do que se DESEJA, ou do que se teme”. Na questão 406, Kardec aborda o fato de sonharmos com pessoas que conhecemos cometendo atos de que elas não cogitam, e os Espíritos voltam à questão do desejo: “não é raro atribuirdes, de acordo com o que DESEJAIS, a pessoas que conheceis, o que se deu ou se está dando em outras existências”. Os Espíritos não precisavam dizer mais do que isto. Não competia a eles ou a Kardec aprofundarem-se mais nesse caminho, uma vez que o interesse espírita estava sobre os “sonhos profundos”. Mas, quem limitou ou reduziu a conceituação de sonhos foi Sigmund Freud.

Fontes:

  • “O Livro dos Espíritos”; Allan Kardec; FEB.
  • “No Invisível”; Leon Denis; FEB.
  • “Psicanálise e Telepatia” e “Sonhos e Telepatia”; Sigmund Freud; Edição Standard Brasileira; Volume XVIII.
  • “Sobre os Sonhos”; idem; idem; Volume V.

Curitiba, Paraná
julho 2001
Centro Espírita Luz Eterna – CELE
cele@cele.org.br

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