RAZÕES PARA A DÚVIDA: Jesus não tem nenhuma importância para os orientais, assim como Maomé não representa nada pra nós (Maomé não nos diz nada … no máximo o consideramos no aspecto histórico).
Nossa dúvida vem desse complexo de superioridade que temos por achar que Jesus (o ser perfeito, do nosso ponto de vista) nasceu aqui no ocidente. Talvez cada cultura tenha o “ser perfeito” adequado às suas possibilidades de entendimento, à sua realidade. Cada “ser perfeito” vem para ensinar às pessoas daquela sociedade, para ajudá-las na sua reforma íntima através de seus ensinamentos. Na sociedade judaica da época, Jesus era quem se faria entender. Mas entre os muçulmanos ele teria a mesma força? Ou Maomé foi o mais adequado? Assim como Buda na Índia e oriente “distante” (porque na verdade Cristo não deixa de ser meio oriental … ao menos na nossa divisão atual de oriente/ocidente).
Então, vendo assim, seria possível afirmar que Buda, Maomé, Jesus, Confúcio são seres “iluminados” que vieram em épocas e lugares diferentes com uma missão que tinha relação com os conflitos da sociedade em que encarnaram, naquele momento, numa tentativa de superação de conflitos/problemas/defeitos ou de apenas mostrar o caminho. Se pensarmos assim, podemos ter um maior respeito pelas diferenças, sem nos julgarmos o supra sumo da humanidade.
Mas, já que os problemas eram daquela época, porque todos esses “caras” continuam atuais? Porque eles não se propuseram a solucionar os problemas cotidianos das pessoas, mas os mais interiores, que dizem respeito à natureza humana. Talvez eles quisessem alterar os códigos sociais, mas para isso trabalharam para mudar o coração das pessoas, a base que alteraria os problemas corriqueiros (por ex.: a solução do problema do lixo não é a compra de mais 500 caminhões para coleta, mas a educação do povo).
Agora, porque vemos Jesus e talvez Buda como superiores? Talvez porque Confúcio e Maomé tenham tentado solucionar o problema atacando os sintomas, e criaram leis e mais leis, teorias políticas. Buda optou pela mente e coração dos homens como forma de mudar toda a sociedade. A sociedade é a soma de todos os homens. Se cada homem se melhorar, através do auto-conhecimento e do respeito pelo mundo que o cerca, a soma de todas essas melhorias individuais vai ser um mundo melhor, uma humanidade melhor.
Pessoas que se conhecem e são equilibradas e sabem da divindade que há em tudo, e se sentem parte disso, não deixam um irmão morrer de fome ou frio. Isso era Buda. E muitos afirmam que o pensamento de Jesus foi influenciado pelo legado de Buda. Mas ele encarnou numa sociedade judaica, capitalista (os judeus sempre foram meio nômades e mercadores) em que o apelo ao auto-conhecimento não tinha muita vez. Como tocar as pessoas que viviam nessa realidade?
No fundo as mensagens de Buda e de Jesus não diferem. Ambos falam de caridade, amor, respeito. Mas eles falavam para públicos diferentes, e tinham que fazer abordagens diferentes.
Não questionamos que a mensagem de Jesus possa ser mais profunda ou melhor que a do budismo. Jesus, além de todas as suas inúmeras qualidades, pôde estudar e aperfeiçoar o pensamento de seus anteriores (e sabe-se lá quantos mais além desses que falamos…).
O que queríamos saber, e se, na visão espírita, cabe esse tipo de raciocínio que fizemos aqui.
Porque, aquela história de que Jesus nasceu no ocidente porque aqui teria mais condições de espalhar o cristianismo é uma contradição com a realidade da época, e também com a atual. Essa idéia de missionário nos lembra aqueles jesuítas do descobrimento do Brasil, destruindo os índios e sua cultura em nome de uma evangelização que eles não entendiam na teoria (na verdade, os índios possivelmente eram mais “cristãos” – no sentido filosófico e metafísico – que os próprios jesuítas). Acho que, considerando que exista um plano superior, faz mais sentido imaginar que se promova o crescimento da humanidade através de mestres que se façam entender nos diferentes ambientes. Acho que isso faz mais sentido até do ponto de vista espírita, com o crescimento em etapas, no aprendizado a partir das próprias dificuldades.
Quem mudou o mundo para os Budistas foi o Buda. Mas aí entram também as concepções de “mundo”. O mundo dos judeus era um mundo de mercadores, então era um mundo geográfico, sobre o qual eles transitavam e tinham influência. O mundo de um paquistanês ou mesmo de um indiano é muito mais limitado. Eles não são povos nômades. Em alguns casos vivem em montanhas, numa economia de subsistência. O mundo deles se resume ao espaço que os cerca mais diretamente, e ao mundo interior. As montanhas convidam à introspecção. Não é a toa que os budistas são mais meditativos, enquanto que os cristãos mais “ativos”.
Papel de Jesus fora do Ocidente
Carlos Iglesia
Creio que a solução da questão que propôs, passa por definirmos melhor o que significa a influência de Jesus sobre as pessoas e os povos. A interpretação tradicional, de que a cristianização se limita a adoção simbólica da crença através do batismo e ao fato da pessoa passar a adora-lo como um Deus, é falha e não corresponde a essência mesma da mensagem deixada por ele no Evangelho. Consideramos mais válida a proposta espírita, de que tornar-se cristão é procurar praticar os ensinamentos de Jesus. O foco principal do cristianismo passa da “adoração” para a “vivência”.
Dentro dessa visão, a implantação do cristianismo pode ser vista como um processo gradativo, que vai avançando a medida que a prática diária dos princípios cristãos se incorpora na vida cotidiana de uma pessoa, de um grupo social ou de uma civilização. Nem mesmo o Ocidente cristão é ainda cristão nesse sentido. Sofremos uma maior influência do Nazareno, mais ainda estamos avançando no entendimento do que ele ensinou e na sua prática. Outra conseqüência dessa visão é que mesmo sociedades que nominalmente não se classificam como cristãs, mas que tenham incorporados conceitos oriundos do Cristianismo, podem também ser consideradas dentro da esfera de influência de Jesus. A missão de Jesus foi de esclarecimento, de salvação através da prática do “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo a si mesmo” e não de implantar um novo culto.
A “interiorização” do Evangelho não é assunto tão simples quanto parece a primeira vista, prova disso é que estamos há 2000 anos aprendendo o evangelho e ainda temos miséria entre nós, e, mais ainda, Jesus partiu da base fornecida pela Lei Mosaica, por sua vez amparada no monoteísmo de Abrão, Isaac e Jacó. O Espiritismo é parte desse processo, e surgiu na época propícia como reafirmação e complementação da lição ministrada pelo homem de Nazaré. Querer entender o Espiritismo fora desse contexto histórico é uma tarefa bastante árdua e, na minha opinião, fadada ao fracasso. Espiritismo sem Jesus é como uma árvore sem raiz.
Posto que o processo de evangelização do mundo ainda não terminou, nem mesmo no Ocidente “cristão”, é um tanto prematuro dar um veredicto final sobre esse processo no resto do mundo. Temos que pensar em termos parecidos ao do plano espiritual, em longo prazo, pois somos espíritos que vivem inumeráveis vezes sobre o nosso planeta, aprendendo lições para o nosso progresso espiritual e, para as quais, cada civilização ou povo representa diferentes cursos do currículo.
Mas mesmo considerando o momento histórico atual, você poderá constatar que a civilização ocidental atual exerceu e exerce imensa influência sobre as outras civilizações contemporâneas (e também é influenciada por elas é claro). O contato do Ocidente com o resto do mundo tem transformado estruturas sociais e modos de pensar. Ora, a civilização ocidental atual nada mais é do que o resultado de séculos de ensinamento cristão agindo sobre os povos barbaros e os restos da civilização greco-romana. Em suma, quando outros povos adotam nossos conceitos de liberdade individual, de sociedades organizadas democraticamente, de direitos humanos, não estão adotando somente heranças romanas ou hebraicas, estão também adotando a influência transformadora do evangelho sobre essa herança: Estão sendo influenciados por Jesus.
Quanto a comparação de povos e civilizações, há um critério que pode ser aplicado sem medo de Eurocentrismo:
“De dois povos chegados ao cume da escala social, só poderá dizer-se o mais civilizado, na verdadeira acepção do termo, aquele em que se encontre menos egoísmo, menos cupidez e menos orgulho; onde os hábitos sejam mais intelectuais e morais que materiais; onde a inteligência possa se desenvolver com mais liberdade; onde haja mais bondade, boa-fé e benevolência e generosidade recíprocas; onde os preconceitos de casta e de nascimento estejam menos enraizados, porque esses preconceitos são incompatíveis com o verdadeiro amor ao próximo; onde as leis não consagrem nenhum privilégio e sejam as mesmas para o último, como para o primeiro; onde a justiça se exerça com menos parcialidade; onde o fraco encontre sempre apoio contra o forte; onde a vida do homem, suas crenças e suas opiniões sejam melhor respeitadas, onde haja menos infelizes e, enfim, onde todos os homens de boa vontade estejam sempre seguros de não lhes faltar o necessário”. (Allan Kardec, “O Livro dos Espíritos”, comentários ao tema “Civilização” tratado nas questões 790 a 793. Tradução de Salvador Gentile para o Instituto de Difusão Espírita).
Enfim, há muito chão a percorrer e, somente completando, o Espiritismo respeita todas as crenças sinceras, bem como seus ensinamentos e homens excepcionais, que não deixam de ser Espíritos evoluídos encarnados entre nós, para nos indicar o caminho do progresso.
Atenciosamente,
Carlos Iglesia
Papel de Jesus fora do Ocidente
Elzio Souza
No Oriente, Jesus não é um desconhecido. Na Índia, ele é profundamente respeitado por todos os grandes mestres. Existem livros escritos por autores hindus, inclusive swamis, e referências dos mestres à grandeza de Jesus. Eu possuo alguns. Ramakrishna teve, inclusive, uma visão de Jesus em que ele foi anunciado como o “Rei dos Yogues”.
Os judeus, no tempo de Jesus, que viviam na Palestina, constituíam uma sociedade agrícola, como pode atestar o sistema de tributos para o Templo – a temurá, o primeiro dízimo, o segundo dízimo, o terceiro dízimo, e a renda do quarto ano. Naturalmente, eram ligados também ao pastoreio, como relembra a parábola da ovelha perdida, mas sobretudo o número de vítimas animais que eram mortas durante a páscoa. Os que viviam na diáspora eram também contribuintes. Eles não eram nômades.
Os islamitas têm Jesus como um profeta*. A inclinação guerreira do fundamentalismo islâmico encobre a bela mensagem do sufismo e até do sikkismo, embora os seguidores do guru Nanak tenham ultimamente se envolvido em disputas religiosas sangrentas na Índia.
A sociedade judaica não pode ser denominada capitalista, utilizando-se os parâmetros atuais. O Judaísmo criou um sistema de controle social através da shemitá – o ano sabático, no qual além de outras medidas, como o perdão das dívidas e os empréstimos aos pobres sem juros em dinheiro ou alimentos, os produtos que cresciam de modo espontâneo no campo (durante este ano não se trabalhava a terra) pertenciam a todos (eram socializados), servos, estrangeiros, empregados, animais, – e do yovel – ano do jubileu (a cada 50 anos) com perdão das dívidas, libertação de escravos, devolução da terra a seu antigo dono, etc., e possuía uma série de direitos concernentes aos pobres como o da respiga da colheita, o recolhimento de feixes esquecidos durante a época da colheita e o do canto do campo deixado para eles. A beneficência era um direito dos pobres, e todas as dádivas entendidas como “presentes de Deus”. A caridade não era produto da compaixão para com eles, mas de respeitar-lhes os direitos, por ser uma obrigação perante Deus.
Nota do GEAE
* ¨E depois deles (profetas), enviamos Jesus, filho de Maria, corroborando a Tora que o precedeu; e lhe concedemos o Evangelho que encerra Orientação e Luz, o qual confirma a Tora, e é Orientação e exortação para os tementes.¨ 5.a Surata, ¨A Mesa Servida¨ , versículo 46 – Os Significados dos Versículos do Alcorão Sagrado, tradução do Prof. Samil El Hayek para o Centro de Divulgação do Islam para a América Latina. (retorna ao texto)
(Publicado no Boletim GEAE Número 355 de 27 de julho de 1999)