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Parábola da Ovelha, da Dracma e do Filho Pródigo

Parábola da Ovelha, da Dracma e do Filho Pródigo

Relata Lucas que, certa vez, entrando Jesus na casa de um dos principais fariseus
para tomar refeição, achegaram-se a ele muitos publicanos e pecadores para ouvi-lo.
Em sua muita indulgência, o Mestre a ninguém repelia, o que deu ensejo a que alguns
circunstantes, escandalizados, se pusessem a murmurar, dizendo: Olhem, como este
homem acolhe os pecadores, e até come com eles. Respondendo a essa crítica, Jesus
pronunciou três parábolas em que salienta a solicitude de Deus para salvar os que
se perdem. Hei-las, tal como foram registradas por aquele evangelista: “Qual de
vós outros é o homem que tem cem ovelhas e, se perde uma delas, não deixa as noventa
e nove, e vai buscar a que se havia perdido, até que a ache? E que, depois de a
achar, a põe sobre seus ombros, cheio de gosto, e, vindo a casa, chama os seus amigos
e vizinhos, dizendo-lhes: Congratulai-vos comigo, porque achei a minha ovelha, que
se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior jubilo no céu sobre um pecador
que fizer penitência, que sobre noventa e nove justos que não há mister de penitência”
(Mateus, XVIII, 12-14; Lucas, XV, 3-7).

Ou que mulher há que, tendo dez dracmas, e, perdendo uma, não acenda a candeia
e não varra a casa, e não a busque com muito empenho, até que a ache? E que, depois
de a achar, não convoque as suas amigas e vizinhas, para lhes dizer: Congratulai-vos
comigo, porque achei a dracmas que tinha perdido” (Lucas, XV, 8-10).

Assim vos digo eu que haverá júbilo entre os anjos de Deus por um pecador
que faz penitência. Disse-lhes mais: Um homem teve dois filhos e disse o mais moço
deles, a seu pai: Pai dai-me a parte da fazenda que me toca. E ele repartiu entre
ambos a fazenda. Passados não muitos dias, entrouxando tudo o que era seu, partiu
o filho mais moço para uma terra muito distante, país estranho, e lá dissipou toda
a sua fazenda, vivendo dissolutamente. Depois de ter consumido tudo, sucedeu haver
naquele país uma grande fome, e ele começou a sentir necessidades. Retirou-se, pois,
dali e acomodou-se com um dos cidadãos da tal terra. Este, porém, o mandou para
os seus campos, a guardar os porcos. Aí, desejava ele encher a sua barriga de “lavagem”,
das que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava. Até que, tendo entrado em si, disse:
“Quantos jornaleiros há, em casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu aqui
pereço á fome” Levantar-me-ei, irei procurar meu pai, e dir-lhe-ei: Pai pequei contra
o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; faze de mim como
de um dos teus jornaleiros . Levantou-se, pois, e foi ao encontro de seu pai. E
quando ele ainda vinha longe, viu-o seu pai, que ficou movido de compaixão, e, correndo,
lançou-lhe os braços ao pescoço, para o abraçar, e o beijou. E o filho lhe disse:
Pai pequei contra o céu e diante de ti; já não sou digno de ser chamado teu filho.
Então disse o pai aos seus servos: Trazei depressa o seu melhor vestido, e vesti-lho,
e metei-lhe um anel no dedo, e o sapato nos pés; trazei também um vitelo bem gordo,
e matai-o, para comermos e nos regalarmos, porque este meu filho era morto, e reviveu,
tinha-se perdido, e achou-se. E começaram a banquetear-se. Seu filho mais velho
estava no campo, e, quando veio e foi chegando a casa, ouviu a música e as danças.
Chamou um dos servos e perguntou-lhe que era aquilo. Este lhe disse: E’ chegado
teu irmão, e teu pai mandou matar um novilho cevado, porque veio com saúde. Ele
então se indignou e não queria entrar; mas, saindo, o pai começou a rogar-lhe que
entrasse, ao que lhe deu esta resposta: Há tantos anos que te sirvo, sem nunca transgredir
mandamento algum teu e nunca me deste um cabrito para eu me regalar com meus amigos;
mas, tanto que veio este teu filho, que gastou tudo quanto tinha com prostitutas,
logo lhe mandaste matar um novilho gordo. Então lhe disse o pai: Filho, tu sempre
estás comigo, e tudo o que é meu é teu; era, porém, necessário que houvesse banquete
e festim, pois que este teu irmão era morto, e reviveu, tinha-se perdido, e achou-se”
(Lucas, XV, 11-32).

Estas três parábolas, como se nota claramente, podem reduzir-se a uma só, pois
sua idéia central é a mesma: a salvação de todas as almas.

Jesus previa, porém, que seus ensinamentos seriam desnaturados pelas agremiações
religiosas, pressentia que iriam desfigurar completamente o caráter paternal de
Deus, qual ele no-lo veio revelar, e, por isso, deixou-nos aqui esta tríplice afirmação
do Seu amor e de Sua misericórdia, num solene e formal desmentido às penas eternas
do inferno.

I

Procuremos entender bem, num exame mais profundo, os belíssimos ensinamentos
contidos em cada uma dessas três parábolas.

As cem ovelhas da primeira são o domínio universal de Deus.

Cem, número perfeito, simboliza a totalidade dos seres que compõem as humanidades
espalhadas pelas inumeráveis moradas da casa do Pai.

A ovelha desgarrada somos nós, os terrícolas, espíritos rebeldes à Lei de Deus.

O pastor dessa ovelha é Jesus, o governador do planeta Terra.

Como é que os lanígeros se perdem?

Pelo apetite. Atraídos pelas ervas tenras de certas regiões, vão-se afastando
cada vez mais do pastor, a ponto de não mais poderem ouvir-lhe a voz, quando, à
tarde, ele os chama para o retorno ao aprisco.

Também nós outros, em nossa jornada evolutiva, temo-nos transviado pelas desordens
do apetite. Deixamo-nos seduzir pelo mundanismo; andamos à cata de gozos e conquistas
materiais; familiarizamo-nos com os vícios, que se degeneram em maus costumes; entregamo-nos
às paixões e aos excessos de toda a ordem; movidos pela ambição, enveredamos, muitas
vezes, pelos ínvios caminhos do crime; desorientamo-nos, afinal, em tão sinuoso
labirinto, e, entregues ao desespero, já não atinamos como voltar para a companhia
de nossos irmãos situados em melhor plano .

Assegura-nos, porém, a parábola, que não ficaremos perdidos para sempre, pois
Jesus, “O bom pastor, que dá a própria vida pelas suas ovelhas” (João,
10:11)
, virá a nossa procura até que nos encontre e nos ponha a salvo.

Não há aqui a menor sombra de dúvida. A locução conjuntiva “até que” expressa
fielmente que o pegureiro que nos apascenta não descansará enquanto não alcançar
o seu objetivo, isto é, enquanto não realizar sua obra de redenção.

E: assim como o pastor congrega amigos e vizinhos, também ele reúne seus cooperadores
e lhes diz: “Alegrai-vos comigo porque achei a minha ovelha, que se achava perdida”.

Notemos que Jesus não diz: alegrai-vos com a ovelha encontrada, mas sim: “alegrai-vos
comigo”, patenteando assim toda a afeição que nos devota. Porque muito nos ama,
a nossa vida, a nossa salvação é que constitui a alegria, dele!

Notemos ainda que a ovelha transviada não foi tratada brutalmente, não recebeu
qualquer açoite, antes foi reconduzida aos ombros, com desvelo e carinho.

Isso significa que Deus não extermina os que fracassam, os que erram e se extraviam;
encontra sempre um meio de enviar-lhes o necessário socorro, pois somos criaturas
Suas, pertencemos-lhe, e, como disse sabiamente alguém: “as obras de Deus não
foram feitas para morrer”.

A corroboração deste raciocínio temo-la nesta outra afirmativa do Cristo: “Eu
desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas à vontade d’Aquele que me enviou,
e esta é à vontade daquele Pai, que me enviou: que nenhum eu perca de todos aqueles
que ele me deu.” (João, 6:38,39).

II

A parábola da dracma dá-nos a compreender que fomos feitos à imagem e semelhança
de Deus, visto que nessa moeda acha-se esculpida a efígie do rei.

Jesus, prefigurado pela dona de casa, enquanto procura a moeda que se perdeu,
conduz uma lanterna acesa. Essa lanterna, ou seja, essa luz que ele traz na mão,
é o Evangelho, é a doutrina cristã, a cujo clarão todos quantos se acham envoltos
nas trevas da ignorância e da iniqüidade serão, afinal, encontrados.

A varredura é a representação dos trabalhos, dos sofrimentos e expiações por
que temos que passar, até que nos expurguemos de todas as mazelas, de todas as imperfeições,
sejamos, enfim, arrancados do pó e readquiramos o brilho característico da pureza.

Dessa tríade de parábolas, como já dissemos, ressalta um mesmo axioma inconteste:
a unidade do destino, a salvação de todos, por via da lei do progresso que rege
o universo.

O justo já foi pecador, o pecador há de tornar-se justo; daí o júbilo entre os
anjos (justos) no céu, por um pecador que se arrepende e se regenera.

III

Na terceira parábola com que Jesus respondeu aos murmuradores que o censuravam
por conviver com gente de má fama, sobressai, em toda a sua crueza, a culpa dos
pecadores, e, com esse pormenor, mais ainda se realça a infinita bondade divina.

Após receber todos os haveres que lhe couberam em partilha, o moço afasta-se
de seu pai para uma terra distante, esquece-o, e, entregue a uma vida de desregramentos,
afunda-se na miséria.

E’ o que acontece também a nós outros, em relação a Deus: apartamo-nos d’Ele,
não pela distância, porque Deus está em toda à parte, mais pelo coração, e, olvidando-lhe
as leis, entregamos nossa alma a toda a sorte de desatinos, perdendo a retidão do
juízo, a candura do sentimento, a sensibilidade da consciência e o discernimento
justo do bem e do mal.

Vendo-se arruinado, o pródigo coloca-se, então, sob a dependência de um dos moradores
da tal terra e é mandado a guardar o gado imundo. Ali, quer saciar-se com aquilo
que dado como alimento aos animais de seu amo, mas o que lhe dão deixa-o a desfalecer
de fome.

O que a parábola aqui nos ensina é que as vaidades mundanas, as sensualidades
grosseiras e suínas, com as quais muitos se comprazem, tal qual as cascas sem substâncias
(repasto dos porcos), que só enchem e pesam, mas não alimentam, ao cabo de algum
tempo conduzem fatalmente à fome de espírito e de coração, como a sentiu afinal
o nosso estróina.

Nessa situação aflitiva, cai em si, recorda-se do pai e resolve voltar a pensares,
certo de que ele lhe há de perdoar.

Isto nos faz compreender a missão providencial da dor. Quando na terra tudo nos
corre às mil maravilhas, nem sequer cogitamos se Deus existe ou deixa de existir.
Visite-nos a desgraça, porém, e nossa alma, quebrantada, logo se volta para o céu,
porque só de lá nos podem vir às consolações e o refrigério de que necessitamos.

Põe-se então a caminho – continua a historieta – e “quando ainda vinha longe,
viu-o seu pai”. Não se contém, não espera que o filho se aproxime, que lhe fale
e se humilhe. Corre-lhe ao encontro, abraça-o e beija-o enternecidamente.

– “Pai – exclama o pródigo -, pequei contra o céu e diante de ti; já não sou
digno de ser chamado teu filho”.

O pai não lhe dá tempo de acrescentar as palavras que pensara dizer: “Trata-me
como um de teus jornaleiros”.

Tal é o arrebatamento de seu amor paterno, que, antes mesmo que o filho lhe fizesse
uma só confissão do seu passado de prevaricações, vergonhas e dores, já ele o havia
acolhido com sua clemência.

E exclama aos seus servos: “Tirai-lhe, esses andrajos e vesti-lhe o seu antigo
traje” pois assim me apraz ver restituído o meu filho, em sua primitiva dignidade.
“E enfiai-lhe um anel no dedo”, símbolo de autoridade senhorial, pois fica reintegrado
em seu lugar de filho e herdeiro dos bens paternos; “calçai-o”, para que seus pés
não se firam pelo chão; “matai um vitelo gordo, e comamos, e regozijemo-nos, porque
este meu filho que me morrera, aqui o tenho de novo em meu regaço”.

E’ exatamente assim que’ Deus procede conosco.

A carga de nossos erros impede-nos que nos cheguemos à Sua presença, mas Ele
desce até nós, acerca-se de nossas almas penitentes, toma-nos em Seus braços, dá-nos
o ósculo de perdão, e, todo ternura, acolhe-nos em Seus domínios. Pai amantíssimo
que é, “não quer a morte do filho mau e ingrato, mas sim que ele se converta, que
abandone o mau caminho, e viva”.

Lição mais consoladora e suave do que esta, não há em todo o Evangelho.

Ninguém se perde, pois não há culpas irreparáveis!

Em nosso relativo livre arbítrio, podemos dilapidar, na satisfação de bastardos
apetites, as riquezas que nos foram concedidas pelo doador da Vida.

Virão depois, entretanto, os efeitos dolorosos, e com eles o arrependimento e
a resolução de emendar-nos.

E’ quando Deus, que lê os nossos mais recônditos pensamentos, vem ao encontro
de nosso esforço individual, e, harmonizando os ditames de Sua justiça com a superabundância
de Sua misericórdia, enseja-nos, através das reencarnações, os meios de reabilitar-nos,
de redimir-nos e de retornarmos, infalivelmente, à glória inefável de Sua companhia.

IV

Essas três parábolas a bem de ver-se, deviam ter deixado descontentes os escribas
e fariseus que exprobravam o Mestre pelo bom acolhimento que dispensava aos pecadores.

A parte final da terceira, em que é focalizado o comportamento do filho mais
velho, que se recusa a entrar em casa por lá se festejar o retorno do irmão, é lhes
dedicada, e retrata com muita fidelidade a pobreza de seus sentimentos e a secura
de suas almas.

Existem, ainda hoje, desses tais. São certos tipos de religiosos, dogmáticos
e intransigentes, que desejam a todo transe o céu exclusivamente para eles e se
indignam à simples idéia de serem acolhidos por Deus também os profitentes de outras
crenças, os quais têm na conta de hereges imundos e desprezíveis.

Não obstante se reputem muito justos e fiéis observadores dos códigos divinos,
revelam-se tremendamente egoístas e descaridosos, porquanto desejariam monopolizar
a herança e o convívio do Pai Celestial e folgariam em ver os outros excluídos,
para sempre, dessa felicidade.

Ressalta, ainda, desse episódio, uma verdade proclamada pelo Espiritismo e que
a muitos tem passado despercebida: a de que não basta que nos abstenhamos do mal,
nem é suficiente que extirpemos as virtudes negativas, para fazermos jus às alegrias
do céu. E’ necessário, é condição indispensável para isso, que tenhamos desenvolvido
em nós o amor.

Haja vista o exemplo do primogênito. Arvora-se em puritano, jacta-se de nunca
haver transgredido os mandamentos, mas o seu coração é todo mesquinhez e impiedade,
e, devorado por inveja torpe, não percebe que o seu despeito contra o próprio irmão
o impede de compartilhar do regozijo que vai pela casa paterna .

Acompanhemos atentamente sua objurgatória e notemos quanto azedume dela ressumbra:

“Há tantos anos que te sirvo – diz ele ao pai -, sem nunca transgredir mandamento
algum teu e nunca me deste um cabrito para eu me regalar com meus amigos; mas tanto
que veio este teu filho, que gastou tudo quanto tinha com prostitutas, logo lhe
mandaste matar um novilho gordo”.

Essa linguagem faz lembrar a daquele fariseu que, orando no templo, ereto, cheio
de soberba, exaltava os próprios méritos, considerando-se superior a todos os outros
homens, cuja oração, entretanto, não foi aceita porque, ao mesmo tempo em que fazia
alarde de suas virtudes, se referia com desdém ao publicano, o que constitui falta
de caridade, ou seja, de amor ao próximo.

E o primogênito, porque não penetrou na casa do Pai, apesar de instado para que
o fizesse?

Também por lhe faltar esse sentimento, eis que não quis ver naquele pródigo o
“seu” irmão, cuja volta o devia alegrar, mas apenas um dissoluto, a quem se devesse
enxotar.

Termina a parábola do filho pródigo com o primogênito “de fora”; sabemos, todavia,
que a vida é eterna e que as portas do céu jamais se fecham, permanecendo abertas
para os pecadores arrependidos de todos os matizes.

Assim sendo, uns mais cedo, outros mais tarde, todos hão de “cair em si” e, desse
despertar de consciência, dessa contrição sincera, resulta sempre o retorno aos
braços amoráveis e ternos do Criador.

Aprendamos, pois, a lição áurea que o Divino Mestre nos deixou: Deus é pai de
toda a Humanidade, sem acepção de raça, cor ou crença, e, em Sua sabedoria, sabe
como e quando deve agir para atrair a Si cada um de nós.

Conseqüentemente, todos somos irmãos, e, como tal, cumpre nos unamos, nos confraternizemos
e nos auxiliemos uns aos outros; alijando de nossos corações o sectarismo, a animosidade
e os ciúmes.

Lembremo-nos de que a casa do Pai celestial é suficientemente ampla, e as reservas
do Seu amor, inexauríveis, dando, de sobejo, para agasalhar e felicitar a. totalidade
de Seus filhos!